A suspensão da nomeação da cientista e educadora Tania Cremonini Araújo-Jorge, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) desde 1983, para a presidência da instituição foi um gesto de prudência. Anunciada neste final de semana pelo colunista de O Globo, Ilimar Franco –Fiocruz: Temer deve recuar, o recuo foi confirmado no Diário Oficial desta segunda-feira que não publicou, como estava previsto, nenhum ato do presidente Michel Temer relacionada à sucessão de Paulo Gadelha naquele centro de pesquisa. A confirmação chegou à Fiocruz por um WhatsApp- de servidor da Imprensa Oficial (veja ao lado).
Se aguada, agora, o próximo movimento do governo. A dúvida é como farão para minimizar o desgaste do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), um engenheiro civil que Temer colocou à frente do ministério da Saúde. Ele, teoricamente, é quem está sendo responsabilizado por mais esta crise no governo empossado com o golpe do impeachment. Nas explicações que o presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira – que como membro do Conselho Superior da Fiocruz atua como bombeiro – Temer teria sido levado a erro pelo ministro:
“Não estou criticando o presidente Michel Temer. Eu o alertei do efeito negativo que esta decisão teria na comunidade científica. Estou protegendo o presidente. O presidente foi levado a erro, pelo ministro (Ricardo Barros), que lhe informou que se tratava de uma lista tríplice” – declarou Gouvêa Vieira à Ilimar Franco.
Mesmo levando-se em conta outra informação de Ilimar – “A informação, entre os aliados de Gadelha, atual presidente da instituição, é a de que o ministro Ricardo Barros (Saúde) atua com a pretensão de destituir de suas funções todos ocupantes de postos de sua pasta ligados às gestões petistas. Mas entre os que defendem a decisão das eleições internas, há um reconhecimento de que todos são de esquerda, mas não têm ligação partidária”- é precipitado se imaginar que a decisão foi exclusiva do ministro. Além disso, é fato que o ministro em uma recente passagem pela Fiocruz conversou com as duas candidatas isoladamente.
Ainda assim, pode ser uma simples justificativa para evitar o desgaste maior de Temer, pois é difícil acreditar que uma raposa política como ele não percebesse as consequências desta nomeação. Não se pode esquecer ainda que nomeações feitas pela Presidência da República costumam passar por crivos mais vigorosos, como os órgãos de informações, entre eles a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Logo, Barros não deve ser o único responsável pelo desastrado gesto.
Fiocruz em compasso de espera – Por isso, a construção de uma saída é vista como fundamental pois, do contrário, caindo a responsabilidade apenas nas costas dele, há sempre a hipótese de mais um ministro deixar o governo atirando. Como aconteceu recentemente com Marcelo Calero, que preferiu abandonar a pasta da Cultura a ceder às pressões ilegais que sofria do também já ex-ministro Geddel Vieira Lima. Saiu batendo, ganhou notoriedade e criou mais um estrago ao governo.
Oficialmente, a Fiocruz se fechará em copas aguardando o próximo lance do governo no tabuleiro de xadrez. Todos estão na expectativa de que o ministro Barros, mesmo desgastado, permaneça e não haja maiores consequências para ele, além do certo desprestígio que ficará. Afinal, podem alegar que nada foi anunciado oficialmente e que o vazamento para a imprensa foi indevido e errado.
Na Fiocruz espera-se que ele, ou o presidente, convoque alguma reunião, seja com Paulo Gadelha, atual presidente da Fundação, ou com a candidata mais votada, Nisia Verônica Trindade Lima. Na terça-feira (03/12) já há marcada uma audiência de deputados federais de vários partidos com Barros. O Conselho Deliberativo da instituição mantém-se em reunião permanente ao mesmo tempo em que servidores convocaram, à revelia da Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN), um encontro para às 9h00, desta segunda-feira, 02/01, na frente da Casa de Ciências, dentro do campus na Fundação, no bairro de Manguinhos (Zona Norte do Rio). A assembleia da Asfoc será terça-feira (03/01).
