Na quinta-feira (30/11/2017) o Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora – DECLATA, lançará, no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba, o primeiro volume da Enciclopédia do Golpe. Em uma iniciativa do advogado e professor Wilson Ramos Filho, o livro reúne 23 verbetes e um posfácio, escritos por autores diferentes, ao longo de 288 páginas. Analisam o golpe que derrubou o governo eleito para colocar uma corja no seu lugar, mas também avançam sobre algumas das consequências que o golpe gerou.
O lançamento da enciclopédia ocorrerá na abertura do seminário Resistência, no qual o DECLATRA marcará seus 30 anos de existência na defesa dos trabalhadores. A abertura do seminário (19H00) ficará a cargo ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula, Franklin Martins. Marcarão presença na mesa ainda o diretor jurídico da CUT Nacional, Valeir Ertle, a jornalista Maria Inês Nassif e o editor deste Blog.
Na enciclopédia cada verbete é assinado por representantes de diversas áreas do conhecimento mostrando como se deu a participação de instituições no golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, atropelou a nossa democracia e contribui para aprofundar a crise, cortando direitos e impondo prejuízos à sociedade e à nação. “Desnudam o papel de cada um dos atores sociais no Golpe de 2016”, como definem os organizadores. Todos colaboraram graciosamente. Dela constam os artigos:
Pequena Enciclopédia da Miséria Brasileira (Giovanni Alves); Armações Internacionais (Luiz Alberto Moniz Bandeira); Classe Média (Jessé Souza); Delação Premiada (Leonardo Isaac Yarochewsky); Estado De Exceção (Martonio Mont’Alverne Barreto Lima); Igrejas (Fernando Horta); Imprensa Golpista.(Luis Nassif); Judicialização da Política (Maria Luiza Quaresma Tonelli); Junho de 2013 (Diogo Costa); Lava Jato (Afranio Silva Jardim); Lawfare (Lenio Luiz Streck); Magistratura Federal (Thomas Bustamante); Ministério Público (Eugênio Aragão); Ordem dos Advogados do Brasil (Sérgio Batalha Mende); Polícia Federal (Marcelo Auler ); Política do Petróleo (Gilberto Bercovici); Populismo de Direita (Esther Solano Gallego); Projeto Neoliberal (Marta Skinner); Reformas Reestruturantes (Magda Barros Biavaschi); Sistemas Partidários (Maria Inês Nassif); Suicídio da Ordem Jurídica (Luiz Gonzaga Belluzzo); Supremo Tribunal Federal (Beatriz Vargas Ramos); Tribunal de Contas da União (Ricardo Lodi Ribeiro); e Posfácio (Wilson Ramos Filho). Abaixo o Blog adianta trechos iniciais de quatro dos verbetes da Enciclopédia:
“O judiciário (…) não tem nenhuma influência nem sobre a espada e nem sobre a bolsa, nenhum comando sobre a força ou sobre a riqueza da sociedade, e não pode tomar nenhuma resolução ativa, seja ela qual for. Pode ser dito em verdade que não tem Força nem Vontade, apenas juízos”.
(Alexander Hamilton – The Judicial Department, in Federalist Papers nº 78, Hamilton, Madson e Jay)
“Segue um curioso diálogo:
Tão logo saiu a sentença em que o juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão, o senhor disse que era uma sentença “bem preparada” …
– E, acrescento agora, tecnicamente irrepreensível. Pode-se gostar dela, ou não. Aqueles que não gostarem e por ela se sentirem atingidos têm os recursos próprios para se insurgir.
– O senhor gostou?
– Gostei. Isso eu não vou negar.
– Se o senhor fosse da oitava turma, a que vai julgar a apelação do ex-presidente, confirmaria a sentença?
– Isso eu não poderia dizer, porque não li a prova dos autos, mas o juiz Moro fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos (…)
Por incrível que pareça, esse não é um “papo de boteco”, não é uma conversa na pausa para o cafezinho e nem é um pedaço “vazado” na imprensa de uma comunicação telefônica interceptada.
