Dias Toffoli de volta à 2ª Turma do STF?
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Marcelo Auler

Kassio Nunes Marques (Foto: Reprodução)

Dificilmente se acreditará que foi uma estratégica armação política. A maioria entenderá como uma casualidade. O fato concreto é que durante meses o presidente Jair Bolsonaro inflamou os debates em torno do preenchimento da primeira vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com verdadeiros “balões de ensaio”. Inicialmente seria alguém “terrivelmente evangélico”, depois falou em um amigo que “toma cerveja comigo no fim de semana”. Entre um e outro comentário, insuflou uma lista de possível agraciados pela qual circularam nomes como o do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra, o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, o atual procurador-geral da República, Augusto Aras e ainda os seus ministros da Justiça, André Mendonça, e Jorge Oliveira, da secretaria-geral da Presidência. Nada disso aconteceu.

Na terça-feira (29/09) à noite, ao retirar o “bode da sala”, o presidente surpreendeu – positivamente – a muitos. Inclusive àqueles que imaginavam/tentavam participar da escolha do sucessor do decano do Supremo, ministro Celso de Mello, que se aposentará no próximo dia 13. Ao enveredar por um caminho diferente, pode estar esperando colher ganhos mais à frente.

Consta que surpreendeu ao próprio juiz federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), Kassio Nunes Marques, um piauiense de 48 anos, quando o comunicou que pretendia indicá-lo para o STF. “Vai ser você”, disse ao desembargador na conversa que tiveram, no início da noite, no Palácio Alvorada, como revelado na quarta-feira por  Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo. Até então, o desembargador almejava o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ainda surpreso, Marques foi chamado pelo presidente para irem à residência do ministro do STF Gilmar Mendes. Um encontro marcado naquela mesma noite, a partir da intermediação do presidente do Senado, David Alcolumbre. Também estiveram presentes o ex-presidente do Supremo, Dias Toffoli, e o ministro das Comunicações, Fabio Faria. Ao anunciar o nome do escolhido, Bolsonaro revelou ser ele o amigo das cervejas nos finais de semana, como noticiou nesta quinta-feira (01/10) a colunista de O Globo, Bela Megale – Kassio Nunes, o indicado ao STF que toma cerveja com Bolsonaro.

Na casa de Kátia Abreu opção por Jorge Oliveira

Um nome totalmente inesperado, sobre o qual não se falava. Basta ver que a visita de Bolsonaro à residência de Mendes pode ser entendida a partir do recado que Alcolumbre lhe levara naquela mesma terça. O presidente do Senado resumiu ao presidente da República a conversa da qual participara na segunda-feira (28/09), em jantar oferecido pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO). Participaram do convescote os ministros Mendes e Toffoli, e também a Aras. Ali, o prato principal era a sucessão de Celso de Mello.

A conversa girou em torno dos nomes que frequentaram as listas de possíveis indicados, da qual o desembargador Marque não constava. Fixaram-se, então, no nome do ministro Oliveira, apesar de reconhecerem sua inexperiência jurídica para o cargo. Prevaleceu, porém, o entendimento que, no quadro atual do Supremo, vale mais a coragem que o preparo intelectual e/ou jurídico. Ao levar este recado ao presidente, foi que Alcolumbre soube pelo próprio que Bolsonaro pensava em outra pessoa. Nenhum nome foi dito, o que provocou no senador certa desconfiança. Permaneceu ressabiado até à noite, no encontro que ajudou a promover na casa de Mendes.

A forma como Bolsonaro decidiu-se pelo desembargador Marques ainda é desconhecida. Quem conhece os bastidores políticos de Brasília aposta suas fichas que o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) teve participação nessa articulação. Lira, assim como o senador piauiense Ciro Nogueira (PP), fortes lideranças do chamado Centrão, trabalhavam no nome do desembargador para a vaga no STJ com a aposentadoria do ministro Napoleão Nunes Maia. Lira é nome no qual o presidente aposta suas fichas para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara.

Marques pode ser o amigo das cervejas, como teria alegado Bolsonaro. Mão não é o candidato “terrivelmente evangélico”, que assustava a muitos; Ele é católico. Pode não ser um erudito no mundo jurídico, como o decano ao qual tende a substituir. Mas também não carece de conhecimento jurídico, tal como falam em Brasília ser o caso do ministro Oliveira. Não bastasse, tendo chegado ao TRF-1 pelo quinto dos advogados, ele mantém um excelente relacionamento comas defesas. Está sempre aberto ao diálogo.

