Marcelo Auler
Sem se sentir cobrado pela opinião pública, na mesma quinta-feira (12/11) em que aplicou a “punição” máxima permitida em lei – aposentadoria compulsória – ao juiz Flávio Roberto de Souza, acusado de abusos, desmandos e crimes cometidos ao presidir, recentemente, o processo contra Eike Batista, o plenário do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) rachou no julgamento de outro juiz: Macário Ramos Júdice Neto.
A decisão de mandar o juiz Flávio Roberto para casa, com salário proporcional, como noticiamos – “Juiz do caso Eike é aposentado com salário proporcional” – contou com os votos de todos os 14 desembargadores do Órgão Especial .
Mas, na reunião do pleno, logo em seguida, pela segunda vez, 18 desembargadores não concluíram o julgamento de Macário. Ele, desde 2002 é acusado de ter usado a toga para cometer crimes e conquistar vantagens pessoais. Há alguns anos está afastado das funções. Na hora de ser punido, porém, sem os holofotes da imprensa, recebe tratamento diverso no TRF-2.
A diferença entre os dois casos não está nos desmandos dos acusados os quais, apesar de não serem idênticos, têm a mesma gravidade: o uso da função pública, que deveria ser de imparcialidade, em benefício próprio e, no caso de Macário, de terceiros: o bicheiro capixaba José Carlos Gratz. Coincidentemente, ambos comandavam a 3ª Vara Criminal Federal. Macário, no Espírito Santo; Flávio Roberto, no Rio de Janeiro.
O que parece faltar é a chamada pressão social. Enquanto o caso de Flávio Roberto – que desfilou com o Porsche Cayenne apreendido de Eike pelas ruas do Rio -, está vivo na memória de todos, os crimes pelos quais Macário é acusado, sequer são lembrados pela chamada grande imprensa. Caíram no esquecimento. A própria mídia, que deveria fiscalizar o papel do tribunal, não se recorda do juiz capixaba.
No tribunal, nove dos 27 desembargadores se deram por impedidos, por motivos de foro íntimo, de participarem dos julgamentos. Restaram, portanto, 18 magistrados na apreciação dos dois processos – o criminal e o administrativo.
Na quinta-feira retrasada (05/11) estes 18 desembargadores não concluíram a apreciação do processo criminal no qual Macário responde pelos crimes de peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Formalmente, o julgamento não terminou. Com isso, apesar de a votação ter sido suspensa com 10 votos pela absolvição e apenas três pela condenação, não se pode afirmar que ele já foi inocentado. Mas, está sendo.
Um pedido de vistas do desembargador Marcello Granado adiou a proclamação do resultado. Dificilmente, porém, o placar mudará. Os cinco votos pendentes, mesmo que sejam todos pela condenação – o que pode não acontecer -, não completam o quórum de dez votos necessários à condenação. Seria preciso que dois desembargadores que já votaram modifiquem seus posicionamentos. Isto não é impossível, mas é pouco provável.
As acusações contra Macário relacionam-se a fatos ocorridos em 2002: peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
A ação Penal, de 2004, tramita há 11 anos no TRF-2. O Processo Disciplinar Administrativo há sete (é de 2008). Muitos dos magistrados que hoje ocupam o plenário que julga o juiz capixaba, na época eram juízes de primeira instância, tal qual o acusado.
Na sessão da última quinta-feira (12/11), como Granado não apresentou seu voto no processo criminal, os desembargadores passaram ao julgamento do Processo Disciplinar Administrativo (PAD).
Os fatos que geraram este procedimento são exatamente os mesmos que levaram o juiz a responder pelos quatro crimes na ação penal cujo julgamento está suspenso. Novamente a apreciação do processo ficou inconclusa, embora com o placar bem diferente.
Nenhum dos dois acontecimentos mereceu sequer um registro da chamada grande imprensa. Isso mostra que as redações perderam a memória. Nem mesmo diante de fatos pouco comuns, a chamada grande imprensa demonstrou interesse. Provavelmente, nem tomou conhecimento.
Com a diferença de uma semana, por exemplo, dois desembargadores – Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo e Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – que na primeira votação entenderam inexistir provas suficientes para condená-lo na ação penal, durante a apreciação do Processo Administrativo Disciplinar, com base nas mesmas provas, se posicionaram pela condenação. Ou seja, embora não o tenham condenado pelos crimes apontados, reconheceram que ele não pode continuar julgando, por conta dos mesmos fatos.
