Julgamento ou Justiçamento?
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Curitiba: vão-se os manifestantes, ficam os rojões
11 de maio de 2017

Marcelo Auler

As pprimeiras caravanas, com militantes do MST do próprio estado do Paraná, chegaram na manhã desta terça-feira e prestaram uma homenagem ao militante Antônio Tavares, assassinado há 17 anos onde hoje há um monumento  desenhado por Oscar Niemeyer, na BR 277. Foto Marcelo Auler

As primeiras caravanas, com militantes do MST do estado do Paraná, chegaram na manhã desta terça-feira e prestaram homenagem ao militante Antônio Tavares, assassinado há 17 anos onde hoje há um monumento desenhado por Oscar Niemeyer, na BR 277. Foto Marcelo Auler

Apesar do Interdito Proibitório imposto pela juíza substituta da 5ª Vara da Fazenda Pública, Diele Denardin Zydek, mantido pelo juiz Francisco Jorge, que como juiz convocado no Tribunal de Justiça do Paraná negou liminar em um Habeas Corpus interposto pela Defensoria Pública, o bom senso funcionou no Paraná.

Depois de entendimentos entre governo do Estado, prefeitura municipal e organizadores do Ato Público da Campanha Nacional em Defesa de um Brasil Justo Para Todos e Para o Lula, as primeiras caravanas começaram a chegar a Curitiba no início da manhã desta terça-feira (09/05) sem risco de maiores confrontos.

Ao final das contas, o Judiciário, a quem cabe teoricamente o papel moderador, ficou com a pecha de intolerante e antidemocrático ao tentar barrar o ir e vir dos cidadãos, bem como manifestações pacíficas que são garantidas pela Constituição. Se prevalecesse a decisão absurda da juíza Diele, milhares de pessoas, incluindo mulheres, jovens e bebes, estariam ao relento ou seriam obrigadas a se abrigarem fora de Curitiba. Com isso, seriam mais de 300 ônibus entrando e saindo da cidade nesses três dias, causando enorme tumulto.

No acordo costurado no gabinete do secretário de segurança do Estado, Wagner Mesquita, com a presença do secretário de segurança do município de Curitiba, Algacir Mikalovski, e de Gilberto Carvalho, ex-secretário da presidência no governo Lula, com a participação ainda do deputado federal Enio Verre (PT-PR), os militantes que chegarem à Curitiba sem local para pousar, acamparão em um terreno pertencente à União, nas proximidades da Rodoferroviária, no centro de Curitiba.

Entre os manifestantes há crianças  de várias idades e jovens, o que não foi pensado pela juíza Diele ao tentar impedir o acesso das caravanas a Curitiba. (Fotos Marcelo Auler)

Entre os manifestantes há crianças de várias idades e jovens, o que não foi pensado pela juíza Diele ao tentar impedir o acesso das caravanas a Curitiba. (Fotos Marcelo Auler)

Durante o depoimento de Lula, na tarde de quarta-feira, as atividades programadas não serão mais na tradicional Boca Maldita da capital paranaense (na Rua das Flores), mas defronte a Universidade Federal do Paraná, na Praça Santos Andrade, no centro da cidade. Já as centenas de ônibus aguardados – só de Teresina (PI) saíram cinco, do ABC paulista cerca de 30 – ficarão no estacionamento do Complexo Poliesportivo Pinheirão.

Nas negociações, como o próprio Carvalho reconhece – o que o fez através de mensagem aos dois – houve boa vontade no diálogo tanto por parte de Mesquita, da segurança estadual, como de Mikalovski. Eles e outros assessores governamentais com o qual o Blog conversou, mas que preferem o anonimato, convenceram o prefeito Rafael Grega do absurdo da decisão da juíza. Posteriormente mantida pelo juiz convocado pelo TJ.

No fundo, a valendo o Interdito Proibitório e impedindo a permanência das caravanas em Curitiba – uma vez que o acesso à cidade não poderia ser proibido – o tumulto seria ainda maior e aí sim, com grandes chances de atos mais violentos. Todos os lados trabalharam no sentido de evitar confrontos. Relembre-se, como falamos na reportagem Lula em Curitiba: monta-se um ringue, que a organização do evento preocupou-se em manter manifestantes afastados do prédio da Justiça Federal, onde Sérgio Moro ouvirá Lula.

