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Marcelo Auler

Para prender um homem de 78 anos, a Polícia Federal usou dez agentes fortemente armados. Precaução ou demonstração exagerada de força? (foto: reprodução)

Michel Temer deixou o poder no dia 1 de janeiro, há exatos 80 dias. Na decisão assinada terça-feira (19/03) pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio, determinando a prisão preventiva dele e de mais sete investigados, não existe citação de qualquer fato ocorrido nesses quase três meses que mostre alguma atitude de algum deles para interferir na apuração do inquérito. Nem indício de que alguém pretendesse fugir. Tampouco algum exemplo de ameaça à perturbação a ordem púbica. Fala-se sim de um provável desaparecimento de provas em 2017.

Nada de concreto embasa as prisões. Elas foram embrulhadas em teses genéricas da necessidade de combater a corrupção e em demonstrações de que, há um bom tempo, o grupo constituiu-se em uma “organização criminosa” para assaltar os cofres públicos. Como fizeram no caso da Eletronuclear, em 2014. Não há fatos novos. Tudo requentado.

Sem fatos concretos a justificá-las, as prisões podem ser vistas como mais um espetáculo midiático. Isto se depreende na nota publicada na coluna Painel do jornal Folha de S.Paulo, momentos depois de a prisão acontecer. Como a jornalista Daniela Lima reportou, pouco antes de ser interceptado pelos policiais, Temer ligou a um assessor estranhando a presença de jornalistas na porta de sua casa. Foi quando soube dos boatos sobre a sua possível prisão. Já não eram boatos, mas um novo vazamento de informações para garantir a espetacularização na mídia.

Há, porém, quem enxergue a operação policial dessa quinta-feira (21/03) como uma tentativa de reativar o apoio popular a favor da Operação Lava Jato. Reação à saraivada de críticas que os lavajateiros curitibanos receberam na semana de 10 a 16 de março. Tudo por conta da malfadada fundação que pretendiam criar. Contavam com os R$ 2,5 bilhões que, com a ajuda que deram às autoridades dos Estados Unidos, a Petrobras foi obrigada a desembolsar. Além de perderem o controle sobre o dinheiro, através de iniciativa da própria procuradora-geral da República, Raquel Dodge, perceberam que estão perdendo capital político.

Na decisão de prender Temer e Moreira Franco, o juiz Bretas critica o presidente do Supremo Tribunal

Troco ao STF?

O episódio da fundação caiu mal em diversos setores da sociedade. Mas não apenas nela. A repercussão negativa ocorreu no próprio Supremo Tribunal Federal (STF) que, por pressão, omissão ou mesmo convicção, sempre apoiou os lavajateiros.

Agora, além das críticas pesadas e do bloqueio do dinheiro da fundação, o STF ameaça alguns dos membros da Força Tarefa curitibana com uma investigação pelos ataques que lhes foram feitos.

Também no Legislativo a repercussão foi negativa, culminando, na quarta-feira (20/03), com o passa-fora do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao já não mais todo poderoso ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça sem poderes para nomear suplentes de comissões.

Não há como, porém, relacionar as prisões desta quinta-feira com o bate-boca ocorrido na véspera entre Maia e Moro. Leve-se em conta que a manifestação do Ministério Público Federal (MPF) do Rio forçando a barra para que encarcerarem Temer e sua trupe foram protocoladas na Justiça Federal do Rio às 22H21min de sexta-feira, 15 de março. O pedido foi atendido pelo juiz Bretas na terça-feira, 19 de março. Véspera do desentendimento entre o atual ministro da Justiça e o presidente da Câmara.

Porém, a suspeita de que a operação midiática com excesso de policiais fortemente armados cercando na rua um ex-presidente de 78 anos, que circula com a segurança feita por oficiais do Exército, foi uma resposta e/ou provocação às críticas do STF à Força Tarefa, se respalda na própria decisão de Bretas.

