Marcelo Auler
O desabafo acima é de um magistrado da Justiça do Trabalho no estado do Pará. Ele a distribuiu por e-mail a amigos e movimentos sociais junto com uma notícia que não circulou na grande imprensa: mais uma fuga de pistoleiro condenado por assassinato de lideres de movimentos sociais que defendem trabalhadores ruais.
Trata-se da realidade de um Brasil pouco conhecida pela sociedade, por ser muito ignorada pela chamada grande mídia. O Norte do país, mais especificamente o sul do Pará. Ali, de tudo acontece e pouca gente fica sabendo. A não ser aqueles que participam de redes sociais específicas.
Como ocorreu no dia 15 passado, em Marabá (sul do Pará), com Lindonjonson Silva Rocha. Ele, em 2013, com 31 anos, ele foi condenado a 42 anos e oito meses de cadeia. Teoricamente, passaria mais tempo preso do que todo seu tempo de vida em liberdade. Mas, com base na legislação que rege benefícios no cumprimento da pena, ficaria no regime fechado até 2028. Portanto, passaria mais da metade de todo o tempo que tem de vida, atrás das grandes.
Mas, entre a teoria e a prática, no Brasil lá de cima, há uma grande diferença. Tanto assim que Lindonjonson está na rua. Em liberdade. Após, misteriosamente ser transferido para a ala do regime semiaberto na penitenciária Mariano Antunes de Marabá, fugiu da cadeia sem dificuldades no dia 15 passado. Naquela data, um único agente penitenciário cuidava dos presos na respectiva ala.
O absurdo é ainda maior. Meses atrás, o juiz da 7ª Vara de Execução de Marabá, informou ao diretor da penitenciara, através de despacho assinado, que “não existia qualquer benefício a ser concedido ao preso”. A progressão do regime só deveria acontecer em 2 de setembro de 2028, como denunciam os movimentos socais e sindicais de defesa dos trabalhadores do campo em nota aberta que jamais foi citada na chamada grande imprensa.
De nada adiantou o alerta do juiz. Tampouco as providências que o Ministério Público do Pará vinha tomando. Pretendia transferir o preso para uma penitenciária de segurança máxima uma vez que familiares de suas vítimas continuam sofrendo ameaças.
Assassinato de lideranças rurais – Lindonjonson e Alberto Lopes do Nascimento, em abril de 2013, foram condenados respectivamente a 42 anos e oito meses e 45 anos de cadeia.
Foram responsabilizados pela morte do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em maio de 2011. O assassinato deles, a tiros, ocorreu na estrada em Nova Ipixuna (PA). André teve a pena aumentada por cortar a orelha de José Cláudio.
A causa é a de sempre: disputa por terra. Desta vez, na zona rural do município de Nova Ipixuna, região sudeste, localizado a 480 quilômetros da capital Belém, região norte do País.
Com os dois foi a julgamento também José Rodrigues Moreira, acusado de planejar, financiar e organizar os assassinatos. Ele comprou a terra de uns grileiros, no mesmo local onde estavam trabalhadores rurais, colocados justamente pelo casal de extrativistas. José Cláudio e Maria do Espírito Santo eram líderes na região. Eles denunciavam a extração ilegal de madeira na região e denunciavam ameaças de mortes que recebiam. Ninguém, como sempre ocorre, os ouviu. Repetiu-se uma cena conhecida lá por cima: as ameaças se tornam realidade com uma facilidade incrível.
As provas contra Rodrigues, conforme disse a promotora Ana Maria Magalhães de Carvalho, que atuou no caso, seriam suficientes para uma condenação. “Várias testemunhas mostraram que ele perdeu 100 mil reais porque queria expulsar posseiros da terra, de uma área grilada, que ele comprou de uma forma ilegal. Tentou a todo custo expulsar os posseiros que estavam na área e, como não conseguiu, decidiu matar os dois”.
Parcialidade do juiz – Mas, no Brasil lá de cima, o surreal é uma prática. Na época do julgamento, abril de 2013, o Movimento Humanos Direitos (MHuD) divulgou nota na qual acusa o magistrado Murilo Lemos Simão, que presidiu o júri. Segundo a nota sua “atuação tendenciosa (…) contribuiu para que José Rodrigues Moreira fosse absolvido pelos jurados por 4 a 3″.
“No interrogatório de José Rodrigues Moreira – prossegue a nota exposta no site do MHud – , o juiz permitiu que ele protagonizasse um verdadeiro espetáculo na frente dos jurados: de joelhos e aos prantos, o acusado usou a Bíblia para jurar inocência e pedir bênção especial ao juiz, aos jurados, aos advogados e às pessoas presentes no tribunal de júri. Parecia-se estar participando de um culto e não de um tribunal do júri. A única coisa que o juiz fez foi oferecer lenços para que o acusado enxugasse as lágrimas. Ao final do espetáculo uma jurada caiu em prantos”.
