Não foi uma decisão unânime: dois votos a um. Mas, a 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo) manteve o entendimento de que a compra de sementes de maconha via internet, em outros países, é contrabando. Por isso, em decisão tomada quarta-feira (15/07), os desembargadores Abel Gomes e Paulo Espírito Santo decidiram dar continuidade à Ação Penal em curso na 7ª Vara Federal contra M. de 23 anos, pela importação de 15 sementes, através dos Correios.
O processo estava paralisado desde 18 de junho, quando o terceiro desembargador da 1ª Turma, Antônio Ivan Athiê, em “observância do princípio da dignidade da pessoa humana”. concedeu liminar no Habeas Corpus (HC) impetrado pelo advogado Emílio Nabas Figueiredo e suspendeu o andamento do feito.
Figueiredo sustentou “constrangimento ilegal contra a liberdade do réu”, principalmente por se tratar de um portador do vírus HIV, que utilizaria a maconha com fins medicinais. Nos Estados Unidos, ao ser impedido de entrar com seus tranquilizantes, M. acabou usando a maconha terapeuticamente e obteve bons resultados. Ou seja, a Cannabis substituiu os psicotrópicos.
Na quarta-feira, Athiê, relator do processo, foi voto vencido ao defender a concessão da ordem para encerrar definitivamente o caso. Como a decisão não foi publicada, ainda não é possível recuperar a tese que defendeu na sessão.
O debate, porém, não envereda pela questão da descriminalização do uso da droga que, ao que parece, todos defendem. Mas sim pelo crime de importar substância proibida, o que caracteriza o contrabando. Fica porém a dúvida de como usar a maconha, cujos efeitos medicinais tem sido reconhecido, sem alimentar as quadrilhas de traficantes.
Os desembargadores Gomes e Espírito Santo acompanharam o parecer da procuradora regional da República, Silvana Batini Góes. “Não me convenci da mínima ofensividade ou ausência de periculosidade da conduta, não obstante a pequena quantidade de sementes possa indicar o reconhecimento da bagatela”, disse em seu parecer, convicta de que a conduta do réu viola a lei penal, logo deve ser julgada na 1ª instância da Justiça Federal.
“A semente de maconha é insumo vegetal cuja proibição está implícita na legislação, independente de a pretensão do paciente conter ou não fins medicinais”, sustentou.
Militante da revisão da política de drogas no País, o advogado Figueiredo, ao falar à repórter Roberta Pennafort, em matéria publicada em 7 de julho em O Estado de S. Paulo, criticou a argumentação. Para ele, a procuradora não considera o ganho de qualidade de vida do paciente com o uso da maconha. “Beira a covardia”, apontou. Na verdade, a procuradora no fundo tem a mesma posição dele, a favor da revisão da legislação.
O uso da maconha pelo réu, conforme descreveu Roberta Pennafort, iniciou-se em 2013, ao visitar a Califórnia (EUA) e ter seus tranquilizantes apreendidos pela Alfândega americana. Em substituição aos remédios confiscados, ele fez uso da erva, que naquele estado norte-americano tem seu uso medicinal liberado. Os bons resultados obtidos – teve o apetite aberto, viu diminuírem as dores e conseguiu ficar mais calmo – o fez decidir importar as sementes quando de seu retorno ao país para cultivá-la em sua casa.
A compra foi feita pela Internet, como a maioria das transações que o estudante faz, através de uma empresa sediada no exterior.
Alucinógeno – A procuradora, por sua vez, a partir de uma pesquisa de documentos oficiais e jurisprudências, contestou os argumentos apresentados no pedido de HC, lembrando que as sementes importadas são proibidas (o que caracteriza o contrabando).
Ela considerou também que não existiria o vínculo de urgência entre o contrabando de sementes de maconha e o uso imediato do substrato da droga, uma vez que a semente não é consumível e a espera do plantio até a colheita da planta não tornaria justificável o suposto estado de necessidade.
