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Marcelo Auler

A primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgará, não mais virtualmente, a censura imposta a este Blog, desde março de 2016, pelo 8º Juizado Especial Cível de Curitiba a pedido da delegada federal Erika Mialiki Marena.

No Agravo que a defesa do Blog ajuizou após a Reclamação nº 28.747 ter sido rejeitada pelo ministro Alexandre de Moraes, o ministro Luiz Fux pediu destaque. Com isto, o debate e julgamento que Moraes, relator do caso, queria realizar no “plenário virtual” – como noticiamos em “STF debate, virtualmente, censura de Erika Marena ao Blog” -, agora será durante uma reunião da turma, com os cinco ministros presentes.

Ao rejeitar o prosseguimento da Reclamação, o ministro relato entendeu que a censura imposta ao Blog não guarda relação com o que o STF decidiu na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130. Assim, recusou-se a suspender a censura. Ela foi imposta pelo juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, liminarmente, seis horas após a delegada impetrar o pedido, em 30 de março de 2016. Ou seja, respaldou-se apenas no relato apresentado pela parte, sem se preocupar com o contraditório. Somente em maio, mais de 40 dias depois, é que o Blog foi intimado a se manifestar.

A decisão, como o juiz registrou, foi para proteger Erika pelo seu envolvimento com a Operação Lava Jato. Ao determinar a censura, sem verificar se o reportado era ou não verdadeiro, esclareceu: “por óbvio, o perigo de dano decorre, naturalmente, das consequências próprias das ofensas ao nome e reputação da autora, sobretudo, em razão dessa exercer cargo público de relevância e estando em evidência em uma operação que se encontra nacionalmente em destaque, agravando sobremaneira a situação fática imposta“.

Ministra Cármen Lúcia já deixou claro o direito à crítica como parte da liberdade de imprensa (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Com tal argumento, o magistrado mostrou desconhecer a jurisprudência do próprio STF. Em diversas decisões adotadas, como no voto da ministra Cármen Lúcia na famosa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815 – o famoso processo que afastou a necessidade de autorização para biografias – a Corte deixou claro que a liberdade de imprensa inclui o direito a críticas. Em especial a critica aos agentes públicos e políticos. Na decisão, ela expôs:

O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e real alternativa à versão oficial dos fatos”.

Ao justificar a inexistência de censura prévia e admitindo uma “reparação”, a decisão do ministro Moraes terminou por chocar-se com o entendimento dos seus colegas de que a Constituição não permite qualquer censura, seja prévia ou posterior:

“(…) a decisão combatida não impôs nenhuma restrição, ao reclamante, que ofendesse à proteção da liberdade de manifestação em seu aspecto negativo, ou seja, não estabeleceu censura prévia. Portanto, não se vislumbra qualquer desrespeito ao decidido na ADPF 130 (Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, DJe de 6/11/2009), pois eventuais abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário, com a cessação das ofensas, direito de resposta e a fixação de consequentes responsabilidades civil e penal de seus autores.”

Marco Aurélio Mello: “nesse campo, é proibido proibir”. (Foto: Carlos Humberto/SCO/STF)

A posição que Moraes adotou, porém, colide com  manifestações anteriores dos seus pares na Primeira Turma. Todos já se manifestaram contra qualquer espécie de censura.  Isso foi ressaltado pelos advogados que entraram no caso, como amicus curiae, representando a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Claudismar Zupiroli, e o Instituto Vladimir Herzog, Claudio de Souza Neto.

Com o julgamento em sessão e não mais virtualmente, eles, assim como Rogério Bueno da Silva, que defende o Blog,  farão sustentações orais, mostrando a importância do tema não apenas aos jornalistas, mas à sociedade como um todo.

Se, em junho de 2015, o voto de Cármen Lúcia repercutiu quando ela deixou claro que “o cala a boca já morreu, quem manda em minha boca sou eu”, em 2002, a fala do decano da 1ª Turma, ministro Marco Aurélio Mello, durante o seminário “Imprensa e Dano Moral” também mereceu destaque. Ele recorreu à música de Caetano Veloso:

A liberdade de expressão deve ser sem cerceios. Não admito cerceios, e aqui citaria um craque da Música Popular Brasileira, Caetano Veloso: neste campo, é proibido proibir, é visar, acima de tudo, um Brasil melhor“.

