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Janot: não ao messianismo, ao individualismo e à radicalização

Marcelo Auler

Rodrigo Janot, comunicado aos procuradores que serve também aos brasileiros. Qual o caminho que escolheremos? (Foto Reprodução)

Rodrigo Janot, comunicado aos procuradores que serve também aos brasileiros. Qual o caminho que escolheremos? (Foto Reprodução)

Já era tempo. Rodrigo Janot, em comunicado interno – “União e Serenidade” – aos procuradores do Ministério Público Federal – que, na verdade, serve à sociedade como um todo -, mostra o caminho a ser traçado não apenas pela instituição que dirige, mas por todos os democratas que entendem que a saída da crise não pode significar o retrocesso no Estado de Direito Democrático.

Combater a corrupção sem tréguas é o que todos queremos. Porém, temos reafirmado aqui, de acordo com as leis vigentes, sem desrespeito à democracia, sem precipitações e, como diz o próprio Janot, sem recorrermos

 “à iniciativas individuais, ao messianismo ou ao voluntarismo, mas ao conjunto de experiências e conhecimentos acumulados coletivamente ao longo de anos de labuta, de erros e de acertos”.

Ainda nas palavras dele, nessa luta contra a corrupção, é preciso não abrir mão de valores como

temperança, coragem, sabedoria e humildade. Não sairemos dessa crise melhores como país se escolhermos o caminho da radicalização”.

Diante da crise pela qual passa o país, ele conclama os membros do MP – e, entendo, a todos nós brasileiros – a refletirmos sobre a escolha que temos à frente:

“institucionalizaremos os valores republicanos, democráticos e do estado de direito, ou afundaremos o país em um perigoso jogo de poder que nada há de agregar à construção da cidadania e da civilidade?

Abaixo a íntegra da mensagem dele, para reflexão de todos (os grifos são meus):

União e Serenidade

“Encontramo-nos atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa Nação, ou qualquer outra Nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar”. Essas foram palavras proferidas por Abraham Lincoln, em 19 de novembro de 1863, por ocasião de um conflito que dividia dramaticamente o povo dos Estados Unidos da América. O pano de fundo da dissensão era a luta pela liberdade consubstanciada no fim da escravidão. Lincoln, como um grande estadista, sabia que, por mais justa que fosse a sua causa, vencer a guerra a qualquer custo não seria uma alternativa válida. O país, após o sangrento conflito, deveria sobreviver ou não haveria verdadeira vitória. Em respeito à memória dos mortos, que ele homenageava no cemitério de Gettysburg, o presidente percebeu com muita clarividência que a própria noção de liberdade, como valor para as nações democráticas, sairia enfraquecida ou mesmo pereceria, caso o desfecho do conflito fosse a fratura irreconciliável entre os irmãos americanos. Abraham Lincoln queria, acima de tudo, um país unido e forte, em que o governo do povo, para o povo e pelo povo jamais desaparecesse da face da terra.

Com o grande líder Nelson Mandela também não foi diferente. Após 30 anos de cárcere decorrente de sua luta pelo fim do apartheid, Madiba, como era carinhosamente conhecido, derrotou a nódoa da segregação racial e chegou à presidência da África do Sul. Muitos dos companheiros que compartilharam da sua luta acreditavam que, com a sua assunção ao poder, era a hora da revanche contra os que, por tantos anos, injustamente os oprimiram. Mas Mandela foi um gigante em humanidade e sabedoria. Ao contrário do que se poderia esperar de um homem tão brutalmente injustiçado, ele decidiu seguir por um caminho que não levasse o seu país a se desintegrar em uma guerra fratricida e de consequências imprevisíveis. Sem aquiescer com o mal, esse extraordinário estadista, encontrou uma forma sábia de desfazer os equívocos do passado, preservando a unidade de sua nação.

Cito esses dois exemplos extremos para falar do Brasil, do Ministério Público e do momento atual. Refletindo sobre tudo isso, chego à conclusão de que há muitos anos o país não atravessa uma crise tão aguda e grave como a que vivemos nestes dias difíceis.

É certo que cada época tem os seus desafios, que os problemas, as soluções e os riscos são próprios e datados, mas não é menos certo que há valores e atitudes que influenciam decisivamente a ordem dos acontecimentos e que não estão jungidos ao tempo nem ao espaço.

Refiro-me à temperança, à coragem, à sabedoria e à humildade. Não sairemos dessa crise melhores como país se escolhermos o caminho da radicalização. Essa estrada só tem curso para nos levar ao ódio e à desintegração do sentimento de unidade essencial que deve permear o nosso povo, para além das divergências políticas.

