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Marcelo Auler

Marcadas para esse domingo (01/10) a eleição para escolha de 30,5 mil conselheiros tutelares em todos os municípios brasileiros já se encontrava sob suspeita antes mesmo da abertura das urnas eletrônicas, previstas para funcionarem entre 08h00 e 17h00. Graças a um acordo feito entre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela primeira vez esse pleito contará em todas as seções com o voto eletrônico.

Apesar de nas últimas semanas ter crescido a mobilização de setores progressistas e democratas pelas redes sociais para atrair mais eleitores às urnas, a escolha dos novos membros dos mais de 6.100 Conselhos Tutelares ainda sofrerá influência do chamado “poder religioso”, isto é, das igrejas fundamentalistas.

O mesmo que há quatro anos fez com que mais de 50% dos conselheiros eleitos em diversos pontos do país apresentassem perfil religioso. Em São Paulo, nada menos do que 53% dos conselheiros tutelares eleitos em outubro de 2019 (primeiro ano do governo Bolsonaro) eram ligados a denominações neopentecostais, segundo dados do próprio Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da capital paulistana. No Rio não houve estatística oficial, mas levantamento feito por conselheiros eleitos a pedido do jornal El País indicou um percentual ainda maior: 65% dos eleitos estavam ligados às igrejas fundamentalistas.

Campanha nas igrejas

No Instagram, Tarcísio Motta denunciou o deputado Gustavo Gayer fazendo campanha em igrejas (Foto: reprodução)

Nesse domingo, a mobilização de setores progressistas pode minorar o problema, mas a influência deve se repetir. Em setembro a Igreja Universal do Reino de Deus já mobilizava seus fiéis nos cultos e por meio do jornal distribuído gratuitamente (veja foto).

Prática que se repetiu em igrejas evangélicas de outras denominações como denunciou ao Ministério Público de Goiás, nesse sábado (30/09), véspera do pleito, o deputado federal Tarcisio Motta (PSOL-RJ), tal como postou no Instagram.

Ele mostrou o deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO) em campanha no culto religioso, algo ilegal:

Apresentamos uma denúncia no Ministério Público de Goiás pedindo a impugnação de candidatos a conselheiros tutelares que foram a um culto religioso fazer suas campanhas, junto ao deputado federal Gustavo Gayer. É ilegal e imoral fazer uso abusivo da fé para conquistar votos, conduta vedada como abuso de poder religioso por resoluções do Conselho da Criança e do Adolescente e também pela Lei das Eleições”.

É algo que está longe de ser fato isolado. Nos comentários da postagem do parlamentar, “pedrosouza”, um dos seguidores registrou: “Aqui na Zona Oeste do Rio tá pior, estão cercando as pessoas na frente das igrejas e clínicas da família”.

O risco da interferência por abuso do poder religioso foi exposto por ofício encaminhado à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro (PRDC-RJ) pelos advogados Carlos Nicodemos e Maria Fernanda Fernandes Cunha. Em nome do Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, representado por sua organização afiliada, a Associação de Ex-Conselheiros e Conselheiros da Infância – AECCI, eles recorreram ao Ministério Público Federal (MPF) justamente por o problema se espalhar por todo o território nacional.

Em busca de pautas conservadoras

A Igreja Universal mobilizou em seus templos e no seu jornal

Advertiram que “pesquisas e matérias jornalísticas recentes abordam a estratégia político-religiosa de grandes entidades religiosas – como a Igreja Universal – em influenciar os seus seguidores a participarem das eleições do conselho tutelar e de votarem em determinados candidatos que irão propagar os seus ideais religiosos em sua atuação como conselheiro tutelar”.

Advertiram ainda que esse envolvimento possa ser compreendido como forma dessas igrejas manterem o poder dominador sobre grupos de conselheiros, em busca de pautas conservadoras que envolvam as crianças e adolescentes. Citam o que ocorreu em 2019, quando uma pesquisa feita pelo Face book identificou a candidatura de dezenas de pastores evangélicos em todo o país (veja ilustração).

No documento, solicitaram urgência na apreciação da Representação, reforçando a necessidade de ser “expedida imediata recomendação para que o CONANDA e o TSE apliquem (durante o pleito) mecanismo de controle de forma a colherem provas que possam apontar eventual comprometimento da livre escolha da sociedade”.