O também procurador regional da República, Carlos Aguiar, que participou da sessão, lembra que “apesar de ter sido alegado o uso para fins terapêuticos, a questão é que o Brasil não admite a importação de sementes, nem de produtos derivados da maconha. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autoriza desde que seja o produto manufaturado, já industrializado, para fins terapêuticos, mas exige o pedido médico. Há uma série de pré-requisitos que não se enquadraria ali”.
Além disso, diz que a semente possui elemento alucinógenos que pode gerar dependência química. Por isso é proibido. Isto é previsto expressamente na resolução da Anvisa. Ele enxerga na decisão algo que transcende a discussão em torno da maconha:
“Foi um caso importante porque, senão, daqui a pouco, até abortivo, por exemplo, porque tem país que é possível comprar abortivo pela Internet. Se houvesse esse precedente, poderia gerar também essa expectativa”, explicou.
A discussão é grande e já é antiga. No Tribunal Regional Federal da 3ª Regiao (São Paulo e Mato Grosso), um Habeas Corpus foi concedido trancando uma Ação Penal em que a importação da semente de maconha foi entendida como tráfico de drogas, diferentemente do que ocorreu no Rio.
Ali, em novembro de 2013, o desembargador Toru Yamamoto desclassificou a denúncia de crime de tráfico ao fazer a distinção entre “preparação de drogas” e “produção de drogas”.
“A semente de maconha presta-se à produção da maconha, mas não à preparação dela, pois a semente, em si, não apresenta o princípio ativo tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição e não tem qualidades químicas que, mediante adição, mistura, preparação ou transformação química, possam resultar em drogas ilícitas”, expôs no acórdão para, em seguida concluir, em contraponto ao que pensa o procurador Aguiar:
“A semente de maconha não poderá ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação da maconha, a que se refere o inciso I, do § 1º do art. 33, da Lei n. 11.343/06. Para que se configure o crime de tráfico de drogas previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/06, é preciso que a substância por si só tenha potencialidade para a produção de efeitos entorpecentes e/ou psicotrópicos e possa causar dependência física ou psíquica, o que não ocorre com as sementes da planta Cannabis sativa Linneu”.
Descriminalização – A prática destas compras pela Internet já existe. O advogado Figueiredo, segundo a reportagem de Roberta Pennafort, atua como consultor da Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal e já defende “centenas de casos” idênticos.
“São 3 mil casos de sementes apreendidas no Brasil nos últimos dois anos. Tem muita gente plantando maconha para não abastecer de capital o mercado ilícito. A sociedade brasileira vai ter que decidir qual vai ser sua opção. A questão vai ser enfrentada nos tribunais regionais e nos superiores”, previu.
No seu parecer, a procuradora Silvana faz questão de ressaltar que não enveredou pela discussão da criminalização do uso da maconha. Lembra que o jovem não está sendo acusado de tráfico, mas de contrabando (a importação de produtos proibidos). Pessoalmente, ela até tem posição semelhante a do advogado, ao defender que o uso de entorpecentes, em especial a maconha deveriam ser retiradas do controle punitivo criminal.
Para ela, o princípio da intervenção mínima e a ausência de ofensividade e lesividade a terceiros deveriam levar à revisão da política criminal antidrogas, que não acompanha as mudanças na sociedade, “principalmente diante da inércia do Poder Legislativo”.
É possivel concluir que, ocorrendo a descriminalização, certamente a semente da maconha deixará de ser produto proibido pela Resolução da Anvisa, acabando também com a figura do contrabando.
A ressalva feita pela procuradora, porém, como ele mesmo destacou, não permite que os chamados operadores do Direito deixem de observar a legislação penal vigente que, no caso, classifica a compra como um contrabando, uma vez tratar-se de produto proibido.
A matéria de Roberta Pennafort pode ser lida em: em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,soropositivo-e-processado-por-contrabando-apos-importar-sementes-de-cannabis,1721026
2 Comentários
Bom artigo.
Deviam legalizar #LEGALIZE