Novamente coube ao desembargador Granado pedir vista dos autos. A sessão de quinta-feira foi suspensa com um empate de sete votos.
Pela condenação, além dos três desembargadores que se posicionaram da mesma forma sete dias antes – Guilherme Calmon (relator do processo criminal), Letícia Mello (relatora do processo administrativo) e André Fontes -, outros dois votos vieram de desembargadores que ainda não ainda não se manifestaram no processo criminal: Marcelo Pereira da Silva e Guilherme Diefenthaeler. Por fim, houve os dois magistrados que na Ação Penal absolveram o juiz: Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo e Luiz Paulo da Silva Araújo Filho.
Nizete foi a revisora do processo penal, o que significa que por dever de oficio teve que estudar detalhadamente o caso. Após fazer isso, foi a primeira a votar pela absolvição.
O blog esperou ouvi-la e ao desembargador Luis Paulo na segunda-feira (16/11). Mas, segundo a assessoria de imprensa do TRF-2, ela está no gozo de folgas a que tem direito e só volta dia 25. Luis Paulo não se manifestou, por enquanto. O que poderá fazê-lo quando quiser, pois este espaço está aberto às explicações de todos.
Oficialmente, a assessoria informou que “durante a sessão do dia 5/11, foi discutida a questão de que os processos administrativo e judicial são bastante distintos, cumprindo ritos e exigências diferentes (inclusive com relação a tipificação, provas etc.), sendo perfeitamente possível que tenham resultados diferentes”.
Já os sete votos que o absolveram na ação administrativa vieram de desembargadores que na ação penal votaram de forma idêntica: Simone Schreiber, Paulo Espírito Santo, Vera Lúcia Lima, Sergio Schwaitzer, Salete Maccalóz, Marcus Abraham e Antônio Ivan Athié. Este último, inclusive, já esteve envolvido em um inquérito junto com Macário, mas o caso foi trancado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como já noticiamos antes.
No PAD ainda faltam votar os desembargadores Marcello Granado, Guilherme Couto (corregedor do TRF-2), Aluísio Mendes e Lana Regueira. Esta última, na Ação Penal, manifestou-se pela absolvição de Macário. Deve fazer o mesmo no administrativo.
Restariam então três votos que, se forem todos pela condenação, definirão o placar final e o juiz será aposentado compulsoriamente. Mas, se apenas um deles votar pela absolvição, o magistrado estará livre de qualquer punição e poderá reassumir suas funções. Pelo menos, até que algum provável recurso do MPF tenha decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já na Ação Penal, dificilmente o resultado se reverterá.
4 Comentários
[…] em sete votos a sete, faltando quatro desembargadores votarem. Na época, na postagem “TRF-2: sem vigilância, comportamento diverso” prevíamos que um dos votos, da desembargadora Lana Regueira, deveria ser pela abssolvição […]
Interessante este Blog. Vejo que os blog estão se esmerando em suas vocações. Este vasculha os arquivos da justiça.
Acaso sabe algo sobre um tal juiz Dória de Campinas?
Dizia-se que era indicado da Globo e trocava sentenças com outros juizes. Foi preso uns doze anos atrás e sumiu da mídia.
Um caso interessante no Paraná é que um juiz foi condenado duas vezes pelo mesmo tipo de crime. Dois tribunais.Record.
Revoltante nosso sistema! E enquanto o processo se arrasta por anos a fio, o acusado continua recebendo normalmente seus vencimentos em casa, e os outros magistrados ainda recebem a gratificação por substituição de ofício. Ou seja, o Estado ainda paga o salário em dobro.
Esse é um problema gravíssimo do judiciário brasileiro: juízes que são acusados (com provas, já que sem elas a acusação sequer seria aceita) de práticas criminosas são julgados por colegas. Num poder oligárquico, patriarcal, elitista e conservador como o PJ, o ‘espírito de corpo’ fala mais alto. Mesmo com fartas evidências e provas da prática criminosa, os ‘pares’ tendem a absolver o juiz que tenha cometido infrações administrativas ou praticado crimes. E a ‘condenação’ a que estão sujeitos os juízes que tenham cometido crime parece piada, pois na verdade ela soa como um escárnio e uma cusparada no rosto do cidadão pagador de impostos, já que o magistrado julgado criminoso recebe como punição uma polpuda aposentadoria, proporcional ao tempo de exercício da magistratura.
E muitos ainda têm empáfia e desfaçatez de afirmar que “A Lei é igual para todos” ou que “Todos são iguais perante a Lei”. Conversa! Quem lê Foucault não cai nessa conversa mole.