A Representação, por ordem do procurador da República Júlio José Araújo Júnior, responsável pela PRDC-RJ, foi protocolada como “Notícia de Fato”. Isso permite prever a instauração de um inquérito civil para investigar possíveis pressões religiosas sobre os eleitores. Em se tratando de Ministério Publico Federal, a investigação não se resumirá apenas ao Rio de Janeiro.

“A partir daí, vamos trabalhar para ver com que DNA institucional ficarão os Conselhos Tutelares”, promete Nicodemos. Ele deixa claro, portanto, que correrão atrás de provas que confirmem o abuso do poder religioso dessas igrejas pentecostais para, em seguida, contestarem as possíveis eleições de seus fiéis.

Pouco caso do CONDANA

Na campanha de 2019 muitos os pastores se candidataram a conselheiros (Foto: reprodução)

O procurador, ainda na sexta-feira, oficiou a Cláudio Augusto Vieira da Silva, Secretário Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Como tal, ele presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, órgão ao qual estão subordinados dos Conselhos Tutelares em todo o país.

Júlio José pediu, no prazo de 24 horas, uma resposta com as providências adotadas já com vista às eleições desse domingo. O ofício, porém, não sensibilizou o secretário Vieira da Silva que sequer se preocupou em respondê-lo pessoalmente. Delegou a tarefa a Laurenice Alves de Castro, Secretario Executivo do CONANDA. Uma resposta que soou ao procurador como meramente protocolar, sem citar qualquer providência.

Castro praticamente exime o CONANDA de responsabilidades. Alegou que as eleições são coordenadas pelos Conselhos Municipais. De forma jocosa, tentou jogar no colo do procurador uma tarefa que legalmente não lhe cabe: fiscalizar o pleito. Não bastasse, cobrou que ele saísse de seu gabinete para percorrer locais de votações, ao sugerir:

“Ressaltamos que o Ministério Público, órgão incumbido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente da fiscalização do processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar (art. 139, caput, ECA), também deve se fazer presente no dia da votação, exigindo de seus membros uma conduta ativa, e não apenas aguardar, em gabinete, eventual acionamento pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, observadas a realidade local e a independência funcional de cada membro”.

Faltou mobilização

Foi uma vã tentativa de repassar responsabilidades. Na realidade, como define o ECA, a fiscalização do processo eleitoral conduzido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente é do Ministério Público Estadual. Como procurador da República, Araújo Júnior pertence ao Ministério Público Federal.

Na realidade, a menos de 48 horas do inicio da eleição pouca coisa poderia ser feita pelo CONANDA ou mesmo pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, comandado por Silvio Almeida.

Mas isso não os exime de responsabilidade nesse pleito. Ainda que o ministro tenha, através de redes sociais, feito alguns vídeos conclamando a população a exercer esse seu dever/direito cívico, não houve nenhuma grande campanha do governo Lula para uma maior participação popular. Algo que poderia iniciar uma efetiva mobilização cívica, a se estender na defesa de outras bandeiras populares.

Não foi só o governo que falhou. Com exceção de algumas poucas organizações sociais envolvidas na defesa dos direitos das crianças e adolescentes, na sua maioria, a sociedade civil – incluindo sindicatos e associações profissionais – tem passado ao largo da eleição dos Conselhos Tutelares.

Da mesma forma que a chamada mídia tradicional, que praticamente nada fez para atrair o interesse do público pela votação desse domingo. O esforço por uma maior participação ocorreu via redes sociais e algumas poucas mídias chamadas alternativas, como o Brasil 247 que promoveu diversos debates sobre o tema.

Uma maior mobilização ajudaria também na fiscalização da tradicional interferência religiosa nesse processo eleitoral. Algo que ainda pode ocorrer. Afinal, a partir da Representação dos advogados Nicodemos e Maria Fernanda, certamente a escolha dos conselheiros tutelares que assumirão seus postos no dia 10 de janeiro não se encerrará quando fecharem as urnas eletrônicas no final da tarde desse domingo.

Como prometeu Nicodemos, de acordo com o DNA dos novos conselhos, muitos debates e até impugnações poderão acontecer. Ou seja, antes mesmo de iniciada, essa eleição já estava sob suspeita.

 

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