É verdade que Luiz Fux, atual presidente do STF apostava suas fichas em alguém vindo, como ele, do STJ. Possivelmente pensando na escolha daquele que indicaria como candidato, o ministro Luís Felipe Salomão. Ainda assim, a indicação de Marques não será vista como algo inusitado, como seria a indicação de um “terrivelmente evangélico”. Tampouco poderão alegar seu despreparo jurídico. Tudo isso poderá ajudar Bolsonaro a melhorar sua imagem na mais alta corte. A mesma que decidirá sobre o Inquérito que o investiga de possível interferência na Polícia Federal. Onde também baterão o martelo sobre o foro especial reivindicado por seu filho no judiciário do Rio de Janeiro, para o provável processo do caso das rachadinhas. Não bastasse, a indicação do desembargador agradará aos políticos – em especial os do Centrão – e a muitos advogados.

Marques militou na seccional piauiense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pela seccional, foi suplente no Conselho Federal da OAB e ali participou da Comissão Nacional de Direito Eleitoral e Reforma Política. Em 2011, na gestão de Ophir Cavalcante Junior à frente do Conselho Nacional da Ordem, foi o mais votado para a lista tríplice que indicou à presidente Dilma Rousseff nomes para preencher a vaga aberta no TRF-1. O lobby pela sua nomeação foi comandado por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que sucedeu Ophir como presidente da Ordem.

Magistrado consequencialista

Muitos tratam Marques como um magistrado consequencialista. Ou seja, aquele que vota prevendo a consequência do que decidirá. Por várias vezes garantiu a quem recorreu ao Judiciário direitos fundamentais. A uma jovem permitiu participar do Enem, apesar do erro apresentado no boleto de pagamento de sua inscrição no concurso, provocado por uma loja lotérica. A idosos, garantiu tratamentos e remédios que os governos – federal, estadual ou municipal – tentavam negar. Em 2017, por exemplo, seu voto em um caso desses registrou:

É, portanto, responsabilidade do Estado, enquanto poder público (União, Estado, Distrito Federal e Município), garantir aos cidadãos o fornecimento de medicamentos e/ou tratamentos de saúde necessários à garantia dos direitos acima referidos. No caso em analise, a obrigação de fazer consistiu em condenar os requeridos, União e Estado de Minas Gerais, a fornecerem e implantarem junto ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, “stent” farmacológico, conforme receituário médico, na quantidade necessária ao tratamento integral, dada a urgência que o caso requer e, de forma ininterrupta e suficientemente necessária, até o final do tratamento do Sr. Pedro Hipólito Dias, portador de arteriosclerótica coronariana CID 10 I 25.1, com reestenose de stent de coronária circunflexa e obstrução do primeiro ramo marginal”.

Há decisões suas questionáveis, teoricamente por prejudicarem tribos indígenas. Como a cassação da liminar de um juizado federal em Rondônia impedindo a construção da BR-421, entre as cidades de Guajará-Mirim e Ariquemes. Ela atravessa o Parque Estadual Guajará-Mirim e passa no entorno da Terra Indígena Karipuna. O desembargador cassou a liminar, permitindo a obra.

Havia, porém, justificativas. Com a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho, passaram a ser constantes as enchentes do rio Madeira, alagando as rodovias BR-365 e BR-425 e isolando o povo de Guajará-Mirim e também de Nova Mamoré. Uma população que perdeu parte da mobilidade após o término da ferrovia Madeira-Mamoré. Assim, o “consequencialista”, teria visado o interesse das populações ilhadas quando dos alagamentos das demais estradas.

