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Marcelo Auler

Em 1994, na Mangueira, a revista na bolsa de uma lactante foi devidamente mostrada na primeira página de O globo; em 2018, a mesma cena na mochila de um menor, na Favela Kelson’s, não mereceu qualquer citação no jornal.O que mudou?

Não demorou em se repetir o show de pirotecnia e humilhação. Tal e qual previmos aqui  no sábado (17/02) – Intervenção no Rio: péssima reprise! -, quando falamos que a intervenção militar corria o risco de repetir cenas de humilhação e até piores, como d torturas, tais como ocorreram em 1994.

Não demorou a se repetir, como demonstrou o Globo On Line na terça-feira (20/02), no que foi muito bem destacado pelo Tijolaço, de Fernando Brito, em O olhar dos humilhados.

Curiosa, no entanto, é a posição do próprio O Globo, completamente diversa como se a humilhação não fosse a mesma.

Há 23 anos, em 23 de novembro de 1994, ao flagrar pelas lentes do fotógrafo Jorge William um soldado revistando, na saída da comunidade da Mangueira (Zona Norte do Rio), a bolsa de uma lactante, onde naturalmente só encontrou roupas, fraldas e mamadeira, o jornal dos Marinhos levou a foto em posição de destaque para a sua primeira página da edição do dia seguinte, como mostra a ilustração ao lado.

O fato, associado à revista a que militares submeteram, um dia antes, três crianças de 9, 10 e 11 anos na descida do morro Dona Marta, em Botafogo – que a fotógrafa Márcia Foletto perpetuou -, gerou editorial – ainda que bem comportado. Ele pedia mudanças naquela prática. Foi ainda tema de uma belíssima charge de Aroeira que, à época, publicava seus cartuns na página dos editoriais do jornal dos Marinhos.

Já em 2018, a revista na mochila de um menino que a mãe transportava, na saída da Favela Kelson’s, na terça-feira (20/02), tal e qual mostrou a fotografia de Domingos Peixoto, da Agência O Globo, sequer saiu nas páginas do matutino nesta quarta-feira (21/02). A foto serviu apenas à edição on line, onde Brito a capturou. O fato sequer foi mencionado na reportagem. Apenas na legenda.

A partir da foto de Márcia Foletto, Aroeira fez uma excelente charge mostrando o ridículo da situação, publicada em O Globo, há 23 anos.

Imaginar que traficantes sirvam-se das mochilas de uma criança a caminho da escola para retirar de uma comunidade parte – pequena, até pelo tamanho do apetrecho escolar – da droga que detém, ou alguma arma de menor porte, pode ser visto como algo normal por muitos. Em especial quem aplaude tais pirotecnias, cujos resultados são duvidosos.

Ainda assim, submeter menores a este tipo de constrangimento, com a presença de militares fortemente armados e à vista de todos, nem o famoso – e saudoso, para alguns –  “nosso companheiro diretor-redator-chefe” Roberto Marinho admitia. Tanto que ele, depois da publicação da foto na primeira página do carro chefe das suas Organizações, registrou seu protesto no editorial de primeira página da edição do dia seguinte, 25 de novembro.

Nele, é verdade, o jornal considerava que “uma revista tem realmente elementos de violência e humilhação inevitáveis”. De certa forma, ironizava – “Ainda não foi inventada forma de realizá-la que deixe o revistado envaidecido e gratificado”. Mas, também ressaltava seu ponto de vista: “acontece que não há comparação entre o constrangimento da revista e a extraordinária humilhação e a brutal violência da convivência forçada com os bandidos organizados, conhecidos por sua nenhuma hesitação em intimidar, torturar e matar pelas mais fúteis razões”.

Em seguida, porém, o jornal expôs sua posição em defesa do respeito às crianças: “é claro que a abordagem de crianças deve ser feita de forma menos traumatizante possível, o que desaconselha o uso de soldados armados na tarefa. Esse é um problema de circunstância, a ser resolvido sem comprometimento de qualquer objetivo relevante da missão”.

Em O Globo, o registro da visita do Viva Rio ao Comnando Militar do Leste quando protestou-se contra a revista de crianças e prometeu-se assistência jurídica aos carentes.

Registre-se, a bem da verdade, que não foi apenas o jornal O Globo que se calou diante de tal fato. Em 1994, na mesma edição que publicava a foto da lactante tendo sua bolsa com mamadeira e fraldas revistadas, o matutino noticiava a visita do então presidente da ABI, Barbosa Lima Sobrinho e ainda de uma comissão do Viva Rio, ao comandante das operações, general Câmara Senna, e ao comandante militar do Leste, general Edson Aves Mey. Foram todos, ainda que de forma não belicosa, protestar contra os métodos usados nas revistas de pessoas mais carentes.