No Conselho Deliberativo, porém, afasta-se a possibilidade de uma reviravolta com o governo optando por uma terceira pessoa, um interventor. Na análise política de membro do CD, isso jamais ocorreria pois geraria uma revolta maior, inclusive unindo aqueles que ainda apoiam a posse de Tania, além de diversos órgãos acadêmicos e da sociedade civil. Um exemplo seria o próprio presidente da Firjan, Gouvêa Vieira.
Lista tríplice, legitimidade e representatividade — Este episódio em si deverá provocar uma discussão muito mais ampla, na medida em que a nomeação de um mais votado em uma lista tríplice sempre foi defendida como a medida mais democrática. Não apenas na Fiocruz, mas em diversos órgãos governamentais. Mas já existe crítica a esta prática que os governos petistas adotaram ao pé da letra.
Ainda que no governo de Fernando Henrique Cardoso isto tenha sido praticado na Fiocruz, não o foi na Procuradoria Geral da República, quando o presidente optou por Geraldo Brindeiro, que jamais encabeçou as listas. Foi uma medida política, pois ele como procurador-geral atendeu às necessidades do governo de embarreirar determinadas investigações. Daí seu apelido de engavetador-geral. Ressalte-se que PGR e Fiocruz possuem pesos políticos diferentes, mas isso não inviabiliza a discussão.
Hoje, entre membros da esquerda, esta discussão já é travada. O Subprocurador-geral Eugênio Aragão, por exemplo, diz que a escolha do mais votado acaba gerando compromisso do escolhido com o corporativismo da instituição. Em busca do apoio dos colegas, os candidatos acabam se comprometendo com interesses classistas. Em carta dirigida ao Procurador-geral, Rodrigo Janot e publicada com exclusividade pelo blog – De Eugênio Aragão a Rodrigo Janot: “Amigo não trai, amigo é crítico sem machucar, amigo é solidário” – ele deixou claro sua crítica à escolha do mais votado:
Na verdade, para se tornar Procurador-geral da República, o Senhor teve que fazer alianças contraditórias, já que não aceitaria ser nomeado fora do método de escolha corporativista.
Acendeu velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação e eu.
No caso da Fiocruz é bom que se ressalte que não está em jogo a capacidade técnica e a dedicação das duas candidatas, que têm excelente folha de serviços prestados à Instituição.
O que se discute é um antigo compromisso interno – corporativo, dirá Aragão – de prestigiar o mais votado. Acredita-se que os servidores que participam deste processo, intrinsecamente apoiam esta posição. Mas nem sempre isso acontece.
A bem da verdade, registre-se que na campanha, Tania deixou claro que mesmo não sendo a mais votada não retiraria seu nome da lista. Em um debate ela provocou a adversária a se manifestar a respeito e Nizia, segundo consta, depois de dizer que apoiaria a mais votada, acabou confessando que também não retiraria o nome da lista. Talvez, por isso, neste imbróglio todo ela está calada.
O blogueiro não conhece nenhuma das duas pessoalmente e acha justo publicar aqui um comentário feito por outra servidora da Fundação, Fatima Cristina Mendes Magalhães – membro colaborador do LITEB/IOC. Não a conheço também, mas recebi seu comentário de uma fonte altamente confiável, um desembargador aposentado do TRT (apenas dividi o texto em períodos menores). O espaço está aberto à professora Nisia ou seus apoiadores.
“Nosso humilde comentário
Amigos, amigas
Precisamos, urgentemente, nos posicionar sobre Tania Araújo-Jorge, nas redes e blogs, e demais mídias, desfazendo tristes equívocos, como este, acerca da pesquisadora de grande valor para Fiocruz, e para o Brasil.
Ela abriu as portas da Ciência (não neutra, mas comprometida com a redução das desigualdades sociais em nosso país) para centenas – talvez milhares – de jovens estudantes estimulando-os a abraçarem a Saúde Pública como causa científica e humana, com alegria e generosidade, unindo-a, de forma inovadora, à Arte e à Educação.