Esse é um trecho de entrevista que o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, concedeu ao jornalista Luiz Maklouf Carvalho, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 6 de agosto deste ano.
Bem poderia ser um excerto de roteiro de novela de televisão. Como a novela, embora guardadas as proporções relativas aos índices de audiência e as diferentes “plateias”, a entrevista jornalística ocupa o mesmo espaço: o público.
O presidente do TRF-4 ocupou o espaço público para marcar uma posição política: “Gostei da sentença. Isso não vou negar”.
Não por acaso, e na mesma entrevista, Thompson Flores Lenz comparou a sentença do juiz federal de primeira instância à célebre decisão de 67 páginas do juiz Márcio José de Moraes que desafiou a ditadura militar ao concluir que Vladimir Herzog havia morrido sob tortura, em dependência do IIº Exército – SP (DOI-CODI).
A versão oficial era a de que Herzog teria cometido suicídio. Na ação proposta por Clarice Herzog e seus filhos, Márcio Moraes reconheceu a obrigação da União de indenizar os “danos materiais e morais” decorrentes da morte do jornalista.
Ao estabelecer linha de identidade entre as duas decisões, disse o presidente do TRF-4:
“Eu comparo a importância dessa sentença para a história do Brasil à sentença que o juiz Márcio Moraes proferiu no caso Herzog, sem nenhuma comparação com o momento político. É uma sentença que vai entrar para a história do Brasil. E não quero fazer nenhuma conotação de apologia. Estou fazendo um exame objetivo”.
Na sequência, Maklouf, do Estadão, perguntou ao entrevistado o porquê da comparação e o desembargador respondeu que a sentença do juiz de Curitiba “(…) não se preocupou com a erudição, como a sentença do juiz Márcio Moraes, lá atrás, também não se preocupou”. E repetiu: “É um exame irrepreensível da prova dos autos”.
Não é tarefa das mais difíceis apontar, a partir de normas e princípios processuais, o erro cometido por Flores Lenz.
É um barbarismo jurídico flagrante. Nenhuma sentença vale por si mesma. Uma sentença somente pode ser considerada tecnicamente boa, uma decisão legítima, forte, se guardar correspondência com o corpus probatório do processo.
E foi exatamente neste ponto que o desembargador derrapou feio: não conhece a prova dos autos, logo, não pode dizer se confirmaria a sentença, mas insistiu, “é um exame irrepreensível da prova dos autos”.
A fala revela, indisfarçadamente, uma posição política. O desembargador toma partido, expressa sua preferência, escolhe um lado. Sua opinião não depende da prova – que não conhece. Está desobrigado de invocar a prova.
A “falta de erudição”, algo completamente dispensável numa sentença, é o (falso) elemento comum que o entrevistado indica entre as duas decisões por ele comparadas.
A infeliz comparação é insustentável sob todos os ângulos e chega a ser perversa se considerada a trajetória política do ex-presidente, mas a mensagem é clara, o desembargador está na defesa do “partido do judiciário” – cujo “programa” é a “reforma moral do País” (na expressão de Luiz Wernneck Vianna, em entrevista no jornal O Estado de S. Paulo, de 20/12/2016).
É nessa chave, e ao custo da abstração completa das diferenças reais entre os dois contextos, condições políticas e sociais completamente distintas, que a sentença contra a ditadura no caso Herzog e a sentença contra o ex-presidente Lula são identificadas pelo entrevistado.
Ele coloca o poder judiciário de hoje, no proscênio do “combate à corrupção”, em pé de igualdade com o poder judiciário de ontem, do período pré-Constituição de 1988. E, claro, aflora a crença do entrevistado nesse “combate”, empunhando a bandeira anticorrupção e identificando, ao mesmo tempo, quem é para ele o mocinho e o bandido.
É certo que o entrevistado não participará da decisão da 8ª turma, aquela que deverá julgar os recursos contra a sentença condenatória. Sentiu-se à vontade para falar em nome próprio, externar uma opinião pessoal.