Como responsáveis  pela segurança, nosso interesse era a conveniência de definir um local para o estacionamento desses ônibus, de forma a evitar o transtorno que causariam na cidade, e que houvesse um local de pernoite dessa população que vem de fora. Uma questão de organização. Para mim, independia do local que fosse. Isso era uma questão de entendimento entre a Prefeitura e os manifestantes. Nosso interesse era definir esses locais. Nossa participação foi no sentido de defender o interesse público, a manutenção da ordem pública. Por isso trouxe a discussão para dentro da Secretaria de Segurança Pública. Jamais pensamos em impedir manifestações“, explicou o secretário Mesquita.

O Acampamento da Democracia fica em terreno nos fundos da Rodoferroviária de Curitiba. (Foto: Joka Madruga - Brasil de Fato)

O Acampamento da Democracia fica em terreno nos fundos da Rodoferroviária de Curitiba. (Foto: Joka Madruga – Brasil de Fato)

Da parte dos organizadores, muito embora jamais passasse a ideia de desistir das manifestações, até por elas serem consideradas legais, manteve-se a preocupação de buscar consenso com as autoridades e evitar maiores provocações. Advogados de Curitiba até pensaram em ingressar com Agravo junto ao tribunal questionando a suspeição e/ou impedimento da juíza Diele, pelos seus posicionamentos políticos manifestados no Facebook, como relatou Arnaldo César, em Julgamento ou Justiçamento?.

Mas, o Habeas Corpus impetrado pela própria Defensoria Pública do Paraná em nome da coletividade, defendendo o direito de ir e vir e de livre manifestações, fez com que eles recuassem.

Juridicamente, a questão está no Superior Tribunal de Justiça, onde a Defensoria ingressou com outro Habeas Corpus (HC nº 398412 / PR), desta feita contra a decisão do juiz Francisco Jorge. O caso foi distribuído ao ministro Benedito Gonçalves, mas este declinou da competência mandando-o à redistribuição na 1ª Turma. Em nova distribuição, o processo foi para a relatoria do ministro Raul Araújo, da 4ª Turma e até às 17hs desta terça-feira, não tinha qualquer decisão.

De qualquer forma, com o entendimento ocorrido na segunda-feira (08/05), todos os lados agora tentam acalmar os ânimos. Carvalho, que está à frente das negociações ao lado dos petistas do Paraná e de representantes dos movimentos sociais, gravou na noite da própria segunda-feira um vídeo e o espalhou pelas redes sociais. Anunciou o acerto feito, incentivou as caravanas a prosseguirem rumo a Curitiba e deixou claro o espírito pacífico dos atos programados. Leia a íntegra de sua fala e assista ao vídeo:

Queridas companheiras e companheiros, eu sou Gilberto Carvalho e faço parte da coordenação nacional da Campanha Nacional em Defesa de um Brasil Justo Para Todos e Para o Lula.

Estou aqui em Curitiba, estou com muita alegria, porque estou vendo já o ambiente desta cidade se abrir para receber centenas, milhares de companheiras e companheiros, que já saíram, inclusive, de ônibus e estão vindo aqui para Curitiba. Outros tantos que vão chegar, amanhã, dia 9, também na manhã do dia 10.

Não te preocupes, vai ser uma festa linda, uma festa democrática, pacífica. Fizemos o acordo com as autoridades, vamos ter o palco na Praça Santos Andrade, vamos ter lugar para recebê-los todos em um acampamento e o clima, eu quero passar para vocês, é um clima de paz.

Ao contrário do que estão dizendo por aí, nós viemos com as mãos estendidas para o povo curitibano. O povo curitibano sabe que vai receber aqui, não baderneiros, e sim lutadores dos seus direitos.

Curitiba fez uma das melhores greves gerais do Brasil, agora, no dia 28.

Curitiba não é propriedade dos coxinhas. A grande maioria do povo curitibano, é um povo da luta, um povo como nós, que vai nos acolher. A quem também queremos saldar, com muito carinho e fazer uma grande confraternização.

