“Um triste enredo é que se vai narrar na presente petição. Chega a impressionar a versão da polícia civil nos presentes autos. De denunciante, Padre Amaro passa e ser criminoso. Os trabalhadores rurais e suas associações passam de vítimas a organizações criminosas. E os fazendeiros e Grileiros passam a ocupar o papel de vítimas indefesas“. (Do pedido de HC impetrado no TJ-PA)
Há um mês o padre José Amaro Lopes de Souza tornou-se, nas acusações de seus apoiadores e defensores, outra vítima da justiça seletiva. Encontra-se recolhido à penitenciária de Altamira, no noroeste do estado do Pará, com base em acusações que soam estranhas como a associação criminosa. Estranha porque na denúncia apresentada o padre é o único acusado, o que fez sua defesa alertar no pedido de Habeas Corpus (HC) impetrado junto ao tribunal de Justiça do Pará:
“Não existe associação de uma única pessoa. Ou seja, Padre Amaro não pode se associar consigo mesmo e assim responder por tal crime. É o óbvio Excelências. Como a defesa nada tem a esconder juntou ao presente HC a denúncia, o pedido de prisão, o parecer do MP, enfim tudo. E o que observa é que Padre Amaro é o único indiciado e denunciado, daí porque ser absurda tal acusação”.
Com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o caso do Padre Amaro foi relegado ao esquecimento. Completou na sexta-feira (27/04) um mês sem maiores repercussões, inclusive nos Blogs e redes sociais. Nem mesmo o fato de a desembargadora Vânia Silveira ter negado a liminar pedida para libertá-lo mereceu destaque além do noticiário regional.
Enquanto isso, o padre é mantido – e, na melhor das hipótese, o será por, no mínimo, mais dois meses – em uma penitenciária na qual estão os condenados pelo assassinato da missionária Dorothy Stang, morta em 2005, na mesma região, a quem padre Amaro sucedeu. Ou seja, o padre pode estar correndo risco, apesar de ele próprio ter escrito (veja carta abaixo) que vem sendo respeitado entre os presos. Mas, seus advogados advertiram no Tribunal:
“A “cabeça” ou “reputação” de lideranças no Estado do Pará tem seu preço cada vez mais inflacionado. Essa é a verdade!”
Ao ser preso, em 27 do mês passado, entre as acusações que a polícia lhe fez constava até “assédio sexual e importunação ofensiva ao pudor” que jamais ficou provado. Na denúncia apresentada pelo Ministério Público (MP) do Pará isso foi deixado de lado. Mas, àquela altura, a imagem do religioso estava denegrida a partir de acusações levantadas pelo delegado de polícia da cidade de Anapu, Rubens Matoso. Ele ainda apontou contra o padre os crimes de incentivo à ocupação de terras (o chamado esbulho possessório), assassinatos, extorsão, constrangimento ilegal e lavagem de dinheiro.
Para os promotores, conforme a denúncia apresentada dia 20 passado, o padre deve responder pelos artigos do Código Penal: 288 (associação criminosa) – mesmo estando sozinho na denúncia; 163 (dano, por destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia) e 158 (extorsão), além da lavagem de dinheiro, prevista na Lei n. 9.613/98. No lugar do esbulho possessório (art. 161 do Código Penal) na denúncia surgiu o Dano. Ambos, porém, são crimes de ação privada. Ou seja, não cabe ao MP promover uma ação por tais crimes. A reclamação deve ser feita por quem se sentiu lesado, como explicou Marco Polo Santana Leão, um dos defensores do padre.
Segundo sustentam os advogados – além de Marco Polo, atuam na defesa José Batista Gonçalves Afonso, Cássia de Fátima Santana Mendes Pantoja, Mary Lucia do Carmo Xavier Cohen, Antônio Alberto da Silva Pimentel, Nildon Deleon Garcia da Silva, Clara Morbach Gaby e Sandra Araújo dos Santos – estas são apenas algumas das falhas a partir do inquérito policial que provocou a prisão do padre Amaro e, depois, a denúncia dos promotores.
Para a defesa, todo o caso é fruto de uma armação por parte do delegado de polícia Matoso, da cidade de Anapu – onde o religioso reside e exerce liderança – com a participação direta de fazendeiros. No pedido de HC cuja liminar foi rejeitada, eles afirmam:
“O inquérito é na verdade uma farsa, constituindo-se como um instrumento de criminalização indevida, que deve ser questionada em todas as frentes jurídicas possíveis. O Delegado de polícia sonegou diversas informações ao Juízo de Anapu, que demonstrariam inexistir as acusações que resultaram na prisão, indevida e desnecessária no sentir da defesa“.
No pedido do HC, cuja íntegra publicamos abaixo, os advogados alertaram para o passado dos fazendeiros que ajudaram na acusação contra o padre. Todos com ficha penal corrida, alguns, inclusive, já condenados, ao contrário do religioso. É o que denominaram de “triste enredo”, como na epígrafe desta reportagem.