Como representante institucional do órgão, foi “saliente” – o que exige respaldo político de sua instituição. Atitude “sincera” como essa do presidente do TRF-4 não é a regra entre os juízes, sobretudo entre os que ocupam as cúpulas desse poder da República, porque podem causar estragos naquela imagem de imparcialidade que constitui não somente lastro de legitimação para a atuação do órgão, mas uma exigência de validade da própria (futura) decisão.
O jogo processual pressupõe uma decisão final em aberto que deve ser construída por interferência ativa das partes numa disputa igualitária que busca o convencimento de alguém, inconfundível com as partes, disposto a ser convencido – e, espera-se, depois do exame das provas.
O professor Conrado Hübner Mendes, da USP, em artigo na Folha de S. Paulo, e a propósito da postura do ministro Gilmar Mendes no episódio “solta, prende e solta” do empresário Jacob Barata Filho, coloca a razão de ser da regra processual da suspeição – que compartilha com o princípio da imparcialidade esse caráter de resguardo da própria autoridade judiciária (Por quem Gilmar Mendes se dobra?, Folha de S. Paulo, caderno Opinião, 31/08/2017):
‘Repare na sutileza: a regra não está preocupada com a capacidade de o juiz julgar um amigo ou parente de modo imparcial, mas com a imagem suspeita que isso passa dessa ao público. É regra de autoproteção institucional, de manutenção da credibilidade. É moeda que vive a autoridade do Judiciário. É essa moeda que Gilmar Mendes despreza’.
Manifestações públicas de juízes sobre assuntos com forte ligação ao jogo político têm sido frequentes nos últimos anos. Eu poderia relacionar muitas delas, assim como também poderia identificar outras posturas mais contidas, cautelosas ou sofisticadas. A menção à entrevista do presidente do TRF-4 serve para trazer à discussão o tema do protagonismo do judiciário na cena política brasileira e, em particular, a atuação do Supremo Tribunal Federal.
A entrevista antes comentada seria impensável em 1978, ano da sentença do juiz Márcio de Moraes no caso Herzog. É implausível que o então presidente do tribunal da época fosse a público enaltecer a sentença – considerando ou não a prova dos autos.” (…)
“Em minhas peregrinações pelos acidentados caminhos da internet topei com um relato tão despojado quanto pungente do suicídio de Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade de Santa Catarina. O texto de Renan Antunes está estampado no Diário do Centro do Mundo.
A compaixão da narrativa de Renan não abriga o maniqueísmo do bem contra o mal, mas investiga e escava as profundezas da derrocada do Estado de Direito nos abismos do contubérnio entre os agentes do Estado brasileiro e a mídia monopolista, irresponsável e desrespeitadora dos direitos individuais.
A delegada Erika de Tal encarna perfeitamente o tipo ideal do agente público encantado por seu próprio protagonismo. Em seu entorno flutuam os egos de juízes, procuradores e a felonia de dedos-duros que indigitaram o Reitor com acusações sem provas.
Provas? Provas para quê? Essa velharia jurídica foi substituída pela velhacaria dos prêmios das delações.
Na sequência investigativa e processual, bastam as convicções dos senhores da desordem jurídica e algumas manchetes de jornais, além dos chiados e trejeitos dos apresentadores e repórteres dos noticiosos da TV.
Às urtigas com a presunção de inocência! A justiça dos justiceiros ególatras impõe a presunção de culpa. Goebbels ficaria dilacerado de inveja.
A operação da Polícia Federal para prender sem indício de culpa é o mais recente episódio da novela “A derrocada das instituições”.
De uns tempos para cá, as espetacularizações das operações têm sido turbinadas pela insanidade de usar os órgãos do Estado para celebrar o protagonismo de quem deveria zelar pelo cumprimento da lei.
Não é de hoje que fenece o espírito do respeito à lei e agiganta-se a ferocidade dos que pretendem resolver os conflitos com o exercício puro e simples das próprias razões. Tão grave quanto a impunidade é a punição executada ao arrepio da lei e da decisão jurisdicional independente.