O próprio ministro Fux, em agosto de 2014, ao julgar a Reclamação 18.290, na qual a Editora Abril brigava contra a censura imposta ao Blog de Lauro Jardim – situação idêntica a que ocorre com este Blog -, registrou na decisão que suspendeu a censura:

“(…) a plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo” de tal sorte que “a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada”.

Luiz Fux: “a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura”. (Foto SCO/STF)

Para ele, a censura imposta afrontou “o decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 130”. Em seguida, sustentou:

“em casos semelhantes ao presente, os Ministros do STF não têm hesitado em suspender atos de autoridade que apresentem, prima facie, embaraços à liberdade de imprensa (Rcl-MC nº 11.292, rel. Min. Joaquim Barbosa; Rcl-MC nº 16.074 e Rcl-MC nº 18.186, decisões proferidas pelo Min. Ricardo Lewandowski no exercício da Vice-Presidência do STF). Destaquem-se, nesse sentido, as palavras do Min. Celso de Mello, ao deferir o pedido cautelar na Reclamação nº 15.243, assentando que, verbis:

“Todos sabemos que o exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”.

Posição idêntica adotou a ministra Rosa Weber ao suspender a censura imposta à Revista Eletrônica Século Diário, do Espírito Santo, também obrigada a retirar reportagem do ar por decisão do juizado de primeira instância. Na Reclamação 16.434/ES, ela abordou o direito à crítica jornalística, considerando-a, inclusive, “desejável”:

Com efeito, é inevitável – e mesmo desejável, do ponto de vista do interesse público – que os ocupantes de cargos ou funções na estrutura do Estado, investidos de autoridade, tenham o exercício das suas atividades escrutinado seja pela imprensa, seja pelos cidadãos, que podem exercer livremente os direitos de informação, opinião e crítica. É sinal de saúde da democracia – e não o contrário-, que os agentes políticos e públicos sejam alvo de críticas – descabidas ou não – oriundas tanto da imprensa como de indivíduos particulares, no uso das amplamente disseminadas ferramentas tecnológicas de comunicação em rede”.

Em Reclamação idêntica, a ministra Rosa Weber derrubou a censura (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)

No voto, ela insistiu:

“Conforme já enfatizado, quando se trata de ocupante de um cargo público, investido de autoridade, e que está, no desempenho das suas funções, sujeito ao escrutínio da imprensa e do público em geral, mostram-se vultosamente mais largos os limites da crítica aceitável. (…) o critério da proporcionalidade desautoriza a imposição de restrições à liberdade de expressão, ainda que teoricamente fundadas na proteção da honra ou da imagem pessoais, quando tiverem como efeito inibir a manifestação de juízos críticos, a ocupante de função de interesse público no exercício das suas funções, que, apesar de mordazes, se mostram, na quadra atual, triviais”.

Da mesma forma foi a manifestação do ministro Luís Roberto Barroso na Reclamação 18.638, em que a Editora Três protestou contra a censura importa pela Justiça do Ceará à revista Isto É. Na sua decisão liminar, em setembro de 2014, ao suspender a censura, Barroso falou da necessidade de se confirmar a veracidade da notícia, mas destacou que mesmo ocorrendo algum erro, para haver responsabilidade, é preciso estar caracterizada “clara negligência“. Avançando, explicou: “seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas“. E prosseguiu sustentando o direito da informação, mesmo em casos que se cometam erros ou haja quebras de sigilo:

De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação, sobretudo de informação jornalística, marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade. Assim, o requisito da verdade deve ser compreendido do ponto de vista subjetivo, equiparando-se à diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos.

Luís Roberto Barroso: “impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas” (Foto: SCO/STF).

Embora as informações em questão aparentemente estejam protegidas por segredo de justiça, não há elementos mínimos para concluir que a violação tenha partido dos profissionais da imprensa que receberam as informações. Embora possa ter havido ato ilícito por parte de quem tenha eventualmente comprometido o sigilo de dados reservados, a solução constitucionalmente adequada não envolve proibir a divulgação da notícia, mas sim o exercício do direito de resposta ou a reparação dos danos. Isso porque, como se procura demonstrar ao longo da presente decisão, todos os vetores aplicáveis apontam nesse sentido”.

Nem mesmo quando trata da questão da reparação, a posição do ministro Moraes consegue respaldo no que já decidiram seus pares na turma. Sua defesa da reparação é feita sem que ele conheça as provas carreadas aos autos mostrando que as reportagens censuradas – “Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos” (16/03/2016) e “Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão” (22/03/2016) – foram totalmente calçadas em documentos oficiais e informações de fontes conhecidas.