Nesses momentos singulares, as paixões afloram, a psicologia das massas dita condutas e, no ponto de inflexão, tudo pode mudar para melhor ou para pior. Podemos com a crise avançar ou retroceder, ficar estáticos jamais. Então, o que será determinante nessa hora difícil para que a nossa história siga por um ou por outro lado? Muitos fatores, certamente. Mas dentre todos eles, gostaria de destacar dois: a qualidade de nossos líderes e a força de nossas instituições. Dito de forma melhor: avançaremos na medida em que as lideranças operem, com firmeza e serenidade, nos limites estritos da institucionalidade. Nenhum de nós, por mais lúcido e clarividente que seja, é capaz de sozinho e ao largo do processo institucional apontar saídas que nos conduzam a um futuro melhor.

O Brasil superará essa crise, não há dúvida sobre isso. Esse fato sequer depende do Ministério Público, da Justiça ou dos partidos, ao contrário, vai ocorrer, se for necessário, apesar de todos nós, pela força da própria sociedade. Temos, no entanto, uma escolha: institucionalizaremos os valores republicanos, democráticos e do estado de direito, ou afundaremos o país em um perigoso jogo de poder que nada há de agregar à construção da cidadania e da civilidade?

Para responder a essa pergunta, é preciso entender que, sob qualquer governo, de esquerda, de direita ou de centro, o futuro só será generoso conosco se aceitarmos definitivamente que não existe salvação possível fora das instituições.

O Ministério Público forjou suas potencialidades em anos de trabalho incessante de combate à corrupção, o qual é desenvolvido por seus membros nos mais recônditos lugares do país.

Se chegamos, agora, ao ponto culminante do enfrentamento desse mal que assola nossos governos, atingindo o sistema nervoso central da corrupção, isso não se deve a iniciativas individuais, ao messianismo ou ao voluntarismo, mas ao conjunto de experiências e conhecimentos acumulados coletivamente ao longo de anos de labuta, de erros e de acertos.

O país precisa, mais do que nunca, de que o Ministério Público cumpra fielmente o seu destino nesse momento crucial, e, para tanto, precisamos de coletivamente compreender três verdades intuitivas: a primeira, o desafio da nossa hora é o de combater a impunidade; a segunda, o Ministério Público não tem ideologia nem partido, de modo que nosso único guia deve encontrar-se no texto da Constituição da República e nas leis; a terceira, devemos manter aceso nosso sentimento de unidade, sem cizânias personalistas ou arroubos das idiossincrasias individuais. É chegada a hora de exercermos, por inteiro, as nossas funções institucionais, influenciando a sociedade pelo bom exemplo e pelo trabalho técnico e sereno.

Não podemos permitir que as paixões das ruas encontrem guarida entre as nossas hostes. Somos Ministério Público. A sociedade favoreceu-nos, na Constituição, com as prerrogativas necessárias para nos mantermos alheios aos interesses da política partidária e até para a defendermos de seus desatinos em certas ocasiões. Se não compreendermos isso, estaremos não só insuflando os sentimentos desordenados que fermentam as paixões do povo, como também traindo a nossa missão e a nossa própria essência.

Conclamo todos os membros do Ministério Público ao cumprimento dos seus deveres para com país. Devemos dar combate incessante à corrupção, seja onde for e doa a quem doer, mas há de se preservar sempre as instituições.

A Lava Jato certamente não salvará o Brasil, até porque se tivéssemos essa pretensão, já teríamos falhado antes mesmo de começar. No entanto, esse belo trabalho – estou convicto disso – tem as condições necessárias para alavancar nossa democracia para um novo e mais elevado patamar, se, e somente se, soubermos manter a união, a lealdade institucional, o respeito à Constituição. Devemos apagar o brilho personalista da vaidade para fazer brilhar o valor do coletivo, densificando a institucionalidade dentro da nossa casa e, consequentemente, no País.

Para encerrar, socorro-me uma vez mais de outro insigne estadista – Winston Churchill – que guiou seu país em uma terrível guerra pela sobrevivência e pela liberdade. Parafraseando-o, desejo que, unidos no cumprimento do próprio dever, tenhamos, nas nossas mentes e nos nossos corações, a ideia firme de que se o Ministério Público brasileiro durar mil anos, possam os homens dizer de nós: “Este foi o seu melhor momento”.”