Nada pode ser mais trágico para uma sociedade do que a particularização da prestação da justiça. No Brasil, esta particularização está-se manifestando por meio da penetração insidiosa dos valores do individualismo agressivo nos órgãos encarregados de vigiar e punir.
A contaminação mercadista e midiática tem avançado sem qualquer reação dos que percebem o fenômeno e o abominam, mas que preferem se recolher diante da contundência e da ousadia dos que buscam, a qualquer custo a intimidação dos inimigos, desafetos ou simples adversários políticos.
É urgente impor limites a ação pessoal e atrabiliária de autoridades atraídas pelos frêmitos e cintilações da “sociedade do espetáculo”. Entregam-se com os olhos revirados ao brilhareco de 15 minutos de fama.
As recentes exibições de narcisismo de autoridades na mídia empresarial e nas redes sociais são um exemplo impecável de como os deveres republicanos se dissolvem diante dos esgares incontroláveis da subserviência aos valores do mundo das celebridades, coadjuvada pelo corporativismo mais escancarado. Não vai demorar: os cidadãos ainda vão ficar à mercê de um juiz youtuber.
As relações promíscuas entre as autoridades judiciais e a mídia colocam os cidadãos brasileiros diante da pior das incertezas: a absoluta imprecisão dos limites da legalidade.
As garantias da publicidade do procedimento legal são, na verdade, uma defesa do cidadão acusado – e ainda inocente – contra os arcanos do poder, sobretudo do poder não-eleito.
Pois estas conquistas da modernidade das quais não se pode abrir mão, vem sendo pisoteadas por quem deveria defendê-las. Ocultam da sociedade, em cujo nome dizem agir, a dedicação com que laboram para tecer a corda em que enforcarão as garantias individuais.
É comum e corriqueira entre nós a transformação das prerrogativas funcionais em privilégios individuais e pessoais.
É a velha arrogância oligárquica nutrida por uma certeza: são todos da mesma turma, aquela que manda e desmanda. Há um trânsito contínuo de pessoas, de dinheiro e de influência entre as esferas do poder: o big business, a grande política, a burocracia pública e as corporações do mass-media; e, muito mais que isso, há a formação de uma cultura comum. Isso suscita a perda de legitimidade do poder e estimula o vale-tudo entre as burocracias no interior do Estado, desfigurando a soberania”. (…)
“Pela família”, “Deus” e a “inocência das crianças”; contra os que querem “transformar esse pais numa ditadura de esquerda”, o “comunismo” e a “ladroeira”.
“O desfilar das justificativas dos deputados que, no dia 18 de abril de 2016, votaram pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff; a repetição da triste cena no Senado, 23 dias depois;
o registro, ao vivo, de rostos em sua maioria alheios a qualquer momento importante da vida nacional, exceto naquele em que os parlamentares promoveram uma ruptura institucional pela qual o país pagaria um preço altíssimo;
a visão dos protagonistas do assalto ao poder de Estado, sem que para ascender a ele sequer tivessem que reunir o número necessário de votos para vencer uma disputa presidencial – todos esses elementos desnudaram, pela TV, um sistema partidário em ruínas.
Dele salta diariamente, à luz do dia, o que antes se operava nas sombras, envergonhadamente: o clientelismo e a política de negócios.
Quando o Senado confirmou a decisão da Câmara, em 11 de maio de 2016, jogou a pá de cal no sistema partidário organizado em 1945, nos estertores do Estado Novo, em obediência à lei que obrigava a constituição de partidos nacionais – até então, os partidos estaduais participavam de eleições nacionais.
Aos trancos e barrancos, a lógica desse quadro partidário se manteve até agora. De alguma forma, enquanto serviu à conciliação de classes e interesses, mesmo a pesado custo, inclusive fiscal, teve mobilidade para se reagrupar em momentos de crise e garantiu alguma governabilidade ao presidencialismo, o sistema ainda se manteve.