Mas, o entendimento majoritário no STF, já firmado em outros momentos, é de que não se pode censurar uma reportagem a pretexto de consertar eventuais injustiças. As quais, no caso, não se confirmaram. Na decisão de Barroso isto fica claro:

“(…) deve ser dada preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia da divulgação. O uso abusivo da liberdade de expressão pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta, a responsabilização civil ou penal e a interdição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade. Nas questões envolvendo honra e imagem, por exemplo, como regra geral será possível obter reparação satisfatória após a divulgação, pelo desmentido – por retificação, retratação ou direito de resposta – e por eventual reparação do dano, quando seja o caso“. (grifo nosso)

Isto a delegada Érika vem fazendo. Ela move uma ação civil de indenização no 8º Juizado Especial de Curitiba por conta das duas reportagens censuradas, e uma ação criminal, na 10ª Vara Federal  do Rio de Janeiro, tentando imputar ao editor do Blog os crimes de calúnia, injúria e difamação.

Em Curitiba, a defesa do Blog está entregue a Rogério Bueno da Silva. No Rio nossa defesa criminal inicialmente foi tocada pelo Escritório de Advocacia Luís Guilherme Vieira. Por problemas técnicos, o escritório renunciou à causa que agora será assumida pelo escritório do Professor Nilo Batista. Em ambos os foros já se apresentou documentos e depoimentos, como o do delegado federal aposentado Paulo Lacerda e do subprocurador geral da República aposentado Eugênio Aragão, confirmando tudo o que foi noticiado e demonstrando que nada foi “invencionice”  do jornalista, como a delegada e sua defesa alegaram.

 

 

 

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5 Comentários

  1. […] vazamento de informações sobre a Operação Lava Jato. O juiz Nei Roberto de Barros Guimarães atendeu ao pedido da delegada seis horas depois de ele ter sido impetrado, segundo o blog de Auler, e decidiu em caráter liminar, sem que tenha sido concedido direito de […]

  2. […] Em decisões anteriores, o próprio Fux manifestara que “a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura”, como noticiamos, em março passado, em STF julgará censura da delegada Érika ao Blog. […]

  3. […] Em decisões anteriores, o próprio Fux manifestara que “a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura“, como noticiamos, em março passado, em STF julgará censura da delegada Érika ao Blog. […]

  4. Paulo Lima disse:

    Que a autoridade jurídica prevaleça no STF e além, e não o autoritarismo fascista.

    Pela lei Cancellier, pelo Referendo Revogatório, abaixo o golpe.

  5. João de Paiva disse:

    Uma pergunta ao Jornalista titular deste blog:

    Nas decisões dos demais ministros da 2ª turma do STF, que em julgamentos anteriores, de casos semelhantes, envolvendo censura a veículos de mídia, proferiram voto – e estabeleceram jurisprudência – exatamente oposto ao do tucano Alexandre de Moraes, havia envolvimento de alguma autoridade do sistema judiciário (polícia federal, ministério público ou poder judiciário) como querelada? Ou em todos esses casos apenas autoridades do sistema político (poderes legislativo e executivo) constavam como reclamadas em ações cuja autoria era de jornalistas e veículos de mídia?

    Que a chamada Fraude a Jato atua como Organização Criminosa Institucional não há hoje a menor dúvida. A carreira e a conduta pretérita de Alexandre de Moraes (acusado de cometer plágios, de ter advogado para cooperativa de transporte controlada pelo PCC, de não ter comprovado origem lícita de recursos que lhe permitiram comprar, em menos de dois anos de exercício da advocacia, imóveis de luxo em São Paulo cuja valor de mercado, em 2016, superava R$ 4 milhões) não conferem a esse togado do STF isenção e atributos para exercício do cargo de ministro da côrte constitucional.

    Na véspera da eleição municipal de 2016 Alexandre de Moraes subiu em palanque de candidato do PSDB à prefeitura de Ribeirão Preto e anunciou que naquela semana haveria uma operação da PF, capaz de influenciar no pleito. No dia seguinte a Fraude a Jato, por meio de espalhafatosa operação da PF, prendeu Antonio Palocci Filho. O resto da história os leitores conhecem. Até assumir a cadeira de ministro da justiça do governo golpista e quadrilheiro de Michel temer, Alexandre de Moraes era filiado ao PSDB.

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