15 Comentários

  1. […] disso, foi Janot quem divulgou uma advertência lúcida (Leia, a propósito, Janot: não ao messianismo, ao individualismo e à radicalização) sobre a necessidade de contenção da vaidade e da prepotência nos que lidam com […]

  2. […] disso, foi Janot quem divulgou uma advertência lúcida (Leia, a propósito, Janot: não ao messianismo, ao individualismo e à radicalização) sobre a necessidade de contenção da vaidade e da prepotência nos que lidam com […]

  3. C.Paoliello disse:

    Aplaudimos todos um pronunciamento desses, venha de quem vier, mas, como observou bem o Francisco, a prática de Janot não se enquadra em seu discurso, tendo acobertado (até agora) as mais escandalosas ilegalidades da lava jato e de sua “força-tarefa”, aprovando todas as ilações, presunções e pressuposições dos procuradores fanaticamente aecistas do MP-PR. Fora a blindagem que tem praticado para proteger, unica e exclusivamente, tucanos criminosos arquivando denúncias de escabrosas transações que a bandidagem da cúpula do psdb tem perpetrado. Janot tem que fazer uma escolha, ou continua com sua odiosa prática ou assume o que escreveu e passa a agir nos limites da lei. Não há sociedade civilizada sem o primado da lei.

  4. […] Clique para ler a íntegra da carta no blog do Marcelo Auler. […]

  5. Dilma Coelho disse:

    Como uma criatura desse tipo pode ser tão hipócrita. Sempre lembro dele cumprimentando a Dilma no dia da posse dele, depois de ser descascado pelo energúmeno collor, cumprimentando-a olhando para baixo… Naquele momento eu pensei, é um sujeito não confiável…
    E agora vem com essa conversa fiada.
    Até agora não li, em outro blog, que alguém tenha acreditado nessa farsa dele…
    “A lista do janot” kkkkk…

  6. João de Paiva disse:

    Este comunicado do Janot(a) é o ápice da hipocrisia, do cinismo, da empáfia e do deboche. E se outros leitores não leram com atenção, destaco o trecho final:

    “…se o Ministério Público brasileiro durar mil anos, possam os homens dizer de nós: “Este foi o seu melhor momento”.”

    Adolf Hitler também dizia que o III Reich duraria mil anos.

    Qualquer semelhança – bem sabemos nestes dias em que o nazifascismo semeado pelo PIG, pela direita política, pela atuação descontrolada, desregrada e autoritária , muitas vezes ilegal e criminosa, da PF, do MP e parte do Judiciário – NÃO é mera coincidência.

    Sr. Janot(a), a mim o Sr. nunca enganou; muito menos agora com esse comunicado hipócrita, que me parece mais falso que cédula de R$7,00.

      • Rabelo disse:

        Concordo totalmente.
        E mais.
        É de se perguntar o que teria motivado o “vazamento” de um “comunicado interno”, que não a plena consciência de que a imagem do MPF está se esfacelando entre a comunidade jurídica, intelectuais e todos os que escrevem a história.
        O MPF se vendeu prá mídia, esquecendo-se que jornais passam; livros de história, não.
        E será nesse âmbito que o papel desempenhado pelo MPF em 2015/2016 terá a marca da infâmia.
        Caiu a máscara.
        Na verdade, o ministério publico é uma instituição muito pouco transparente. O dia em que jornalistas verdadeiramente começarem a olhar por suas frestas, o país vai se admirar do tanto de dinheiro público (mal) empregado.
        Por isso, esse comunicado do senhor Janó(t) nada mais foi do que uma manobra diversionista para continuar tudo como antes. Pior: é tão arrogante que acha que pode continuar enganando a todos, a tanta gente muito mais inteligente e preparada do que ele, enquanto continua sentado confortavelmente em cima dos delitos do PSDB.

  7. VIDA de GADO disse:

    Hipocrisia. O MPF do Paraná e tudo ao contrário do que ele pregou… e não é nada pra ninguém.

  8. Pedro Lemus disse:

    Agora que está tudo certo pra Dilma cair, esses vermes querem restabelecer o Estado Democrático de Direito, que só vale para os amigos deles, para os inimigos vale tudo.

  9. Francisco de Assis disse:

    Se o Janot não está apenas de bla-bla-bla, depois de dois anos protegendo Aécio Neves e outros picaretas da oposição, e, por omissão, deixando um bandido na presidencia da Camara, para fazer o trabalho sujo…

    Se Janot não foi aos EUA entregar segredos nacionais da Petrobras e não é um lesa-pátria …

    Se Janot de fato quer união e serenidade…

    Se Janot não quer messianismo, individualismo e radicalização…

    Então a primeira coisa que Janot tem que FAZER, e não ficar de bla-bla-bla, É AFASTAR DE IMEDIATO estes dois procuradores de Curitiba – messianicos, violentos, individualistas, parciais, partidários, radicais e desagregadores da sociedade brasileira.

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