Assim, democratizou ainda o acesso de alunos e professores das redes públicas, estes tão desprezados pelos “poderes constituídos”, ao conhecimento de ponta gerado por esta Fundação – orgulho da nação brasileira. Lembro também da gestora de excelência do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), quando dirigiu, recentemente, por oito anos, através de eleição interna, este Instituto que é considerado o arquétipo técnico-científico-e neural da Fiocruz desde os tempos pioneiros de Oswaldo Cruz.
Mas, sobretudo, precisamos falar de Tania como pessoa humana extremamente solidária ao semelhante e que “toma partido” – pé no chão pelas ruas de nossa cidade e bandeiras de luta nas mãos, sem proteção de qualquer anonimato pelos cargos que ocupou e, ou que ocupa e, ou que ocupará – contra as injustiças perpetradas em nosso país, como as que, no ano que ora se encerra, usurparam o mandato da Presidente eleita Dilma Rousseff pela população brasileira.
Torna-se importante assinalar, nesta oportunidade, que não preconizamos aqui qualquer rancor contra a Democracia – muito pelo contrário – entretanto precisamos analisar e refletir muito a respeito já que foi um Congresso eleito pelo povo que teve nas mãos o acolhimento deste ato de cassação e a decisão sobre o mesmo.
Precisamos ainda dizer que não poderemos estabelecer simples comparações – em toscos raciocínios duais – mas insistimos que precisamos refletir a respeito do tema em tela considerando a trajetória científica e institucional de Tania Araújo-Jorge e sua imensa contribuição para a melhoria das condições de saúde dos brasileiros, especialmente os mais necessitados, como o são os doentes chagásicos, num só exemplo, quando Tania criou na Fiocruz a Associação dos Portadores da Doença de Chagas.
Em tempo: precisamos registrar que jornalistas brilhantes e que primam pela honestidade profissional, como Marcelo Auler e Fernando Brito, que publicaram matérias sobre a Presidência da Fiocruz, merecem todo o nosso respeito e, por isso, acreditamos que eles precisam conhecer melhor Tania para não cometerem injustiças.”
(Fatima Cristina Mendes Magalhães – membro colaborador do LITEB/IOC)
Da parte deste Blog podemos garantir que o espaço está aberto ao debate. Tentamos por algumas vezes falar com a pesquisadora Tânia pelo celular, mas não obtivemos êxito. Também gostaríamos de ouvir Gadelha e Nisia. Como acabei de reforçar nos comentários à reportagem Nomeação na Fiocruz virou briga partidária. o interesse do Blog é sempre ser uma via de mão dupla.
8 Comentários
Eleição: quem ganha , leva! Quem ganhou? Peçam para aguém desenhar!!!
Caberia aos que nao ganharam avisarem aos golpistas que estão fora de qualquer disputa.
Se os golpistas irao colocar um capiau no lugar da preferida nacionalmente pela comunidade
Fiocruz porque querem meter as mãos no orçamento da Ficoruz é outra história. Eles nao são
progressistas, democratas, são golpistas.
Totalmente certo o comentário de João de Paiva. O ponto crucial é que o que indevidamente se senta na cadeira da Presidência da República e, muito menos ainda , esse que se intitula ministro da Saúde têm nenhuma legitimidade para decidir qualquer coisa . O resto são SÓ consideracoes perifericas.
Caro Marcelo,
Importante corrigir uma informação confusa no texto acima, nesta mesma página: “…e Nizia, segundo consta, depois de dizer que apoiaria a mais votada, acabou confessando que também não retiraria o nome da lista…”. Esclarecendo: não retirar o nome da lista é o que se espera dos candidatos que, ao receberem pelo menos 30% de votos, passam a compor a lista a ser encaminhada ao Ministro. Assim, sugiro que reveja a intenção de quem lhe deu esta informação, ao usar a frase “acabou confessando”. Não havia nada a confessar. O que Nísia deixou claro nos debates foi que se ficasse em segundo lugar, não aceitaria ser presidente, mesmo se o Ministro não respeitando a escolha da maioria, indicasse a segunda colocada. Nísia expressou assim o seu respeito pelo processo democrático e pelo desejo da maioria dos eleitores, com a serenidade e a seriedade que marcam sua personalidade. Os eleitores conhecem muito bem a Nísia, sua trajetória coerente e seu respeito pela instituição. Se ela tivesse ficado em segundo lugar, com honradez e humildade, aceitaria a derrota. Assim é Nísia e também por isto foi mais votada.