Há ainda quem garanta que ele será um garantista dentro do Supremo. Ou seja, somará com Mendes, Toffoli e Ricardo Lewandowski, que hoje ainda contam com o atual decano. Pouco se sabe do posicionamento de Marques com relação à Lava Jato. Em 2018, em entrevista à repórter Hylda Cavalcanti da revista jurídica Conjur, questionado sobre a prisão após a condenação em segunda instância, não a defendeu como algo líquido e certo, como sustentavam os lavajatistas. Lembrou que o Supremo a autorizara, mas não a impunha:

É possível? Sim! Não é necessário aguardar o trânsito em julgado para a decretação da prisão. Ao meu sentir, o Supremo autorizou que os tribunais assim procedam, mas não os compeliu a assim proceder. O recolhimento ao cárcere não é um consectário lógico que prescinda de decisão fundamentada e análise das circunstâncias de cada caso. Há a necessidade de a ordem ser, além de expressa, fundamentada. Diante das circunstâncias do caso concreto, os julgadores podem adotar ou não a medida constritiva de liberdade. Podem entender que não seria o caso de recolhimento em um determinado caso, mas não de forma discricionária, e muito menos automática e jamais não revestida da devida fundamentação“.

Respaldados nos seus votos, na sua manifestação, no seu trato com as defesas e até mesmo no seu trânsito político, inclusive com o Centrão, é que juristas de Brasília apostam que ele se somará aos garantistas do STF. Para desespero de Sérgio Moro pois, se a indicação de Marques realmente emplacar, ele chegará à mais alta corte do país antes de o ministro Mendes levar a julgamento o Habeas Corpus em que a defesa de Lula questiona a parcialidade do ex-juiz curitibano.

Sua participação nessa decisão ainda dependerá de possíveis arranjos internos na corte. Pode ocorrer a transferências de ministros para a Segunda Turma, na vaga aberta pela saída de Celso de Mello. A princípio, como narramos em Dias Toffoli de volta à 2ª Turma do STF?, costurava-se para que Toffoli protagonizasse tal mudança. Mas ele, ao que consta, tem afastado essa possibilidade. Parece querer distância da Lava Jato.

 

 

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3 Comentários

  1. Francisco de Assis disse:

    Não seria bom por as barbas de molho com o juiz tirado da cartola do Genocida?

    Tanto para a direita de Gilmar Mendes (PSDB) quanto para a extrema-direita militar-miliciana de Bolsonaro, o resultado ideal do julgamento da suspeição de Moro é aquele que desmoralize o futuro político do marreco criminoso de Maringá e que, ao mesmo tempo, mantenha cassados os direitos políticos de Lula para 2022.

    Uma tal solução consiste em declarar Moro suspeito no processo do triplex, em cujos autos está o Habeas Corpus em causa, e, ao mesmo tempo, não atender um segundo pedido de Lula no HC, o de estender automaticamente a suspeição de Moro aos processos do sítio de Atibaia e do instituto Lula, com a desculpa esfarrapada de que suas sentenças não foram dadas por Moro – a primeira foi obra de Gabriela Hardt e a segunda será dada pelo juiz Luiz Bonat.

    Tal solução talvez explique porque Gilmar Mendes (PSDB) enrolou o julgamento para não permitir a Celso de Mello dar o seu voto no caso. Para Mello, dar um voto criminoso como este praticamente definiria seu futuro epitáfio – ‘Aqui jaz um juiz de merda’ (por Saulo Ramos) -, pecha que deseja tirar da sua biografia. Entretanto, a ação de Gilmar (PSDB) também foi ideal para Mello: simplesmente não votar e não favorecer o seu inimigo Lula. Tal solução, por outro lado, talvez explique porque Dias Toffoli, capacho de milico e miliciano, está se acovardando mais uma vez, não querendo mais voltar para a segunda turma do stf.

    É aqui que entra o juiz retirado da cartola fascista e esta pode ser sua encomenda, a bola que vai matar no peito num stf de má fama, homenageado e com serviços gratuitos ofertados em casas de prostituição como o Bahamas. Para liquidar Moro, faria maioria com Gilmar e Lewandowsky, e para liquidar Lula, contaria com Fachin e Carmén Lúcia. Em público, para agradar a esquerda otária que passsou a ter fé nele, Gilmar Mendes (PSDB), ‘docemente contrariado’, fará caras e beiços (ou seria ‘beiçolas’?). Em privado, será que não vai comemorar, tomando um uisquinho com FHC, Bolsonaro, generais, milicianos, neopentecossauros, agroboys e que tais – toda a aliança golpista neocolonial, antipovo e antinação, ‘com STF, com tudo’, que se instalou nestas bandas em 2016?

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