Ainda segundo a nota, diante do protesto da promotora à reação da jurada – que demonstrava imparcialidade – o juiz ameaçou que caso o MP “suscitasse a parcialidade da jurada e o júri fosse suspenso, ele iria revogar a prisão e mandar soltar imediatamente os três acusados. Frente à ameaça do juiz o MP recuou da decisão de pedir a suspeição da jurada”.
Na fase investigatória o juiz recusou-se inicialmente a decretar a prisão temporária de José Rodrigues preventiva de quando a polícia chegou ao nome de José Rodrigues Após engavetar três pedidos de prisão temporária dos acusados, o juiz viu surgir a reação de familiares e os movimentos sociais que denunciaram sua parcialidade à imprensa, aos organismos de direitos humanos e ao próprio Tribunal de Justiça do Estado. Ao receber a denúncia, o Tribunal intimou o magistrado a se manifestar em 24 horas. Frente à pressão da sociedade e a exigência do Tribunal, as prisões dos acusados foram deferidas.
Culpa das vítimas – Na sentença do processo, mas uma vez a parcialidade do Juiz o juiz Simão ficou manifesta no trecho em que ele afirma que “o comportamento das vítimas contribuiu de certa maneira para o crime (…) pois tentaram fazer justiça pelas próprias mãos, utilizando terceiros posseiros, sem terras, para impedir José Rodrigues de ter a posse de um imóvel rural”.
A nota do MHuD, que esteve presente no júri através do ator Osmar Prado, do padre e professor universitário Ricardo Rezende e de Salete Hallack – rebate:
“O juiz tenta de forma irresponsável criminalizar as vítimas e legitimar a ação do assassino. Uma tentativa de manchar a história e a memória de José Claudio e Maria do Espírito Santo, casal reconhecido internacionalmente pela defesa da floresta”.
Fugas constantes – O protesto contra a fuga de Lindonjonson foi assinado por quatro entidades – Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará – FETAGRI; Comissão Pastoral da Terra – Diocese de Marabá; Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Ipixuna; Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST – e pelos familiares de José Claudio e Maria do Espírito Santo.
Na nota divulgada dia 22 de novembro, além de ressaltarem a responsabilidade da direção da penitenciária nesta fuga, como descrito acima, chamam a atenção para o fato de ser corriqueiro, naquela região, prisioneiros deixarem a cadeia antes de cumprirem toda a pena ou de foragidos andarem livremente pelas ruas. Diz a nota:
“O descaso da Segurança Pública do Estado do Pará em relação a esse caso é flagrante.
José Rodrigues Moreira, acusado de ser o mandante do crime, está com prisão preventiva decretada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, desde o dia 08 de agosto desse ano. José Rodrigues continua circulando regularmente pelo Assentamento onde o casal foi assassinado, sem que, sua prisão seja cumprida pela Polícia Civil do Pará.
Não é a primeira vez que pistoleiros encontram facilidades para fugirem da penitenciária Maria Antunes.
Em 14/03/2000 o pistoleiro Barreirito, condenado pelo assassinato do sindicalista Expedito Ribeiro, de Rio Maria, saiu pela porta a frente da penitenciária.
Em 2010, o pistoleiro Valdir Vieira, que assassinou o sindicalista Soares da Costa filho, de Parauapebas, não teve dificuldades para fugir da mesma penitenciária, agora, foi a vez de Lindonjonson, condenado pelo assassinato dos ambientalistas José Claudio e Maria.
As sucessivas fugas deixam claro que a penitenciária Mariano Antunes não oferece qualquer condição para que assassinos de crimes de mando cumpram pena ali, devido ao elevado nível de corrupção de muitos dos responsáveis por aquela instituição”.
Esse estado de impunidade e de corrupção tem sido uma das principais causas da continuidade da violência no campo no Estado do Pará, principalmente nas regiões sul e sudeste, onde, apenas em 2015 ocorreram 20 assassinatos de trabalhadores e outros 30 estão ameaçadas de morte”.
2 Comentários
Triste realidade dessa parte do Brasil esquecida pelo noticiário da grande mídia comercial. Em comum com o restante do País o fato de que a justiça é caolha, perneta e maneta, estando sempre a favor do poder oligárquico, econômico, escravocrata e contra os interesses da população mais pobre e desvalida, justamente aquela mais vulnerável e que não é assistida pelo Estado.
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