No período da ditadura militar iniciado em 1964, o quadro político de 1945 foi abrigado nas sublegendas de um sistema bipartidário instituído em 1965 pelo Ato Institucional número 2.
Foi reacomodado, a partir de 1979, num pluripartidarismo que realocou as oligarquias políticas regionais em legendas grandes ou em partidos de ocasião (pequenas agremiações que continuariam a funcionar como sublegendas em caso de divergências entre os oligarcas regionais; ou que operariam simplesmente como partidos de negócios, apresentando como moeda de troca o tempo gratuito de rádio e televisão nas disputas eleitorais; ou ambas as coisas).
Em 1979, o Congresso votou a emenda constitucional promovida pelo último governo militar como uma das etapas para a redemocratização do país extinguiu o MDB e a Arena, vindos do bipartidarismo, e permitiu a reorganização do sistema pluripartidário.
A partir de então, rapidamente o quadro anterior ao golpe se recompôs, embora em partidos com nomes diferentes dos antigos.
O então senador Tancredo Neves articulou o PP com remanescentes das oligarquias que, no passado, se abrigavam no PSD, e com udenistas excluídos do partido governista (o PDS, sucedâneo da Arena do bipartidarismo) em disputas políticas regionais.
O PDS, por sua vez, reuniu a nata do conservadorismo, a exemplo da antiga UDN, e quadros ligados a eles localmente, de perfil mais moderado, que futuramente romperiam com o partido para eleger Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 1985.
O ex-governador Leonel Brizola iniciou uma disputa pela legenda PTB, mas uma manobra articulada pelo governo acabaria colocando o partido nas mãos de uma sobrinha de Getúlio Vargas, Ivete Vargas, simpática aos militares, a legenda que o governo queria como “linha auxiliar”. Brizola levou o trabalhismo do período 1945-1965 para o PDT, sem conseguir que a nova legenda se transformasse num partido de massas, caminho que o PTB trilhava com rapidez antes do presidente João Goulart ser destituído pelo golpe militar de 1964.
Esse papel coube ao PT, única legenda realmente inovadora, que já se organizava a partir das bases sociais e do sindicalismo, abrigava a esquerda vinda da luta armada contra o regime militar, dispensava os políticos tradicionais e questionava a política institucional.
O PMDB, sucedâneo do antigo MDB, o partido de oposição à época do bipartidarismo, manteve-se como a maior legenda. Mais tarde, com a incorporação do PP – inviabilizado por uma emenda aprovada por imposição do governo que impedia coligações e vinculava o voto em todos os níveis –, o grupo de esquerda abrigado na grande frente partidária seria engolido pela entrada dos conservadores tancredistas.
O partido, com o passar do tempo – e principalmente a partir da eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República pelo Colégio Eleitoral criado na ditadura e do governo de seu vice, José Sarney – assumiria a cara e a função do antigo PSD no período democrático entre 1945 e 1964: de centro, governista por vocação, um grande polo de atração das principais oligarquias regionais e, em consequência, uma legenda com uma forte vocação para a fisiologia, o clientelismo e para a venalidade.
O novo quadro partidário de 1979 era, na essência, o velho. O poder oligárquico não moderado, base de apoio dos governos militares, encontrou abrigo na Arena do bipartidarismo e se reacomodou depois da reorganização de 1979/1980 no PDS.
O sistema consolidou-se no decorrer da Assembleia Nacional Constituinte, com o “racha” da esquerda do PMDB que resultou na criação do PSDB. Com o passar do tempo, a falta de espaço à esquerda, espectro ideológico onde o PT era francamente hegemônico e se associava naturalmente ao trabalhismo de Brizola e aos dois partidos comunistas, o PCB (depois autotransformado em PPS) e PCdoB, e a associação com o PFL (o racha do PDS ao centro) “udenizaram” o partido que se auto intitula socialdemocrata.
