NEM A JUSTIÇA DO TRABALHO ESTÁ IMUNE
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Curtas
6 de maio de 2015

Terceirizados: desrespeitados até no TRT-RJ

Por: Marcelo Auler

A discussão em torno das mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados na lei que regulamenta o trabalho terceirizado no país (PL 4330) tem se limitado ao teórico e deixa de lado os exemplos práticos que se acumulam. A imprensa, de uma maneira em geral, registra as posições de políticos, advogados e especialistas, talvez porque seja mais fácil ou, quem sabe, atendendo aos interesses do lado ideológico/empresarial.

A TV Globo, por exemplo, ao abordar a questão, na maioria das vezes, deu voz a dois defensores do PL – o advogado José Pastore e o presidente licenciado da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, do Solidariedade. Outros até apareceram, alguns criticando o projeto, mas não tantas vezes como os dois. Reflexo de uma posição da emissora?
Pouco se fala do que acontece hoje com quem é terceirizado. De como empresas e profissionais utilizam-se da figura da Pessoa Jurídica (os famosos PJs) como forma de reduzir o pagamento de impostos e tributos. Da prática disseminada em diversos órgãos públicos, dos três Poderes, de contratar serviços de empresas ligadas a políticos ou financiadores de campanha. Isto, sem falar das indicações de apadrinhados para os cargos terceirizados.

Uma exceção nesta falta de debate sobre o que ocorre com os terceirizados, é a edição 848 da revista CartaCapital, que foi às bancas no último final de semana (01/05). Matéria dos repórteres Miguel Martins e Rodrigo Martins, aborda outro lado ainda mais pernicioso, com incontáveis exemplos dos prejuízos causados aos trabalhadores precarizados. São exemplos não apenas de perdas financeiras, mas de vítimas de agruras muito mais pesadas, como acidentes de trabalho que, quando não causam mortes, deixam sequelas irreparáveis.

Copio da matéria, que merece ser lida por quem se interessa pelo assunto: “um dossiê preparado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), com a participação de técnicos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revela o cenário tormentoso das terceirizações no Brasil. Com dados de 2013, o estudo mostra que os terceirizados recebem salários 24,7% menores que os dos efetivos, permanecem no emprego pela metade do tempo, além de ter jornadas de trabalho maiores (gráfico à pág.20). Auditores, procuradores e juízes do Trabalho consultados por CartaCapital alertam, ainda, para o maior risco de acidentes laborais, calotes trabalhistas e exposição a condições degradantes ou análogas à escravidão nas subcontratações”.

A propósito, vale aqui repetir o comentário feito no Dia do Trabalho, na sua página do Face Book, por Marinalva Dantas, auditora fiscal do Trabalho que durante anos participou do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego. Entre muitas ”libertações” de trabalhadores em situação análoga à escravidão, em 24 de junho de 2003, em São Félix do Araguaia, no norte do Mato Grosso, ela esteve na fazenda Agrovas – Agropecuária Vale do Sul S/A, empresa dos deputados peemedebistas Jorge Picciani (presidente da Assembleia Legislativa do Rio) e seu filho, Leonardo (líder do partido na Câmara dos Deputados).

Ali, encontrou 14 empregados, entre eles uma professora primária, funcionários da Agrovas, sem registro na Carteira do Trabalho e outros 41 trabalhando pela prática denominada “servidão por dívida”, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica como a mais disseminada forma de escravidão moderna. Portanto, ela conhece bem o assunto e sua opinião deve ser levada em conta no debate atual. É óbvio que os deputados responsabilizaram um terceiro, incumbido das contratações. Aqueles que denominamos de “gatos”. Depois, mediante um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado com representantes do Ministério Público do Trabalho, livraram-se das implicações criminais.

Quem conheceu esta história não se surpreendeu quando, no exercício do primeiro mandato, em 2003, Leonardo mostrou-se defensor veemente do projeto de lei 4.302/98, que oficializa a substituição de trabalhadores com carteira assinada por mão-de-obra informal. Na Câmara ainda tramita o Projeto de Lei 3842/12, aprovado em abril na Comissão de Agricultura e agora em análise pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Ele retira do Código Penal as expressões “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” da definição do crime de trabalho escravo, indo de encontro aos tratados internacionais firmados pelo Brasil.
É importante, portanto, o depoimento de quem tem conhecimento dos fatos:
“Marinalva Dantas
1 de maio às 16:56
Sinceramente, qual é a da TV Globo em repetir incessantemente as opiniões de Pastore e do Paulinho da Força Sindical, que nunca são a favor da dignidade do trabalhador? Pelo amor de Deus! Nem no dia do trabalho colocam alguma opinião daqueles que sabem que a terceirização é o fundo do poço? Lidei muito com trabalho escravo e agora com Assédio Moral. Adivinhem quem mais reclama de assédio e humilhações e descartes? Os terceirizados!!! E qual a forma mais usual de escravizar trabalhadores? Terceirizando os serviços, através de cooperfraudes e falsos empregadores que foram por muito tempo capatazes ou gatos que atormentavam esses escravos. Um disfarce, para ludibriar as autoridades. Quem não te conhece que te compre”.
O problema das injustiças ocorridas com terceirizados acontece até aonde menos se espera: no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, como mostram dois textos que escrevi para CartaCapital – o primeiro (“Trapalhadas Trabalhistas”) publicado na edição 741, em março de 2013; o segundo (“Nem a Justiça do Trabalho Está Imune”), uma retranca da reportagem de capa desta semana.
Narram o drama que 14 telefonistas (a maioria com alguma espécie de deficiência), 248 serventes e 25 garçons vivem até hoje, por conta do calote patrocinado pela antiga Locanty Comércio de Serviços Ltda.. Alguns, além do atraso dos salários, perderam o emprego sem receber qualquer indenização e até hoje esperam alguma providência da mesma Justiça do Trabalho para a qual dedicaram muitos anos de suas vidas. Aquela que existe para fazer cumprir as leis trabalhistas.