Nela, sem qualquer ligação direta com o caso do “assalto” à Eletronuclear – datado de cinco anos atrás e investigado há tempos -, o juiz de piso cutuca o ministro Dias Toffoli, institucionalmente chefe do Poder Judiciário. A crítica surge por conta da abertura da investigação, de ofício, sem ter sido provocado, em torno de ações caluniosas, difamantes e injuriantes contra o Supremo em si e alguns de seus ministros especificamente. Nela poderão tornar-se alvos alguns dos lavajateiros curitibanos que ocuparam redes sociais e sites com acusações pesadas, inclusive de golpes. Na decisão, Bretas diz:

“(…) nenhuma investigação deve ser inaugurada por autoridade judicial, em respeito ao sistema penal acusatório consagrado em nosso texto constitucional (o magistrado não deve agir de ofício, mas apenas mediante provocação das partes), que rege toda e qualquer atividade jurisdicional (…) Essa “atividade judicial espontânea”, própria de sistemas inquisitoriais, com a devida vênia, é totalmente vedada a qualquer membro do Poder Judiciário brasileiro (…) Portanto, cabe exclusivamente às autoridades investigativas e persecutórias a delimitação do objeto de qualquer investigação criminal, bem como a propositura de eventual processo judicial que venha a ser proposto”.

As prisões, que encontraram eco na grande mídia e estão sendo aplaudidas pelo grande público, dificilmente se sustentarão. Se não forem revistas pela primeira Turma do  Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), na próxima quarta-feira (27/03). Ali a defesa do ex-presidente impetrou Habeas Corpus, mas o desembargador Antônio Ivan Athiê, após analisar os autos, encaminhou o processo para decisão no colegiado.

Se o TRF-2 não revisar a decisão, certamente isso ocorrerá nos tribunais superiores. O despacho de Bretas, além de não se justificar diante de fatos ocorridos em 2014 e já devidamente investigados – como o próprio juiz demonstra ao longo das 46 páginas – não se sustenta juridicamente.

Exemplo claro disso foi verbalizado pelo ex-ministro do STF Carlos Velloso. Ele questionou a prisão e a classificou como um “furor punitivo inaceitável” (veja ilustração)

Sem qualquer fato concreto a justificar as prisões nesse momento, a não ser o fato de o ex-presidente ter perdido há 80 dias a proteção do cargo e o foro privilegiado, o juiz Bretas, assim como fez o Ministério Público Federal, refugiou-se nas teses conceituais sobre a necessidade de se combater a corrupção.

Poucos duvidam que Temer e sua corriola, nos 10 inquéritos abertos por fatos passados, se saiam bem. Aqui no Blog mesmo já se mostrou, a partir de julho de 2016, o envolvimento dele com as falcatruas do porto de Santos – PGR omitiu-se na denúncia da caixinha do Porto de Santos para Michel Temer.

Mas no estado democrático de direito é preciso respeitar o devido processo legal e, em especial, o direito à ampla defesa e ao contraditório. Regras básicas da democracia. Prisão preventiva sem embasamento no Código Penal é simplesmente uma antecipação do cumprimento da pena de uma sentença que ainda não existe.

 

Na própria decisão Bretas fala de que estão sendo feitas “análises … provisórias”. Não por outro motivo que, como destacou Mario Sérgio Carvalho na Folha de S.Paulo, Bretas na decisão judicial de 46 páginas “repete 19 vezes o verbo parecer, no sentido de dúvida ou incerteza” (Para prender Temer, juiz usa verbo ‘parecer’ 19 vezes e cita destruição de provas de 2017).

Para justificar a decisão tomada em cima de dados provisórios ou mesmo antigos, como se vê no trecho reproduzido acima, Bretas recorreu à teoria da importância do combate à corrupção. E refere-se a Temer como se ele ainda fosse presidente, mesmo o chamando de ex-presidente: “especialmente quando envolvido o ex-presidente da República, ocupante do mais alto cargo do país”.

A prisão foi decretada na investigação da corrupção que Temer, seu amigo João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, teriam cobrado da Engevix, através de contratos fraudulentos com a empresa do coronel, por conta da obra da Usina Nuclear Angra 3.  Tudo com base na deleção premiada do ex-presidente da empreiteira José Antunes Sobrinho. Uma delação inicialmente recusada pela Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba, mas que acabou sendo colhida pela Polícia Federal e homologada pelo ministro Luiz Roberto Barroso, no STF. O ex-governador e ex-ministro Wellington Moreira Franco é apontado como intermediário das cobranças.