Baseiam-se, inclusive, em documentos oficiais como o Relatório de Conflitos Agrários Emblemáticos no Pará – em especial a parte sobre Anapú – elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em novembro de 2015. Os defensores do padre, alegam no HC:
“O que chama a atenção é que muitos desses fazendeiros foram retirados das terras que ocupavam ilegalmente, por decisão judicial em ações propostas pelo INCRA, a partir do ano de 2005, e não porque o Padre Amaro esbulhou suas (supostas) propriedades. Ou seja, todos esses fazendeiros foram convocados a ir até a Delegacia de Anapu, não para registrar boletins de ocorrência de ocupações de suas propriedades, mas sim, para acusar o Padre Amaro de liderar todas as ocupações de terras ocorridas no município de Anapu desde que Dorothy era viva“.
A investigação da polícia teve início em março de 2017 – Inquérito nº 136/2017 – teoricamente para apurar a participação do padre em um processo de ocupação da Fazenda Santa Maria, lote 4 da Gleba Bacajá, de Silvério Albano Fernandes, em Anapu.
No documento do MDA, porém, consta que desde 2015 – portanto dois anos antes do Inquérito -, a fazenda, localizada em área da União, era considerada um dos locais de conflito e já tinha sido ocupada pelos trabalhadores rurais. Eles defendiam a incorporação da área no programa de reforma agrária.
O mesmo documento registra que Fernandes, proprietário da fazenda que a polícia ouviu como testemunha para incriminar o padre, mantinha pistoleiros na área, deu tiros contra trabalhadores rurais e promove o desmatamento. Contra os trabalhadores rurais constava apenas a invasão do terreno.
Apesar de todas as denúncias, durante a investigação policial, segundo afirmam os advogados, foram feitas buscas e apreensões “sem nenhum tipo de notícia de apreensão de valores, ou objetos como armas ou outra prova que indique estar o requerente (padre José Amaro) envolvido nos delitos imputados pela Polícia“.
Foi a partir da prisão de um dos “líderes” do movimento na região que teria participado da “suposta ocupação”, Márcio Rodrigues dos Reis, conforme o relato dos advogados no HC, que “houve uma articulação entre os fazendeiros de Anapu“.
Após o depoimento de Silvério Fernandes – o fazendeiro que promove desmatamento e mantém pistoleiros (vide gráfico ao lado) – acusando padre Amaro por esses e outros crimes, outros 10 fazendeiros compareceram à delegacia para prestar depoimento ao delegado Matoso. Engrossaram as acusações contra o padre pela prática de diversos crimes. Ao que parece, o passado destes fazendeiros/testemunhas não importou ao delegado.
Tampouco ao juiz de Anapu, André Monteiro Gomes. Ele, sem ouvir o Ministério Público, acatando tudo o que o delegado disse, decretou a prisão preventiva do padre contra quem parece já ter feito pré-julgamento. É o que se depreende do que falaram os advogados no pedido de HC:
“A afirmação do Senhor Juiz de que existiria o fornecimento de armas, ou que Padre Amaro estaria envolvido em homicídios não encontra respaldo sequer na denúncia, na busca e apreensão, ou nos antecedentes criminais do paciente. Ao que parece, tais acusações (assim como a acusação de assédio sexual) são apenas alegorias para justificar o injustificável”;
O delegado, conforme os advogado, “requereu ainda ao juiz que oficiasse a Igreja Católica, nas pessoas do Bispo da prelazia do Xingu e Arcebispo de Belém, bem como enviado as imagens das ações criminosas do representado e as de cenas de sexo, para que sejam aplicadas as regras da aquela instituição religiosa, assim como o afastamento imediato de padre Amaro da Paróquia Santa Luzia e da Comissão Pastoral da Terra”.
Ao que parece, o delegado sequer acompanhou o noticiário em torno da prisão que ele promoveu. Se o fizesse teria sabido que no dia seguinte à prisão, isto é, 28 de março, os dois bispos do Xingu – o em exercício, dom João Muniz Alves, e o emérito, dom Erwin Kräutler -, assinaram nota. Dela extraímos o trecho
“(…) manifestamos nossa fraterna solidariedade a esse incansável defensor dos direitos humanos, defensor da regularização fundiária, da reforma agrária e dos assentamentos de sem-terra. Há anos alvo de ameaças, Padre Amaro agora é vítima de difamação para deslegitimar todo o seu empenho em favor dos menos favorecidos”.
Não foi tudo. Em 19 de abril, já em Aparecida do Norte (SP), onde ocorreu a 56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) o apoio ao padre recolhido à penitenciária foi endossado por mais de 50 bispos de dioceses diferentes, em uma prova que parte da igreja não apenas apoia o trabalho do padre Amaro, mas defende as mesmas bandeiras que ele empunha. No documento eles afirmam:
“Padre Amaro vinha há anos sendo alvo de ameaças. Agora ele é vítima de difamação para deslegitimar todo o seu empenho em favor dos menos favorecidos. Ele é um incansável defensor dos direitos humanos, defensor da regularização fundiária, da reforma agrária e dos assentamentos dos sem terra.