O foco era a foto de Márcia Foletto, das três crianças sendo revistadas no pé do Morro Dona Marta, que Aroeira ironizou. Pelo Viva Rio, além do seu coordenador, o sociólogo Rubem César, participaram o jornalista Zuenir Ventura, o pastor Caio Fábio, o vice-presidente da Associação Comercial do Rio, Milton Tavares, e o vice-presidente do jornal O Dia, Walter Mattos Júnior.

Na visita, Rubem César anunciou que o Viva Rio estava montando uma assessoria jurídica que auxiliaria os moradores de comunidades carentes que “se sentissem prejudicados pelas ações de combate ao crime organizado”.

A repercussão das revistas, porém, foi maior. No Ministério Público do Estado, através dos promotores Marcio Mothé, Elisabeth Sampaio e Maria Luíza Ribeiro  pediram a abertura de um inquérito. Viam nas “evidências de submissão dos menores a constrangimentos”, um crime segundo o artigo 222 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Depois, não se falou mais no caso.

Às visitas, o general Senna reconheceu “a existência de excessos” e, segundo um dos que o visitaram, o jornalista Alfredo Marques Viana, diretor financeiro da ABI, ele teria admitido “que não estavam acostumados a fazer este trabalho de polícia”. Ao que parece, até hoje não se acostumaram nem aprenderam como lidar com menores.

Tais fatos, porém, mostram a total insensibilidade de pessoas e entidades 23 anos depois, diante do que pode estar ocorrendo nas comunidades carentes em nome do combate ao crime. Que nem tão organizado assim é, embora alguns grupos sejam e estejam muito bem armados.

Exceção a Fernando Brito que, na postagem que fez no Tijolaço na terça-feira, registrou:

“Qualquer operação destas no Baixo Leblon ou nos Jardins apreende mais drogas do que algo feito assim.

Mas lá, não, não é?

Eles não são negros, eles não são pobres, eles não são bichos.

Cuidado, porém.

Eles não são muitos.

E os humilhados e ofendidos são. E se enxergam nestas fotos onde mauricinhos e patricinhas não veem seres humanos”.

 

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10 Comentários

  1. C.Poivre disse:

    Na intervenção militar são as pessoas honestas que acabam pagando o pato, o que cria um grande ressentimento contra as FFAA:

    http://www.tijolaco.com.br/blog/loteria-do-teje-preso/

  2. C.Poivre disse:

    Complementando sobre as redes internacionais de tráfico:

    O que fazem as bases militares dos EUA no exterior: https://noticia-final.blogspot.com.br/2018/02/ex-cia-robert-d-steele-faz-revelacao.html

  3. João de Paiva disse:

    Opinião precisa ser embasada em fatos. Quando afirmo que as FFAA não são confiáveis como vendem a mídia venal e golpista, as ORCRIMs enquistadas e encasteladas na burocracia do Estado, os nazifascistóides, analfabetos sociais, históricos e políticos, manipulados e cegados pelo ódio disseminado, não estou apenas expondo uma posição político-ideológica. Os fatos corroboram e embasam minha argumentação crítica e contundente. Vejamos o cabeçalho desta grave notícia publicada no direitista e conservador El País:

    (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/20/politica/1519134545_626880.html)

    “Gil Alessi
    GIL ALESSI
    São Paulo 22 FEV 2018 – 20:42 BRT
    Em 18 de janeiro deste ano o sargento do Exército Renato Borges Maciel, de 40 anos, dirigia seu carro, um Logan branco, pela Via Dutra. Na altura de Itatiaia, Rio de Janeiro, ele foi parado em uma blitz durante operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Civil. Vestido com sua farda verde-oliva, o militar tentou impedir, sem sucesso, que o veículo fosse revistado. No porta-malas foi encontrada uma carga pouco comum: 17 fuzis de assalto modelo AR-15, dois AK-47, mais de 40 pistolas de calibres variados, 82 carregadores para pistola, 39 para rifles e 50 tabletes de pasta base de cocaína. O arsenal, avaliado em mais de 3 milhões de reais, bastaria para armar um pequeno exército. E de fato iria. Mas não para as forças armadas regulares: a suspeita das autoridades é que Maciel, lotado em Foz do Iguaçu, no Paraná, vendia armas para facções criminosas fluminenses.”

    Como nos recomenda o bravo e destemido repórter Marcelo Auler, não peço para terem simpatia ou postarem ‘likes’ e curtidas acerca dos meus comentários, dos quais se pode discordar. Peço que para que consultem a fonte original da notícia e a leiam na íntegra. Mas se forem discutir e debater, pelo tenham o bom senso de apresentarem argumentação bem construíd, válida e amparada em fatos e dados.