Trata-se de fatos ocorridos em 2014.  Para justificar a prisão, o juiz não se limitou a analisar o processo em si. Teceu uma verdadeira colcha de retalhos com citações e transcrições dos mais diversos casos em que o ex-presidente está sendo investigado. Tudo para caracterizar bem a tal organização criminosa e o crime de corrupção.

Ou seja, tenta justificar a ordem de prisão em um inquérito, aberto a partir de delação premiada do empresário, recorrendo a outras acusações e suspeitas que ainda estão em fase de investigação em inquéritos que circulam até em estados diferentes.

Pode parecer irônico, mas o valor incluído na manifestação do Ministério Público Federal como sendo de pagamentos indevidos da Engevix às empresas do coronel Lima – e que constituíram, na verdade, a propina pela obra em Angra dos Reis – totalizaram R$ 1,091 milhão. Na decisão de Bretas, ele cita a reforma na casa da filha de Temer, Maristela, entre 2013 e 2015, como uma operação de lavagem do dinheiro ilegal recebido. No relato do juiz, os obras consumiram R$ 1.273 milhão. Mais do que o valor que a Engevix confessou ter pago como propina.

Ainda assim, Bretas fez referência à necessidade de se recuperar o dinheiro recebido em propinas, aduzindo à facilidade atual para se transferir recursos. Como que justificando o cerceamento da liberdade para evitar que o dinheiro desapareça. Hipótese que ele próprio acaba mostrando improvável, porque já ocorrida:

“(…) tão importante quanto investigar a fundo a atuação ilícita da ORCRIM descrita, com a consequente punição dos agentes criminosos, é a cessação da atividade ilícita e a recuperação do resultado financeiro criminosamente auferido. Nesse sentido, deve-se ter em mente que no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como parece ter sido o caso”. (sic)

Como ele próprio admite que isso pode ter ocorrido, sem falar que o valor da reforma da casa apresentado é superior à propina paga, a questão da recuperação do dinheiro desviado deixa de ter importância na justificativa da decisão da prisão. Mas o juiz, para justificar o que aos olhos de muitos é injustificável, apelou a tudo, no seu “furor punitivo”. Que Velloso já classificou como “inaceitável”. Mas há quem aplauda.

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3 Comentários

  1. João de Paiva disse:

    Se houvesse desembargadores no TRF-2 com a coragem (não com o caráter) de Gilmar Mendes, a prisão ilegal de Michel Temer, Moreira Franco e outros pelo sub-torquemada, Marcelo bretas, não duraria sequer meio expediente. Todos os juristas e cidadãos de bom senso, capazes de ler e compreender os textos legais, deixaram claro, já na sexta-feira, do caráter abusivo, ilegal e revanchista do decreto de prisão assinado por Marcelo Bretas. O desembargador Ivan Athié, com medo dos linchamentos no PIG/PPV e nas selva das redes sociais, por parte das milícias e falanges bozonaristas, deve ter conversado com colegas e também com ministros dos tribunais superiores, além de ter feito releitura atentas dos artigos do CPP, assim como da CF, entre sexta-feira e hoje, quando expediu alvará de soltura para todos os que foram presos preventivamente de forma abusiva e ilegal, incluindo Michel Temer e moreira Franco.

    Temendo por linchamentos, Athié se disse a favor da Fraude a Jato. Não precisava ter dito , muito menso escrito isso. Ele deveria ter revogado as prisões ilegais apenas citando os trechos da Lei em que fundamentou sua decisão.

  2. João Antônio disse:

    A despeito das críticas, lavajato tem que continuar.

  3. João Ferreira Bastos disse:

    é claramente uma chantagem contra o Maia para este votar a reforma
    hoje fica claro que a guerra da mafia da quadrilha de curitiba também vai contra o stf ao divulgar trechos de uma delação do barata dizendo que pagou propina ao Fux.

    Se o stf se calar….. a quadrilha de curitiba depõe o miliciano-presidente e assume

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