O discurso assumido pelo PSDB de Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves, principalmente quando, depois de dois mandatos presidenciais, o partido tornou-se oposição em governos petistas, em nada se diferenciaria daquele que, na antiga UDN de Carlos Lacerda, exacerbou ânimos, e incentivou, justificou e apoiou um golpe de Estado em 1964.
O discurso udenista-tucano , a exemplo do orquestrado pela antiga UDN contra Getúlio Vargas e depois contra João Goulart, instigou o golpe parlamentar que deporia Dilma Rousseff”. (…)
“O Movimento Brasil Livre defende uma política neoliberal de estado mínimo. Posicionou-se abertamente a favor da agenda de privatizações do prefeito João Doria na cidade de São Paulo, assim como das reformas trabalhista e da previdência apresentadas pelo governo Temer.
Aqui que emerge a raiz do problema: não existe consenso social no Brasil de aceitação das políticas neoliberais, de ajuste fiscal e de desidratação do Estado.
Segundo pesquisa realizada por Datafolha, 71% dos brasileiros rejeita a reforma da previdência apresentada pelo governo Temer . Também segundo Datafolha, 64% avalia que a reforma trabalhista trará mais benefícios aos empresários do que para os trabalhadores. Da mesma forma, pesquisa de Vox Populi indica que a PEC 241, que prevê o congelamento de gastos públicos durante duas décadas, é rejeitada por 70% dos brasileiros. Finalmente, pesquisa do Instituto Data Popular mostra que 81% dos brasileiros prefere ter acesso a serviços públicos melhores a pagar menos impostos.
Levando isso em consideração, a defensa explícita de políticas neoliberais não parece ser a melhor estratégia para o MBL dilate sua base de apoio.
Se a defesa desta agenda econômica não pode ser o foco da atuação política por ser impopular e impedir o crescimento do grupo, mude-se a estratégia.
Quais são as pautas que podem ajudar ao MBL a estabelecer um diálogo com a população, e expandir sua influência política?
Dois eixos fundamentais estabelecem a base deste novo populismo de direita:
1) antipetismo, que foi o vetor indiscutível de crescimento do grupo durante 2015 e 2016 e
2) guerras culturais, ou seja, a busca por polêmicas morais (sobre tudo questões que envolvem sexualidade, população LGBTQ, educação…) conduzidas desde uma posição de censura ultraconservadora, que tem sido a estratégia de 2017.
Antipetismo e guerras culturais. Note-se que este tipo de populismo se fundamenta na negação do “outro”, seja do PT, seja na forma de acusações de pedofilia, doutrinamento, ideologia de gênero.
Ou seja, não é uma identidade construída afirmativamente, em base a um certo programa político. Na ausência de propostas, é uma identidade que se fortalece no ataque ao adversário numa dinâmica bélica, que fomenta a polêmica histérica, a censura, o aniquilamento do outro como interlocutor.
Não se pretende dialogar, não se procura o entendimento ou o debate. Procura-se alimentar a notoriedade em base à retórica do enfrentamento.
Na verdade, pouco importa o conteúdo do tema, o essencial é que crie controvérsia. Pouco importa a corrupção na luta contra a mesma. Pouco importa a escola no projeto Escola sem Partido. Pouco importa a arte no Queermuseu. Pouco importa o gênero na formulação da “ideologia de gênero”.
O que importa é provocar temas morais para agitar a sociedade e esticar o domínio do grupo. Este populismo, portanto, se nutre e também aprofunda a polarização social brasileira justamente por insistir na confrontação.
Não podemos negar que esta estratégia está dando certo. Legitimou socialmente o impeachment e continua ajudando a aumentar a popularidade do MBL no caminho eleitoral de 2018.
Riscos óbvios derivam da mesma porque a verdadeira intenção deste grupo, que é a implementação da agenda neoliberal, se esconde atrás de uma cortina de fumaça.
A um ano da eleição presidencial, em vez de discutir questões programáticas de importância crucial para o Estado brasileiro, como, por exemplo, as reformas econômicas que o Congresso está votando, a opinião pública brasileira fica capturada pela lógica infantil imposta pelo MBL.