Então, venha sem medo.Não é verdade que vai ter baderna.

Curitiba está recebendo lutadores, que lutam pelos pobres, pelos excluídos. Gente da paz. Nós não entraremos em provocação.

Vai ser um clima de festa e de imensa solidariedade ao nosso companheiro Lula. Que corajosamente vai demonstrar para o Moro que não se pode condenar quem não praticou crime. Não se pode condenar a partir de opinião ou de convicções, e sim a partir de provas.

Vocês não imaginam como ele está sereno. O bicho velho está a mil por hora, vai ter um desempenho brilhante, se Deus quiser. Com isso, nós vamos reconstruindo a nossa esperança, reconstruindo a nossa certeza que esse Brasil voltará a ser o Brasil dos nossos sonhos. Bem vindos a Curitiba!”.

Mensagem de Gilberto Carvalho:

Com isso tudo, quem se saiu mal em toda esta história foi o Poder Judiciário. Não só a juíza Diele, mas principalmente ela, que extrapolou na sua decisão. Como as próprias autoridades de Curitiba admitem entre quatro paredes, bastava garantir o cerco ao prédio da Justiça Federal, no bairro do Ahú. Aliás, como foi o pedido inicial protocolado pelos procuradores da Prefeitura. O que, ainda assim, muitos consideram algo exagerado.

Ela, porém, acabou por impedir acampamentos e armações de estruturas (entenda-se, palcos) em áreas públicas em nome do direito de ir e vir da população. Atropelou outro direito, também coletivo e não individual como expôs, da realização de manifestações e atos que, pela constituição, independem de autorização, mas apenas de comunicação prévia.

O acordo entre governantes e organizadores da Campanha Nacional em Defesa de um Brasil Justo Para Todos e Para o Lula de montar o acampamento no terreno da União, respeitou a ordem judicial que impede acampamento em locais públicos, isso é ruas e ou praças e parques. Trata-se, para todos os efeitos, de um bem, privado, ainda que sua posse seja da União.

Mas a manifestação pública acaba por esbarrar no que ela decidiu até porque sua decisão é ambígua. Ao mesmo tempo em que determina a proibição de “montagens de estruturas (sem especificar do que se trata, mas certamente referindo-se a palco) e acampamentos, nas ruas e praças da cidade” em outro trecho ela  recomenda:

é salutar que o requerente (prefeitura), juntamente com os movimentos indicados na peça inaugural, negocie soluções a fim de garantir o direito de manifestação, com a limitações ora deferidas“.

Fica a dúvida de como fazer uma manifestação pública para cerca de 50 mil pessoas – número de participantes que a decisão incorpora – sem que haja um palco?

Trata-se de aparente contradição, recomendar o entendimento e proibir a montagem de estruturas. O fato é que o palco está sendo armado defronte da Universidade Federal do Paraná, atendendo à recomendação de busca do entendimento, mas talvez desrespeitando a outra proibição.

Há ainda outro detalhe que no mundo jurídico tem importância. A decisão judicial é destinada ao “MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST), DEMAIS MOVIMENTOS e indivíduos que se encontrarem nos locais indicados na inicial”. (sic)

Algo surreal. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não é uma entidade juridicamente constituída. Não passa, como diz o nome, de um Movimento. Logo, se não existe como pessoa jurídica, não tem como ser citado. O que poderia/deveria ter sido feito é a citação de seus líderes, como pessoas físicas. Mas não o foi.

Da mesma forma fica difícil entender quem seriam os “demais movimentos e indivíduos que se encontrarem nos locais indicados na inicial”.

Quais dos movimentos devem ser citados? Por que razões? Seriam “movimentos” ou entidades? E quais indivíduos estão incluídos na decisão para serem também citados da decisão judicial sem o que, ela não tem como ser respeitada?

Seriam todos aqueles que passarem pelas ruas da capital paranaense? Alguns? Escolhidos por quais critérios? Terem votado em partidos da esquerda? No PT? Sendo o voto secreto, fica impossível saber quem é quem. Restaria indiciar, por exemplo, quem use broche, estrela, adesivo com referência a este partido. Ou, quem sabe, estiver trajando vermelho?