Esclareço-lhe ainda que não se trata de disputa de competência técnico-científica, esta discussão está fora de lugar. Cada uma, em sua área de atuação, têm trajetórias importantes. Trata-se de respeitar o que decidiu a maioria das pessoas que trabalham, melhor conhecem e se dedicam à Fiocruz.
Como diz Eugênio Aragão, ex-ministro de Rousseff, a obrigatoriedade da escolha do mais votado em lista tríplice leva o escolhido a fazer acordos corporativos.
Muito bom, Marcelo Auler. Essa matéria presta um serviço aos leitores, à democracia e ao Brasil. Precisamos cada vez mais de um jornalismo que nos informe de verdade, em vez de tentar formar nossa opinião sem nos dar chance de refletir sobre fatos. Pelo visto, as duas candidatas na Fiocruz são consideradas pessoas de valor científico e ético. A questão, portanto, está nos processos para escolher. Precisamos cada vez mais lançar luz sobre os procedimentos para a tomada de decisões políticas no país. Os cidadãos nos podem se contentar em discutir decisões tomadas, sem saber como e por que foram tomadas.
Prezados leitores,
Observem que toda a polêmica não tem relação com a competência, o caráter e a índole das pesquisadoras que lançaram candidatura para dirigir a FIOCRUZ. O imbróglio também não reside na estrita legalidade da nomeação da segunda colocada em votação interna, entre servidores e pesquisadores da FIOCRUZ, pois nem o ministro da saúde nem o ocupante da presidência da república são obrigados a nomear a mais votada. A questão de fundo é a ilegitimidade de michel temer, atual inquilino do Palácio do Planalto à custa de um golpe de Estado, e daquele que foi nomeado ministro da saúde, o deputado federal e engenheiro civil, ricardo barros.
Já se tornou público o conflito de interesses que caracteriza a atuação de ricardo barros; empresas de planos de saúde financiam as campanhas do deputado. Já nomeado ministro, ricardo barros declarou que o SUS e a Saúde Pública não cabem no orçamento. De forma acintosa, ele propôs a criação de planos de saúde ‘populares’, com parca e ‘porca’ cobertura; tais planos seriam para os pobres, que ficariam privados de atendimento especializado e tratamentos complexos. Portanto a ilegitimidade e o mau-caratismo tanto do ocupante do Planalto como daquele à frente da pasta da Saúde são os causadores dessa discussão e dessa polêmica.
As pessoas bem informadas sabem que aspectos políticos sempre estão presentes em nomeações para dirigir fundações públicas. A escolha de quem irá dirigir/presidir a FIOCRUZ não se tornaria polêmica, caso o ocupante da presidência da república possuísse legitimidade. Quem tergiversar ou negar isso, está desviando a atenção para o que é secundário.
Concordo plenamente com você João de Paiva, toda polêmica é pela ilegitimidade do Planalto e de seus seguidores
Como diz Eugênio Aragão, ex-ministro de Rousseff, a obrigatoriedade da escolha do mais votado em lista tríplice leva o escolhido a fazer acordos corporativos. Além disso, não houve recuo pois não havia designação até hoje. A tal “legitimidade de Temer” é garantida exatamente por aqueles que nele votaram. A autonomia da centenária Fiocruz e dos seus pesquisadores, assim como da universidades em geral, garante a continuidade de projetos, a proposição de novos e a independência. Temer (em quem nunca eu votei nem votaria) não será ameaça para uma instituição que nem revolta “popular’ orquestrada por jornais e revolta de alguns militares da Escola Militar da Praia Vermelha conseguiu destruir. Luiz Nassiff, quanta bobagem é dita aqui por você e os seus apoiadores.