Repudiamos as acusações de ele promover invasões de terras que são reconhecidas pela Justiça como terras públicas, destinadas à reforma agrária, mas se concentram ainda nas mãos de pessoas economicamente poderosas, Acompanhamos, apreensivos, a investigação e elucidação dos fatos e insistimos que a verdade seja apurada com justiça e total transparência. Esperamos que ele possa sair da cadeia o quanto antes, possibilitando que responda às acusações em liberdade.
Preocupa-nos o assassinato de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, de indígenas, de quilombolas, de posseiros, de pescadores e assentados, que teve um crescimento de 2015 (50 assassinatos) para 2017 (70 assassinatos).
Também tem nos preocupado a criminalização de lideranças populares e de agentes pastorais, como no caso do CIMI – Conselho Indigenista Missionário“.
O trabalho do delegado é por demais questionado pelos defensores do padre Amaro. Eles até levantam dúvidas se a investigação foi toda feita na cidade.
“Chama atenção ainda a leviandade da Policia Civil, na pessoa do delegado Rubens Matoso, de batizar a Operação de Eça de Queiroz (como forma de difamar ainda mais o Padre) o ataque à intimidade e privacidade do Padre, e ainda a deflagração às vésperas da semana Santa (quatro dias de feriado) de forma a dificultar a defesa obter a liberdade de Padre Amaro.
Aliás, não se sabe se este inquérito foi ou tem sido feito de fato pela polícia civil de Anapu/Superintendência de Altamira, pois até mesmo parecer técnico pericial acostado aos autos é da lavra de um suposto perito do Estado do Tocantins. Pergunta-se: quem contratou tal perito???? Quem lhe pagou?? Foi a polícia civil do Estado do Pará?? Não existe, acaso, o CPC Renato Chaves para realizar tal perícia??? Porque as imagens não foram periciadas antes de serem trazidas a inquérito ou irem parar nas redes sociais??? Essas respostas (que a defesa vai buscar) certamente vão ensejar a descoberta dos verdadeiros interessados em destruir Padre Amaro. Alguns deles (que já respondem processos) já até prestaram queixa contra o Padre Amaro na delegacia e assinaram notas públicas como se fossem julgadores ou aplicadores da lei”.
Dois dias depois, da cadeia onde se encontra, padre Amaro escreveu aos seus paroquianos e amigos de Anapu. Nos dois parágrafos, mostra-se confiante:
“Irmão e irmã que Deus abençoe cada um(a).
Obrigado por tudo. Aqui vivi o Evangelho na prática, no meio desses irmãos. O presídio tem capacidade para 190 detentos, e aqui tem 400,00. É por isso que se dá as rebeliões. Todos gostam de mim, menos os que mandaram matar a Dorothy, Reginaldo (Taradão), Derby Antônio Rosa, grileiro do lote 83 da gleba Bacajá.
Obrigado de coração a todos(as). Isso tudo só me fortalece na missão. Essa semana tive a visita de meu irmão na luta Felício Pontes, com um grupo dos direitos humanos, a Geuza, Chiquinho e a Drª Clara da CPT de Marabá. Obrigado minha família de missão, Katia, Jane, Pe. Bento, Mª dos Santos e todos os paroquianos, e a Eunice que está em nome da família Lopes. A Dom. João, a Dom. Erwin e todos do centro de pastoral, e ao Pe. Patrício representando todos meus irmãos no presbitério.
Dorothy vive, sempre, sempre.
E o Amaro também ainda vive”
Diante de tudo o que viram nos documentos, os advogados concluíram que os fazendeiros, após toda a reação ocorrida em 2005 diante do assassinato da missionária Dorothy, que por conta da reação da opinião pública no Brasil e no exterior, terminou na condenação dos executores e mandantes, hoje adotam outra prática.
Passaram a jogar em dobradinha com a polícia. Ao que parece, com as bênçãos do MP e do Judiciário. Dizem os defensores do padre Amaro no pedido de HC cuja liminar foi negada:
“Ao que tudo indica, os fazendeiros mudaram de estratégia em relação ao padre Amaro.Ao invés de assassiná-lo, encontraram uma forma de desmoralizá-lo atacando sua imagem e criminalizando-o, e assim, conseguir retirá-lo do município de Anapu“.
Habeas Corpus em favor do Padre José Amaro
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4 Comentários
Marcelo Auler, boa noite. O padre Amaro foi solto?
Abraços
Marcelo tenho um blog em São Luís (MA) e gostaria de saber se posso publicar a tua matéria
dando o credito ode. Mas preferencialmente de parte da matéria e o link para a página.
[…] [Padre Amaro: prisão e injustiça se perpetuam – Marcelo Auler] é bom. Dê uma olhada! https://marceloauler.com.br/padre-amaro-prisao-e-injustica-se-perpetuam/ […]