Ministro faz “ouvidos moucos” para PF na UFSC
28 de julho de 2018
Eleições 2018, terreno fértil para os “piratas da informação”
8 de agosto de 2018

Marcelo Auler

Ciro Gomes e as contradições sobre Lula na Globonews (Foto: reprodução da TV)

Muito mais pelo desempenho do entrevistado do que pela performance dos entrevistadores, Ciro Gomes, presidenciável do PDT, saiu-se bem na entrevista concedida no início desta semana à Globonews. Não é de se estranhar, afinal tem traquejo político e muito tempo de estrada. Logo, conseguiu contornar as tentativas de emparedá-lo com possíveis contradições na sua trajetória política.

Deve agradecer, porém, aos entrevistadores pelo fato de não terem explorado suas contradições ali mesmo, durante a entrevista. Em especial com relação à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT que reconhecidamente poderá lhe retirar do segundo turno das próximas eleições.

Embora ausente e preso há quatro meses na Polícia Federal do Paraná, o ex-presidente, que continua liderando as pesquisas eleitorais como demonstrou na quinta-feira (02/08) o Tijolaço – Ibope/CNI é o mesmo há quase 2 meses, mas Lula fica sem gráfico… – foi o assunto preferido ao longo de todo o programa e levou o candidato pedetista à contradição.

Ciro, ao mesmo tempo em que classificou como “injusta a sentença que condenou o Lula” e o considerou um “preso político”, reclamou do comportamento do PT de manter a candidatura do ex-presidente, no gesto que chamou de “hostil à sorte do povo brasileiro”.

Ciro Gomes: “Lula é um preso político”. (Foto: reprodução da TV)

Mais grave, no seu entendimento como “professor de Direito Constitucional”, título que reprisou diversas vezes, embora tenha defendido a mudança da Constituição para eliminar os quatro graus de jurisdição nos julgamentos de crimes comuns, foi bastante claro que com o atual texto deve prevalecer a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença no último grau. Decorrida uma hora e oito minutos da entrevista ele afirmou:

“(…) por ordem constitucional, o cidadão deve ser, pela presunção de inocência, considerado inocente até que o Estado lhe prove a culpa em contrário, com trânsito em julgado. Está escrito na Constituição. E, de repente, eu atribuo uma condição irreparável de subtrair direito político e a franquia e a liberdade no meio da hierarquia judiciária. Isso é uma maluquice brasileira”.

Logo, na medida em que reconhece que a Constituição não admite “subtrair direito político e a franquia e a liberdade” antes do trânsito em julgado da sentença, que atualmente se dá no quarto grau de jurisdição, Ciro deveria sim frisar que, vítima de uma prisão injusta, Lula tem todo o direito de se candidatar.

Preferiu, porém, ir pelo chamado “senso em comum”, da proibição da candidatura petista por conta da Lei da Ficha Limpa:

“O senso médio no Brasil é de que o Lula não será candidato. Esse é o senso médio, todos os jornalistas bem informados, todos os políticos, os profissionais de Direito, entre os quais eu me incluo, sabemos que a Lei da Ficha Limpa não permite a um condenado em segundo instância ser candidato”, explicou.

Ao se apegar à Lei da Ficha Limpa, além de lembrar que havia alertado, não explicando como e o que alertou, ironizou o fato de o governo petista ter ajudado a cria a lei que hoje transformou Lula em “preso político”:

“(…) agora veja a situação em que estamos chegando. Relator (do projeto de Lei) José Eduardo Cardozo e quem sancionou a Lei que hoje o faz inelegível? Lula. E hoje é preso político. É assim que o Brasil está”.

Torna-se evidente, portanto, que se ele considera que a Constituição não permite subtrair direitos e liberdade antes do trânsito em julgado; que a sentença que condenou Lula é injusta o que significa que a prisão em si também o é; que a antecipação da pena fere o que prevê a Constituição; e que Lula, como definiu – sem que seus entrevistadores pedissem maiores explicações, por não interessar aos mesmos aprofundar a questão – hoje é um “preso político”; ele, democraticamente deveria defender a candidatura do ex-presidente para que o povo faça sua escolha.

Deixar de lado o “senso em comum” e defender os princípios constitucionais que ele mesmo ressaltou, ainda que em detrimento às suas chances de chegar ao segundo turno. Como têm feito Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL).

O presidenciável pedetista, no entanto, contraditoriamente, diz que essa candidatura é levar o Brasil “a uma valsa na beira do precipício”.

Abaixo alguns trechos do que falou Ciro Gomes sobre Lula na entrevista à Globonews, cuja íntegra pode ser vista aqui.

(08:04) “Hoje, o PT tomou a seguinte decisão: vamos com o Lula candidato. O senso médio no Brasil é de que o Lula não será candidato. Esse é o senso médio, todos os jornalistas bem informados, todos os políticos, os profissionais de Direito, entre os quais eu me incluo, sabemos que a Lei da Ficha Limpa não permite a um condenado em segundo instância ser candidato.

Portanto, o PT está ensaiando uma valsa na beira do abismo, em um país que está em uma situação como nós estamos: 13,5 milhões de desempregados; 32 milhões de brasileiros empurrados para a informalidade, vivendo de bico, correndo do rapa nas cidades por aí afora; 62.500 homicídios nos últimos 12 meses que pudemos apurar e só uma minoria ínfima disso é apurado. Um verdadeiro caos a vida brasileira.