Além disso, o debate público fica refém de uma lógica moralista, que divide o mundo num binômio simplório do bem contra o mal, e ultraconservadora que ameaça as liberdades mais básicas.
E os grupos progressistas? Infelizmente, fixaram-se numa posição reativa da qual não conseguem sair. Quem pauta o debate são os grupos de direita. O campo progressista só reage”. (…)
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[…] lugar. Também avançam sobre algumas das consequências que o golpe gerou, como demonstramos em Enciclopédia do Golpe: o ataque à democracia em 23 verbetes e em Enciclopédia do Golpe: PF e o viés político na Lava […]
Foi a delegada Erica que convocou policiais federais de todo o país, a um custo fabuloso para os cofres públicos, para prender sem intimação prévia um pequeno grupo de professores da UFSC como se fossem enfrentar uma numerosa e perigosa quadrilha de bandidos armados até os dentes. O falecido Reitor nem tinha ainda concluído seu depoimento (para o qual foi levado coercitivamente mesmo não havendo nenhum processo aberto contra ele) e esta delegada já estava dando entrevista à mídia monopolizada e sensacionalista que, aliás, já sabia de antemão de toda a ação espetaculosa (através de quem?) para liquidar a reputação do Reitor da UFSC que não era réu em nenhum processo na justiça. Ou seja, esta delegada comandou toda esta sucessão de ilegalidades e partiu dela o pedido infundado de prisão de um inocente. Isto aqui é notoriamente de domínio público, até o mundo mineral sabe disso, como diria Mino Carta, pelo visto só vc ainda não sabia. Sem falar da série de humilhações impostas a este pequeno grupo de professores inocentes que não respondiam a nenhum processo na justiça. Precisa de mais algum dado?
https://www.youtube.com/watch?v=g6AxTq1h6qw
Seu comentário, exemplarmente, disse tudo o necessário. Talvez, a bem de mais verdade, não se deve esquecer que a destacada operação investigava tão só a corrupção, ou desvio, de cerca de 500 mil reais, como declarado pela delegada da PF, de um total da 80 milhões, montante destinado ao Programa de Educação à Distância desde 2002 /03. E o que a empresa dos Marinho, ao vivo e á plenos pulmões noticiou mais uma vez assustando todo o Brasil? O desvio de 80 milhões de reais pelo reitor da UFSC, para maior sensacionalismo moral, logo no início do dia. A última carta do Reitor Cancellier foi uma exigência de retratação dirigida ao jornal O Globo e publicada no domingo anterior à sua morte, já decretada pela gravidade de tamanhos e tão desmedidos ataques. Sua morte física no dia seguinte e o simples bilhete encontrado mostram a devastação que o poder judiciário e o jornalismo de má-fé podem causar á alma nacional, e como esta verdadeira tragédia consegue ainda, pela força do Reitor Cancellier, nos animar mais ainda a prosseguir na luta contra as desigualdades e pela justiça social.
Pela Lei Cancellier, pelo Referendo Revogatorio, abaixo o golpe.
Como sobejamente sabido, não é característica dos Marinho e seu jornalismo reconhecer e corrigir erros. Nem esperamos por isso. Mas o poder judiciário deve responder por seus atos. Ou se espelhará no juiz decretando apenas a extinção do processo contra o reitor por impunibilidade, como fez com D. Marisa, e não por inocência? A baderna transnacional no direito, não só reflete a crise internacional do sistema, como acentua o caos social. Mas a história sempre pode surpreender e um retrocesso pode servir de impulso para um grande salto. Pela lei Cancellier, pelo Referendo Revogatório, abaixo o golpe.
A Delegada Erika é citada nominalmente pelo articulista Belluzzo, mas a sua análise crítica – “coragem” – não chegou ao ponto de fazer a mesma imputação a todos os demais atores desse processo: auditores da CGU, corregedor da UFSC, Procurador da República, Juiz Federal, e outros.
Por quê?
Ele conhece as provas dos autos?