Eram contratados, até final de 2012, pela Locanty, uma firma que recolhia lixo e terceirizava serviços de tudo o que era tipo. Desde que ela foi denunciada, em março daquele ano, por participação em licitações fraudadas junto a órgãos governamentais, começou a fazer água e até mudou seu nome – Infornova Ambiental. Atrasou salários e não cumpriu as obrigações trabalhistas, nem mesmo dos empregados que atendiam ao TRT.

Doas 248 serventes. 137 foram reaproveitados pela Liderança Limpeza e Conservação Ltda., contratada por licitação em novembro de 2012. Os que estavam de férias ou em licença médica perderam o emprego. O contrato para o serviço dos telefonistas venceu em dezembro, mês em que a Infornova colocou os 14 em férias sem comunicar – nem tampouco o TRT o fez – que já estavam desempregados. O mesmo aconteceu com os 25 garçons.

No caso dos telefonistas, por licitação o tribunal contratou nova empresa, mas esta não reaproveitou nenhum dos antigos, que além de deficientes, tinham longo tempo na função: um deles acumulava 15 anos no TRT. O aproveitamento era uma praxe como ocorreu em 2008, quando a Prata Recursos Humanos, também por atraso de pagamentos, foi trocada pela Locanty.
Mas, em 2013, os telefonistas e um grupo de serventes além de ficarem sem emprego, nada receberam da contratante. Foram para o olho da rua sem os complementos do salário de dezembro e do 13º, nem as indenizações pela demissão. Ao reclamarem, a Infornova mandou recorrerem à Justiça.

Os garçons, ao se queixarem da falta de pagamento, receberam o mesmo conselho. Só que não foram demitidos. A licitação para contratar uma nova empresa que cuidasse dos serviços de copa só foi concluída em fevereiro. Sem salários, vales-refeições e vales-transportes, cruzaram os braços. Não por muito tempo. Na iminência de ver os 45 desembargadores sem o cafezinho e o lanche, o Tribunal imediatamente improvisou uma negociação e os manteve no serviço pagando-os diretamente o equivalente ao líquido dos seus salários. Sem burocracia nem nenhum contrato, bastava apresentar a identidade no caixa do Banco do Brasil que o dinheiro era sacado.
As Reclamações Trabalhistas abertas em 2013 continuam até hoje. Tem ex-telefonista que sequer pode sacar o FGTS já que até o momento não houve Audiência de Conciliação, por duas vezes adiada. Consta que os oficiais de Justiça não conseguiram intimar a Locanty/Infornova, encontrada em outros processos. Uma dica: um frequentador do famoso e sofisticado restaurante Gero garante que um dos sócios da Locanty/Infornova vive aparecendo por lá.
Há casos de advogados que acionaram judicialmente a União como solidária no descumprimento das obrigações trabalhistas. Deficiente visual, Luiz Carlos Caldeira de Souza beneficiou-se desta estratégia e do fato de seu defensor conseguir localizar a empresa. Em Juízo, o próprio advogado da União confirmou que o Tribunal reteve verbas não pagas à Locanty/Infornova. Foi o suficiente para a magistrada mandar pagar os R$ 9 mil que eram devidos. Hoje, em outros processos, a Advocacia da União alega que mais nada deve à empresa e se recusa a indenizar os reclamantes.
Luiz Carlos, porém, assim como vários outros ex-empregados da Prata Recursos Humanos (dispensada em 2008), que serviam na Justiça do Trabalho do Rio, continuam sem receber o que a mesma Justiça do Trabalho reconheceu como de direito deles. Ganharam as ações, mas não viram a cor do dinheiro.

3 Comentários

  1. mario silva disse:

    Serei um um leitor assíduo leitor de seu site … estou aqui graças aos blogueiros sujos, tais como Nassif, Fernando Brito etc … estão lhe apresentando como o “tal”. Realmente … vc parece ser mais um excelente “tal” … rsss. Eita, vc será mais um blogueiro sujo … imaginou isso … para mim é um orgulho ….

  2. Roberto disse:

    Parabéns, vi a indicação do blog no Tijolaço e vou virar freguês, realmente muito bom o blog.

  3. Belisa disse:

    Parabéns, Marcelo. Muito boa a iniciativa de um espaço de jornalismo inteligente e independente!

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