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L.F. Gomes: “O sistema público faliu. Estamos deixando esse debate de lado”.

Marcelo Auler

A entrega do novo velódromo, inacabado, reuniu o prefeito Eduardo Paes, o ministro de esporte interino, Leonardo Picciani, e o presidente do Comitê Olímpico, Carlos Nusman. Como se não bastasse, na placa comemorativa, Francisco Dornelles aparece como governador e ainda deram um jeito de incluir  o nome de Rafael Picciani. Foto: prefeitura do Rio de Janeiro/Ricardo Cassiano

A entrega do novo velódromo, inacabado, reuniu o prefeito Eduardo Paes, o ministro de esporte interino, Leonardo Picciani, e o presidente do Comitê Olímpico, Carlos Nuzman. Como se não bastasse, na placa comemorativa, Francisco Dornelles aparece como governador e ainda deram um jeito de incluir o nome de Rafael Picciani. Foto: prefeitura do Rio de Janeiro/Ricardo Cassiano

As conquistas pelo Brasil do direito de recepcionar grandes eventos esportivos como os XV Jogos PanAmericanos, em 2007, no Rio de Janeiro, a Copa do Mundo em  2014 e agora os Jogos Olímpicos, novamente no Rio de Janeiro, foram comemoradas por todos que enxergavam nesses eventos um momento especial para o país.

Valores exorbitantes foram investidos sempre alegando-se que os gatos compensariam o chamado “legado” destes eventos à população, que seria diretamente beneficiada. Em nome disso, gastou-se, e muito. Fez-se coisas inacreditáveis. Mas, como tudo que acontece, acabam surgindo as informações sobre corrupção, caixinhas, acertos, etc.

Para ficar em apenas um exemplo gritante, citemos a construção de um velódromo na Barra da Tijuca para o Pan-americano, ao custo de R$ 14 milhões. Cinco anos depois ele foi demolido para se erguer um novo, ao custo de R$ 147 milhões – dez vez mais – entregue, ainda inacabado, no último dia 26 de junho pelo prefeito Eduardo Paes ao presidente do Comitê Organizador Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman e ainda o ministro interino do Esporte, Leonardo Picciani.

A gastança foi total e hoje temos, por exemplo, como “legado” da Copa, estádios de futebol milionários que estão subaproveitados, quando não sem uso esportivo. Não estranha, portanto, que na esteira dos escândalos que estão surgindo nas operações policiais comece aparecer o envolvimento de pessoas ligadas ao mundo esportivo. Foi o que ocorreu na Operação Abismo, desta segunda-feira (04/07), com os empresário Walter Torre Junior, ligado ao Palmeiras, e Roberto Copobiano, presidente do conselho que administra o Mineirão. Pode ser apenas um fio da meada.

Por isso, vem a calhar o artigo de Luiz Fernando Gomes, editor-chefe do jornal Lance! que mostra que também no esporte vai aparecer muita lama. Basta quererem apurar.

Mas, ele vai adiante. Mostra que não basta punir corruptos e corruptores. A discussão é mais ampla pois, o que está claro, é que o sistema público faliu do jeito como vem funcionando. 

A lama também pega o esporte

Por Luiz Fernando Gomes*

Mineirão construído pelo consórcio presidido por Roberto Copobianco que apareceu na Operação Foto: Reprodução do Lance!, 9divulgação/Secopa)

Mineirão construído pelo consórcio presidido por Roberto Copobianco que apareceu na Operação Abismo. Foto: Reprodução do Lance! – divulgação/Secopa

Construtor e “sócio” do Palmeiras na Allianz Park, o empresário Walter Torre Junior foi alvo de condução coercitiva (quando se é levado à força para depor) na 31ª fase da Operação Lava-Jato, a Operação Abismo. Roberto Capobianco, presidente do Conselho de Administração da Minas Arena, consórcio que construiu e administra o Mineirão, teve a prisão temporária decretada pelo juiz Sérgio Moro na mesma fase da operação deflagrada nesta segunda.

Em nenhum dos dois casos, ao menos até o momento, há irregularidades comprovadas da parte dos executivos ou de suas empresas – a WTorre e a Construcap – envolvendo as instalações esportivas das quais participam. Mas a chance de que isso de alguma forma acabe acontecendo são reais, especialmente no caso de BH,

Seja na Lava-Jato, seja nas operações que dela derivam no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público, são várias as citações que já apareceram sobre pagamentos de propina, superfaturamento de obras e outras mazelas em diversos estádios da Copa – incluindo o Maracanã e a Arena Corinthians – obras para o Pan e para a Olimpíada do Rio.

O novelo que começou a ser desfiado pela força tarefa de Curitiba, e agora se estende pelo Rio e São Paulo, não deixa dúvida de quanto as relações entre o público e o privado estão putrefatas no país. Nos últimos meses, alguns dos maiores conglomerados nacionais ou multinacionais que atuam por aqui, nos mais variados setores da produção, definitivamente saíram das editorias de economia e negócios para frequentar o noticiário político-policial que estarrece leitores a cada nova revelação.

O esporte, direta ou indiretamente, vai sendo tragado pela mesma lama.