Mas, não é tudo. Como o Interdito é para todos, sem especificações, também atingiria manifestantes da direita. Como defini-lo? Onde localizá-los? A quem citar?

Como destacou a Defensoria Pública no Habeas Corpus impetrado no Tribunal de Justiça, a proibição da montagem de estrutura, sem que fosse definido do que se trata, de tal forma é ampla que, pode-se interpretar que abrange também os comerciantes ambulantes que mantém barracas na cidade. Sem falar nos feirantes, que montam tendas, que não deixam de ser uma estruturas.

Não bastassem essas questões para que a decisão da juíza fosse questionada, surgem as do seu envolvimento político, ainda que possa não ter sido partidário. Neles, fica patente, pelas postagens que fez, seu ódio e oposição ao PT e a Lula. Isso não seria motivo dela se dar por impedida em apreciar a questão? Muitos acreditam que sim, incluindo desembargadores.

Nas reproduções que fez na sua página do Facebook, Diele usou uma postagem da juíza aposentada Denise Frossard. Talvez ambas nem se conheçam ou, no máximo, se conheceram superficialmente. Do contrário, a magistrada do Paraná saberia das posições que Frossard – atualmente em viagem à Europa e alheia a toda esta discussão – sempre defendeu, como sabem amigos próximos.

Jamais, no exercício da função, ela fez qualquer pronunciamento político, fosse partidário ou não, como a sua, digamos, “suposta admiradora” fez. Além disso, em várias ocasiões, entre amigos e colegas, Frossard sempre manifestou repúdio aos seus pares que se manifestassem sobre casos em andamento.

Foi o que Diele fez, por exemplo, ao comentar a nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de ministro, na postagem abaixo, na qual admitiu até a prisão do ex-presidente.

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No momento em que comentou um caso em andamento, do qual não tinha nenhuma participação, a magistrada paranaense deveria, como “juíza de si mesmo”, usando uma expressão que este Blog já ouviu da própria Frossard, para dar-se por suspeita caso lhe chegasse algum processo de alguma forma relacionado ao caso que comentou/criticou.  Não o fez, daí estar sendo criticada.

À juíza Diele resta alegar que, hoje em dia, nos tribunais superiores, isso também vem ocorrendo. Magistrados diversos – dos quais o exemplo maior é o ministro Gilmar Mendes, do STF, palpitam sobre tudo, em todos os lugares. Notadamente na imprensa. É uma alegação à qual a juíza Diele pode apelar. Mas jamais servirá como explicação da sua imprudência em decidir em um processo envolvendo situações sobre a qual já se manifestara em público. Indevidamente.

AOS LEITORES: Como é do conhecimento de todos, o Blog se sustenta com a ajuda de leitores. Em recente campanha, foram feitas doações para a viagem do blogueiro a Curitiba. Esta semana ele retorna à capital paranaense. Desde já agradecemos a quem puder colaborar com as despesas de mais esta viagem. Doações podem ser feitas, em qualquer valor, para M. Auler Comunicações e Eventos Ltda., CNPJ 05.217.326/0001-99, Banco do Brasil, Agência 3010-4 C/C 19.025-X. Atenciosamente. Marcelo Auler.

5 Comentários

  1. […] cidade. Na época, registramos os fatos em postagens como Lula em Curitiba: monta-se um ringue; Lula em Curitiba: apesar da juíza, venceu o bom senso! e Curitiba: vão-se os manifestantes, ficam os […]

  2. Maria Meneses disse:

    Artigo bem fundamentado, sério e preciso, nos dois sentidos : da necessidade e da exatidão. Parabéns e um abraço de sua admiradora.

  3. Márcio Martins disse:

    Até quando dependeremos apenas de bom senso e não do cumprimento estrito das normas legais vigentes neste país? Só depois de uma guerra civil seremos civilizados? Isto é coisa de bananalândia, infelizmente! Então, depois do golpe, só fazem caca…

  4. Petrus Castro disse:

    não é julgamento ou justiçamento, na verdade é filhodaputamento.

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