Marcelo Auler
A esta hora (20h30), o plenário da Câmara já está em plena votação das propostas de reforma política. Na verdade, os deputados tendem a votar aquilo que o presidente da Câmara deseja aprovar, para, no fundo, deixar tudo como está. Já não passaram o voto em lista (sobre o qual ainda tenho grandes dúvidas) e o chamado voto distrital misto. A tendência, caso prevaleça o que Cunha deseja, é aprovarem o voto do Distritão. Esse eu sei que é lastimável.
Vamos continuar ainda com campanhas financiadas por empresas privadas, apesar da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal já ter se pronunciado pela inconstitucionalidade deste financiamento. Mas, se na Câmara hoje temos um Eduardo Cunha para impor sua vontade, com votos de cabresto de diversos deputados, no STF, há o ministro Gilmar Mendes que já se pronunciou contra a proibição do financiamento privado. Embora ele seja minoria, está impondo sua vontade com uma manobra regimental: pediu vistas do processo e sentou em cima do mesmo a mais de ano.
E assim vamos vivendo nossa democracia à brasileira, como votos de cabresto de um lado da Praça dos Três Poderes e imposições de vontade à direita da mesma Praça, tudo para fazer prevalecer uma posição que certamente não é compartilhada pela maioria daqueles que deveriam ser atendidos: suas excelências os eleitores. Mas, estes só são lembrados quando chegam as eleições.
Quando o são, pois muitos políticos, com a força do dinheiro privado, conseguem votos sem precisarem atender à vontade dos eleitores. Para tal, sustentam-se com as fabulosas, contribuições de empresas que bancam campanhas e depois apresentam a conta ou em propostas de projetos políticos que lhes atendam seus interesses por mais lucros, ou com manobras para participarem de obras públicas. Sempre visando mais lucro para repor o que gastaram na campanha. Não há almoço grátis, já disse um dia Mario Henrique Simonsen.
Portanto, não se espere muito desta chamada reforma política, que nada reformará. Ou melhor, o que reformar tem apenas o interesse de piorar o que já existe. Neste sentido, muito bom o artigo do meu amigo Ricardo Kotscho, publicado hoje cedo no Balaio do Kotscho (http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/) e que somente agora à noite tenho chance de compartilhar. O artigo dele esclarece bem o que estão armando para nós (ou contra nós?) nesta noite, em Brasília. Podemos dormir tranquilos? Eis o que pensa Kotscho:
Ricardo Kotscho
“Pior do que está não fica” era o slogan da primeira campanha do palhaço Tiririca a deputado federal, em 2010. Não só fica pior, como estamos vendo a cada dia, mas agora também corremos o risco de ter um parlamento cheio de Tiriricas, se for aprovada a “Reforma Cunha”, que entra em discussão e votação nesta terça-feira na Câmara.
Insatisfeito com os resultados da Comissão Especial, que ele mesmo montou há três meses, para apresentar um projeto de reforma política, o presidente Eduardo Cunha, também conhecido como D. Eduardo I e Único, o imperador autoproclamado, nem esperou pelo relatório. Mandou jogar tudo fora, cancelou a sessão e resolveu levar a discussão diretamente para o plenário.
Com bancadas temáticas suprapartidárias sob o seu comando, que na prática já estão acabando com os partidos, Cunha controla perto de 300 votos, e precisa de apenas mais oito (60% do total de 513) para aprovar o que quiser.
Muitas propostas vão entrar em discussão, mas para o imperador do PMDB duas são prioritárias:
* Criar o “Distritão”, sistema eleitoral pelo qual se elege apenas o deputado mais votado nas regiões em que serão retalhados os Estados e acaba com os votos na legenda. Partidos à parte, basta escolher um Tiririca bom de voto em cada distrito e despejar nele todos os recursos financeiros disponíveis. Programas partidários, compromissos ideológicos e os votos nos outros candidatos são simplesmente jogados no lixo.
* Manter o financiamento empresarial de campanhas, que permitiu a Cunha não só se eleger com folga, como também ajudar outros candidatos que hoje formam sua bancada particular suprapartidária. É a questão central da reforma política, pois mantém o mesmo sistema atual, que permite ao poder econômico formar suas bancadas temáticas, e está na raiz de todos os esquemas de corrupção vigentes no país. Já proibido por ampla maioria no STF, o financiamento privado só continua em vigor porque o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e não devolveu o processo, à espera da reforma de Cunha, que pode aprovar a inclusão das doações privadas na Constituição.
A “Reforma Cunha” faz parte das suas “promessas de campanha” para se eleger presidente da Câmara, que incluem a construção de um novo anexo orçado em R$ 1 bilhão, com direito a shopping e tudo para o melhor conforto das excelências. O único objetivo desta turma é preservar seus interesses e, se possível, facilitar suas reeleições futuras, em parceria com o poder da grana. É o baixo clero no poder que, na hora de votar, só se faz uma pergunta: o que é melhor para mim?
Fora do baixo clero (ainda existe o alto clero?), agora liderado por Cunha, sobraram muito poucos. Uma das raras exceções é o deputado fluminense Chico Alencar, do pequeno PSOL, que fez parte da Comissão Especial, e assim resumiu a ópera bufa:
“O que se pretende, na verdade, é fazer uma contrarreforma que assegure a constitucionalização do financiamento empresarial dos partidos”.
Ou seja, na melhor das hipóteses, vai continuar tudo como está, à espera do próximo escândalo de corrupção. O país clama, há décadas, por uma profunda reforma política-partidária-eleitoral, mas desse congresso nada se pode esperar de bom. O que for aprovado lá é para melhorar a vida dos próprios parlamentares, não do povo que os elegeu. O abismo entre representados e representantes só aumenta.
Por isso mesmo, a direção da Câmara dos Deputados ignorou solenemente as milhões de assinaturas das propostas populares em defesa de uma reforma política democrática que foram apresentadas, desde o ano passado, pelas principais entidades da sociedade civil organizada.
E assim vamos que vamos.