Prender, aplicar os termos da lei contra quem corrompe ou é corrompido, lesa os cofres públicos recebendo mais do que deveria ou beneficia-se da fragilidade dos meios de controle dos governos é recomendável. Mais do que isso, merece aplausos. Desde que tudo seja feito respeitando-se o direito de defesa dos acusados, sem julgamentos prévios e atendendo às garantias estabelecidas pela constituição.

Mas prender é pouco. Se a corrupção e a malversação do dinheiro público chegaram a tal nível de contaminação, isso não se deve exclusivamente à má índole ou a ganância de um lado e de outro.

O que essas operações revelam é que o sistema público brasileiro faliu. A filosofia do criar dificuldades para vender facilidades, dos alvarás burocratizados, das licitações viciadas, das extorsões disfarçadas em “fiscalizações”. das campanhas políticas bilionárias feriram de morte as relações público-privadas no Brasil.

Em março desse ano, Gherardo Colombo, um ex-magistrado com participação ativa na Operação Mãos Limpas – a inspiradora de Moro na Lava-jato – e outros escândalos de corrupção na Itália, esteve no Brasil para uma série de palestras, Ficou claro de sua mensagem que prender políticos e empresários foi importante. E até fácil. Mas em nada resolveu o problema, não tornou a Itália de hoje menos corrupta do que era antes. Pois o sistema – que gerou os anos malditos de Silvio Berlusconi – se manteve intacto. Ou ainda mais benevolente. E o cidadão comum, que antes aplaudia a ação da Justiça, começou a incomodar-se quando não podia mais pagar para furar a fila ou dar uma “gorjeta” para o guarda da esquina abrir mão de uma multa de trânsito.

Esse é o mal que nos ameaça. Passada a fase das grandes prisões midiáticas, o que virá por aí? Isso é o que deveria estar sendo discutido de verdade – a reforma política-eleitoral, a simplificação do estado brasileiro, a criação de mecanismos efetivos de controle social – prévio e não somente judicial – sobre os processos públicos. Mas embebecidos e desacostumados com a repressão aos poderosos, estamos deixando esse debate de lado.

Ou encaramos o desafio ou só nos restará a espera pelo nosso Berlusconi.

* Luiz Fernando Gomes é editor-chefe do Lance!

4 Comentários

  1. free disse:

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  2. João de Paiva disse:

    Prezados,

    Qual a surpresa? A lama sempre cobriu os esportes. Ou os mais ‘antigos’ já se esqueceram dos escândalos das loterias, tanto no Brasil como em países europeus – notadamente na Itália – na década de 1980? Mesmo hoje, alguém acredita que as bilionárias transações de clubes espanhóis, como Real Madrid e Barcelona, se baseiam apenas no que esses clubes arrecadam em bilheterias, com os sócios-contribuintes e com a venda de material licenciado e direitos de transmissão? Notem que na Alemanha, país com economia muito mais pujante que a Espanha, não há nenhum clube tão poderoso quanto os dois espanhóis citados. Vocês não desconfiam de nada?

    O que me deixa indignado é que as instituições judiciárias (PF, MP e PJ) só agem a posteriori, depois que os desvios, superfaturamentos e mal uso do dinheiro público já ocorreram. Por que não atuam de forma pró-ativa e preventiva? Na Suécia o equivalente local do MP instala escritório junto às grandes obras, acompanha e fiscaliza os contratos, desde sua elaboração e durante a execução. Não por acaso esse país nórdico tem um dos menores índices mundiais de corrupção.

    Há dois anos tenho comentado com pessoas próximas a trégua que foi dada aos políticos do Rio de Janeiro e às empresa que realizam obras públicas no estado. Depois que as pretensões políticas ao senado de Sérgio Cabral Filho foram minadas, tanto a PF, como o MP , o PJ e o PIG fizeram silêncio obsequioso e mantiveram Cabral no limbo. Apenas na semana passada a construtora Delta, seu proprietário Fernando Cavendish (amigo íntimo de Cabral) voltaram ao noticiário. Carlos augusto Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira, uma espécie de editor informal da revista Veja e comparsa de Policarpo Júnior, só agora voltou às manchetes, num jogo de cena que visa desviar as atenções para o que de fato a ORCRIM está de fato fazendo nos bastidores: fazendo os acertos e preparativos finais para uma espetaculosa operação, para prender o ex-presidente Lula.

    É bom deixar claro que esse sistema público de que fala a reportagem contempla também as polícias e aparelho repressor do Estado, os MPs estaduais e da União, o poder Judiciário, o STF. Atribuir a falência apenas ao sistema político-representativo é um erro primário, que fortalece as saídas autoritárias, antidemocráticas, despóticas, golpistas, ditatoriais. Tudo o que a burocracia estatal golpista de hoje (composta principalmente pela PF, pelo MP e pelo PJ) quer é deslegitimação apenas dos sistema político; esse é o atalho que os integrantes da plutocracia precisam para chegar ao poder político sem ter de passar pelo duro processo das eleições e pelo sufrágio universal.

  3. N.M. disse:

    O Brasil deve ser a única nação que se sabota na onda de uma irresponsável atuacao de alguns funcionários públicos. O que adianta lutar contra a corrupção – eu particularmente não acredito nisso- e destruir a nação , colocando milhões de desempregados na rua. Temos uma olimpíada o mundo todo esta nos vendo e o que nos mostraremos de nos mesmos ?

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