    Há vários outros episódios, envolvendo militares das três FFAA e o tráfico de armas e entorpecentes. Basta uma busca bem feita na internet e os leitores perceberão que uma da mais nefastas conseqüências de se empregara as FFAA como polícia é torná-las tão corruptas como a banda podre das polícias.

  4. naldo disse:

    Operação ilegal pois fere o estatuto da criança e adolescente, e mesmo que encontrassem algo com alguma criança seria humilhar duplamente um vulnerável que não possui meios de defesa. Quem defende um expediente vergonhoso como esses, quando sabemos que aviões, helipópteros entupidos de pó não sensibilizaram as autoridades só pode ter a cabeça enfiada num buraco para não ter noção da realidade. Combater o crime organizado revistando mochilas de crianças do maternal é o retrato do Brasil atual, cruel, incompetente e sem noção nenhuma da realidade de seu povo….

  5. JETRO disse:

    E tem que continuar mesmo. Sabemos que crianças são usadas diariamente pelo trafico pra transporte não só de drogas como de informações.
    Cada dia mais o trafico tem ganhado nossas crianças e as “politicas educacionais” são inúteis já que nesse tempo todo não deram nenhum retorno positivo.
    Parabéns as forças armadas, unica instituição brasileira que ainda da pra confiar.

    • João de Paiva disse:

      Se você morasse na periferia e nas favelas e seus filhos e filhas fossem submetidos a tais abusos ilegais e criminosos, queria ver se escreveria essas besteiras ou teceria loas a essas operações dos militares despreparados para exercer a função de polícia, mas armados até os dentes e cheios de ódio pelos pobres, muitos deles moradores das mesmas periferias e favelas que aqueles que são alvos da violência estatal. As FFAA são tão confiáveis que integrantes delas mesmas estão envolvidos com o tráfico de drogas e armas. Ou você acha que há geração espontânea de armamento pesado e drogas nas favelas cariocas, fluminenses e brasileiras, em geral? E os helicocas, como aquele apreendido me novembro de 2013, em Afonso Cláudio no ES? A quem pertencia a aeronave? De onde ela proveio e qual era o destino da droga? O que foi feito com a carga valiosa apreendida? E os quase 20kg de cocaína apreendidos num latão de leite, numa fazenda no interior paulista cujo proprietário é o tucano Aloysio nunes Ferreira? Qual o uso regular de aeroportos como o de Cláudio e outros, em cidades do interior, norte, nordeste e noroeste de MG? E o suborno de desembargadores no norte MG, para livrarem traficantes da prisão? O que ocorreu com avião bimotor que partiu de uma fazenda Itamarati Norte, município de Campo Novo do Parecis, MT, cujo proprietário é Blairo Maggi, senador licenciado e ministro da Agricultura do governo quadrilheiro de Michel Temer?

      Se não sabe as respostas, lei, estude mais e pesquise. Se sabe, seja honesto intelectualmente, pois aqui no blog do Marcelo Auler não há lugar para nazifascistóides, reacionários e desinformados.

      • Rachel disse:

        Então que revistem as crianças que te são caras. Pois mesmo nas escolas particulares há drogas, logo que revistem também os teus filhos, se os tiveres, os filhinhos de teus amigos e os netos e por aí. Certo?

        • João de Paiva disse:

          Em qual código legal e constitucional está prevista a revista de crianças? Em qual dos artigos do ECA está escrito isso? Esse diversionismo barato, citando escolas particulares (o que isso tem a ver com a ação violenta do Estado, violando direito das crianças pobres, negras, mestiças, moradoras de favelas e estudantes de escolas públicas sucateadas?), afirmando que nelas entram as drogas, para assim justificar os abusos do Estado contra as crianças, é bem característico de direitistas, de reacionários e nazifascistóides, desprovidos de razão e incapazes de formular argumentação válida.

          Nem mesmo os filhos de pessoas como você, de mente rombuda, podem ser abusados e desrespeitados pelo aparato de força e violência do Estado.

        • C.Poivre disse:

          Aliás, o grande contrabando de cocaína no país é patrocinado pela oligarquia política. Ou alguém se esqueceu do helicoca? Todo o dia tem aviões e helicópteros transportando drogas de contrabando protegidos por políticos tucano$ que também servem para estocá-las em suas fazendas. Portanto a entrada e o transporte da grande quantidade de cocaína que circula pelo Brasil é organizado e patrocinado por bandidos do andar de cima (políticos do P$DB, empresários, etc.); os traficantes são apenas distribuidores, ou seja, é a arraia miúda da rede de drogas espalhada pelo país, blindada pelo nosso “sistema judissial”.

  6. C.Poivre disse:

    E continua, agora com crianças que frequentam escolas:

    https://caviaresquerda.blogspot.com.br/2018/02/vergonha-mundial.html

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