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Marcelo Auler

Dom Evaristo Pascoal Spengler, bispo da Prelazia de Marajó (Foto: divulgação)

Deixando claro que a igreja católica local, mesmo disposta ao diálogo, “recusa-se, por convicção ética e evangélica, a participar de eventos que favoreçam apropriações político-partidárias, especialmente no curso de processos eleitorais“, o bispo da Prelazia de Marajó, dom Evaristo Pascoal Spengler, divulgou nota oficial, nesta sexta-feira (09/10), criticando a visita que o presidente Jair Bolsonaro fez ao arquipélago, no estado do Pará, a partir da tarde de quinta-feira e durante esta sexta-feira (09/10).

Após classificar a viagem do presidente como “um espetáculo midiático com questionáveis efeitos concretos“, o bispo ainda considerou “estranho, também, em plena pandemia, em uma região com um sistema de saúde precário, a realização de atividades que favoreçam a aglomeração social, sem respeito às normas sanitárias, onde as taxas de contágio e óbitos em decorrência da Covid-19 são preocupantes“.

Pela propaganda oficial do governo, Bolsonaro foi ao arquipélago – ele passou a noite em um navio da Marinha atracado no município de Breves – para inauguração de ligações de energia elétrica, conexão de internet em escolas e visita a uma agência fluvial da Caixa Econômica Federal. Prometeu, no vídeo que fez quinta-feira à noite nas redes sociais, investimentos de recursos “que ultrapassam R$ 1 bilhão”. Tudo dentro do programa “Abrace o Marajó”, lançado em março e coordenado pelo ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Dom Spengler diz que a igreja católica “se associa às iniciativas democraticamente construídas, com vistas à promoção do desenvolvimento socioeconômico e do bem estar da população marajoara. Sobretudo, aquelas medidas destinadas a superar dívidas históricas com o povo da região, com a proteção do meio ambiente e com a valorização da cultura regional“. Em seguida, a nota transcreve uma citação do documento final do Sínodo da Amazônia, realizado no Vaticano no ano passado:

A Amazônia (inclua-se o Marajó) hoje é uma beleza ferida e deformada, um lugar de dor e violência. Os ataques à natureza têm consequências negativas na vida dos povos” (DF 10).

Falta diálogo com o tecido social da região

 

Na visão do bispo, porém, qualquer projeto visando o desenvolvimento na região precisa ter a participação de todos, notadamente dos diversos segmentos sociais existentes no arquipélago. Não pode ser imposto. Ele reclama da falta de diálogo:

O Programa Abrace o Marajó poderia ser uma iniciativa governamental com vistas a oferecer respostas públicas às demandas da região. Para isso, seria indispensável um diálogo com o governo do Estado, com os poderes municipais e, principalmente, com as lideranças da sociedade civil. Um diálogo sincero, franco, responsável, envolvendo a pluralidade do tecido social da região: as lideranças religiosas das diferentes denominações, as lideranças dos variados setores da atividade econômica, formal e informal, as lideranças dos trabalhadores, das populações tradicionais, dos artistas, das juventudes, das mulheres, bem como lideranças de movimentos sociais e ambientais. Para se constituir em um programa de governo, com efetivos resultados econômicos e sociais, com responsabilidade ambiental, demandaria o envolvimento daqueles que trabalham em defesa da cidadania, da convivência democrática, do respeito à pluralidade e da justiça social e do cuidado com a “Casa Comum”. Como ensina o Sínodo para a Amazônia:

Para os cristãos, o interesse e a preocupação com a promoção e o respeito dos direitos humanos, tanto individuais quanto coletivos, não são opcionais. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus Criador, e sua dignidade é inviolável. É por isso que a defesa e a promoção dos direitos humanos não são meramente um dever político ou uma tarefa social, mas também, acima de tudo, um requisito de fé (DF 70).”

Dom Spengler alerta que programas e iniciativas governamentais que excluem a participação popular na sua elaboração são fadados ao fracasso. Defende que o povo, como destinatário dos mesmos, deve ser interlocutor, para apresentar sua contribuição com o conhecimento que tem. A nota explica:

A história brasileira tem demonstrado fartamente o fracasso de iniciativas governamentais que veem o povo como destinatário e não como interlocutor, que dispensaram o seu conhecimento e as suas contribuições. Somar é a melhor estratégia para chegar aonde não se pode chegar sozinho (cf. DF 39) e o diálogo é o meio mais adequado para se conferir audiências aos interlocutores legítimos e às suas demandas. Portanto, é importante indagar sobre esta visita repentina do presidente e sua comitiva ao Marajó: Com quem o governo do presidente Jair Bolsonaro estará somando em pleno processo eleitoral? A que interlocutores estará conferindo audiência? Que mensagens estará veiculando?

“Bolsonaro não veio construir parcerias”

O bispo de Marajó bate forte na falta de democracia por parte do governo. Diz que o governo de Bolsonaro está em “busca de aplausos e não do estabelecimento de diálogos; reflete mais o desejo por plateias e menos a busca de interlocutores e de parcerias para um empreendimento público“. Ao explicar o motivo da sua Prelazia não abraçar o programa governamental, fala da falta de interesse do governo em somar forças:

Esta solenidade do anúncio de medidas do programa Abrace o Marajó não contará com a acolhida da Prelazia do Marajó porque não está inscrita em uma estratégia de somar forças, de estabelecer diálogos com a sociedade e de impulsionar iniciativas. Como estratégia midiática e eleitoral, parece claro que o presidente Jair Bolsonaro não veio ao Marajó para construir parcerias. Sua postura unilateral, com absoluto desprezo às autoridades constituídas, à população residente e às lideranças marajoaras, sinaliza que o objetivo de sua viagem está mais inclinado à busca de aplausos e não do estabelecimento de diálogos; reflete mais o desejo por plateias e menos a busca de interlocutores e de parcerias para um empreendimento público, orientado para a resolução de demandas regionais importantes”.

No entendimento do bispo, o presidente não demonstra interesse maior em realmente atender à população local nas suas próprias demandas e necessidades. Para ele, o lançamento do programa visa apenas interesse político-partidário, em especial no período eleitoral. Contudo, sinaliza que a igreja católica local acolherá com atenção especial e envolvimento iniciativas que se abram à participação da população local, algo que não enxergou no programa lançado pelo ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Diz a nota:

A Prelazia do Marajó está disponível, como sempre esteve, ao diálogo construtivo e democraticamente cultivado. Contudo, recusa-se, por convicção ética e evangélica, a participar de eventos que favoreçam apropriações político-partidárias, especialmente no curso de processos eleitorais. Não compactuaremos com ações que confisquem a voz do povo marajoara e exonerem as suas agendas. Acolheremos, com especial atenção, dedicação e envolvimento, todas as ações destinadas ao Marajó que se abram à participação das populações locais, dando-lhes voz e vez nas decisões, considerando suas necessidades, respeitando suas tradições e culturas e garantindo a preservação do meio ambiente saudável.”

 

 

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