E o nosso povo olha para a política e só tem a notícia infame, repetida, da roubalheira. Francamente, se o Lula se considera inocente, o Palocci é réu confesso. Então. veja, se o Lula não é candidato como o senso comum acha, é arriscado ou não é arriscado chamar o país para dançar à beira do abismo?

Então veja, eu considero injusta a sentença que condenou o Lula e considero que este comportamento do PT é um comportamento hostil à sorte do povo brasileiro. Extraia-se daí a consequência que se quiser extrair“.

Cumprimento da pena a partir do segundo grau de jurisdição:

(1:07) “Desde que nós corrijamos a estupidez brasileira que está na nossa Constituição de dar quatro graus de jurisdição a crimes comuns. O que não é possível é a aberração que estamos produzindo no Brasil, em que você dá ao paciente quatro graus de jurisdição, a vida inteira, por ordem constitucional, o cidadão deve ser, pela presunção de inocência, considerado inocente até que o Estado lhe prove a culpa em contrário, com trânsito em julgado. Está escrito na Constituição. E, de repente, eu atribuo uma condição irreparável de subtrair direito político e a franquia e a liberdade no meio da hierarquia judiciária. Isso é uma maluquice brasileira. (1:08)

Nenhum país do mundo tem mais de dois graus de jurisdição para crime comum. Portanto, veja, eu sou a favor de que ao segundo grau e de jurisdição encerrou-se o assunto para crime comum. Mas na constitucionalidade brasileira, hoje, nós temos quatro graus de jurisdição e aí ficamos fazendo esses puxadinhos malucos.

A Lei da Ficha Limpa eu avisei. É muito pitoresco. Eu avisei. Meu cacoete de professor, o cara fica “ah, você é contra a lei da ficha limpa?”. Não, nunca fui contra a Lei da Ficha Limpa. Eu me comporto.  Portanto, todo mundo que for preso e condenado na política está fazendo o caminho que eu gostaria que fosse feito porque hoje eu sou processado por denunciar as pessoas que fazem mal feitos…… agora, veja a situação em que estamos chegando.  Relator (foi o) José Eduardo Cardozo e quem sancionou a Lei que hoje o faz inelegível? Lula. E hoje é preso político. É assim que o Brasil está“.

 

 

AOS LEITORES: Em busca de novas informações exclusivas para nossos leitores, o Blog retornou a Curitiba. Como é público, sobrevivemos com a ajuda dos leitores/apoiadores. Torna-se, portanto, imprescindível que nossos leitores nos auxiliem compartilhando estas matérias para atingirmos um maior número de leituras. Da mesma forma, vivemos de colaborações financeiras – em qualquer valor e/ou periodicidade – que nos ajudam a sobreviver e também nos gastos com os processos que nos movem. Gostando da reportagem, compartilhem-na. Podendo, colaborem com o Blog através da conta bancária exposta no quadro ao lado. Mais uma vez agradecemos Aos que já colaboram e àqueles que vierem a colaborar.

7 Comentários

  1. Fernando disse:

    Também não vejo contradição no que Ciro diz Marcelo. Afirmar que a condenação de Lula é injusta não é contraditório com criticar a postura do PT dados of fatos: a condenação em segunda instancia e a Lei da Ficha Limpa.

    Dadas as evidentes injustiças, é compreensível, natural e correta, no meu ver, a postura do PT de defender Lula e sua candidatura. Porém, visto que essa articulação tenebrosa já conseguiu o mais difícil (condenar-lo em duas instancias sem provas), aplicar a Lei da Ficha Limpa não será um problema.

    Na pratica, como disse o Ciro, isso representa um posicionamento bastante arriscado para o futuro do país.

    Ciro escolhe defender a bandeira dos seus projetos para o país do que defender a bandeira de defesa do Lula. Cada qual com suas bandeiras. E me parece que a contradição é mais um desejo seu (e de muitos de nós) de que “ele, democraticamente deveria defender a candidatura do ex-presidente para que o povo faça sua escolha.”.

    Abracos!

  2. C.Poivre disse:

    O pitaco de um desqualificado como o eterno candidato do PDT não tem qualquer influência sobre qualquer fato ou especulação política. Trata-se de um homem público inexpressivo.

  3. Gabriel Cattan disse:

    O Ciro não tem poder de decisão, apenas uma opinião assentada no seu conhecimento,opinião essa, por ele muitas vezes proferida. Ele nada pode fazer para tirar Lula da cadeia, muito menos que seja permitida a sua candidatura em função da lei da ficha limpa, embora sinta que ha perseguição política em algum grau. O fato é que na atual situação, Lula não pode ser candidato, mas ainda assim, fez uma manobra para isolar o Ciro, deixando o pais sucetível a direita e a extrema direita. Ele nunca esperou apoio do PT, mas o PT articulou a retirada de apoio de um impotantíssimo aliado. Não vejo nenhuma contradição nessa analise, mas entendo que os tempos curtos de televisão não são suficientes para esgotar temas complexos e dão margens a entendimentos já com vicios de origem.

  4. Ronaldo Vieira Fragos disse:

    o Trânsito em julgado não se dá necessariamente na 4ª instância; pode, inclusive, se dar na 1ª. Basta que se perca o prazo recursal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com