No dia do Pendura, Moro será o Judas
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Encruzilhada perigosa
4 de agosto de 2017

 Marcelo Auler

20562102_1813752515308568_1422794039_Com a bandeira do combate a corrupção – que desperta aplausos incondicionais – a Operação Lava Jato acabou por atropelar leis e a própria Constituição. Mais ainda, criou, como definiu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) o Código Penal de Curitiba, pelo qual se adotaram práticas que atropelaram – e ainda atropelam – o devido processo legal. Em especial o direito de defesa.

Este viés do atropelo do devido processo legal e do “arbítrio por parte de quem deveria guardar a Lei e a Carta Magna” é o eixo central abordado nos 103 artigos assinados por 123 advogados, juristas, mestres e doutores em Direito(*), ao longo das 540 páginas que compõem o livro “Comentários a uma sentença anunciada: O Caso Lula”, a ser lançado dia 11 de agosto, na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Campos de Santana, centro do Rio. A programação ainda está sendo desenhada, mas terá a participação do próprio réu no processo, Lula.

É verdade que o livro faz análise crítica da sentença do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e meio de cadeia, que, como dizem os organizadores da obra, “expõe de forma clara a opção do jul­gador pela radicalização e uso do Direito com fins políticos. Demonstra, sem receio, nítida adoção do processo penal de exceção, próprio dos regimes autoritários”.

Os artigos levam em conta que o processo penal/político do que denominam Caso Lula, “é históri­co e será, ao longo dos próximos anos, objeto de estudos na graduação, pós-graduação, no Brasil e no exterior”. Mais ainda, advertem alguns dos autores que “a fragilidade da técnica jurídica empregada no decisório revela a insegurança, in­certeza e maleabilidade que permeiam os atos praticados nos processos promovidos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Porem, mais do que simplesmente criticar a sentença de 238 laudas de Moro, o livro parte para a análise da mistura quem vem acontecendo entre processo jurídico/processo político e, com isso, o atropelo do Direito Penal Brasileiro.

Geraldo Prado, desembargador aposentado, professor de Processo Penal (Foto: Reprodução Youtube)

Geraldo Prado, desembargador aposentado, professor de Processo Penal (Foto: Reprodução Youtube)

Já na apresentação, Geraldo Prado, ex- promotor de justiça no Rio de Janeiro (1985-1988) e desembargador aposentado (2012), atualmente lecionando Direito Processual Penal na graduação e no Programa de Pós Graduação em Direito (mestrado e doutorado) da  Faculdade Nacional de Direito/UFRJ, diz:

Se os conceitos e noções canônicos do direito penal brasileiro são afastados e, além disso, as garantias do devido processo são vulneradas, recorrendo o juiz a critérios de avaliação da prova e a outras práticas processuais no mínimo altamente discutíveis, o ordinário converte-se em exceção e os sinais de alerta, na defesa do Estado de Direito, imediatamente devem ser acionados“.

Um alerta que fazem por exemplo, Carol Proner e Ney Strozake, da Frente Brasil de Juristas Pela Democracia, na abertura do livro, advertindo que “setores do Judiciário e do Ministério Público, ao justificarem a necessidade do uso de meios e métodos heterodoxos, transitando indiscriminadamente entre direito e política, criam situações processuais inéditas de desrespeito às regras elementares do processo democrático para combater “inimigos corruptos e corruptores”.”

São os dois, no artigo que reproduzimos abaixo, que continuam a alertar:

A corrupção, em todas as esferas, precisa ser firmemente combatida, mas nunca às custas de direitos fundamentais tão duramente conquistados em anos de luta contra a opressão e o arbítrio. E também nunca às custas do desenvolvimento econômico do país, já que, como ocorre na operação símbolo de combate à corrupção no Brasil, a chamada Operação Lava Jato, muitas vezes não se levou em conta as consequências da interrupção ou suspensão de atividades de empresas investigadas, sua imagem e inserção nos setores produtivos do país, tudo isso produzido em juízo de primeiro grau de jurisdição”.

Abaixo reproduzimos a apresentação feita pelos representantes da Frente Brasil de Juristas Pela Democratização:

Frente Brasil de Juristas Pela Democracia em Defesa do Devido Processo Legal

Carol Proner e Ney Strozake

Carol Proner e Ney Strozake (Foto reprodução Blog Cafezinho/Camila Rodrigues - divulgação MST)

Carol Proner e Ney Strozake: “Esperamos que a leitura deste livro sirva de incentivo para a resistência à opressão e ao arbítrio”. (Foto reprodução Blog Cafezinho/Camila Rodrigues – divulgação MST)

A presente obra é fruto do esforço de juristas de grande conhecimento na área de direito penal e processo penal, bem como áreas afins com o propósito de analisar a sentença proferida nos autos da ação penal que tramitou perante a 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba/PR.

O golpe de Estado perpetrado contra a Constituição Federal e a democracia no Brasil em 2016, retirando da Presidência da República Dilma Rousseff, deu inicio a um gigante processo de retrocesso dos direitos econômicos e sociais do povo brasileiro.

A resistência se verifica nas ruas, praças, escolas, teatros, colégios, universidades, sindicatos, assim como nas grandes mobilizações populares organizadas pela Frente Brasil Popular. O descontentamento com o golpe é crescente e impulsiona a tomada de posição das pessoas comprometidas com princípios éticos, almejando o retorno ao Estado Democrático e Social de Direito. Este livro com mais de uma centena de textos é expressão dessa tomada de posição diante do arbítrio por parte de quem deveria guardar a Lei e a Carta Magna.

A sentença prolatada, contendo 238 laudas, expõe de forma clara a opção do jul­gador pela radicalização e uso do Direito com fins políticos. Demonstra, sem receio, nítida adoção do processo penal de exceção, próprio dos regimes autoritários.

A fragilidade da técnica jurídica empregada no decisório revela a insegurança, in­certeza e maleabilidade que permeiam os atos praticados nos processos promovidos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Esse processo penal/político promovido pelo Ministério Público Federal é históri­co e será, ao longo dos próximos anos, objeto de estudos na graduação, pós-graduação, no Brasil e no exterior.

Para além da sentença analisada nos textos a seguir, reconhecendo a complexidade da sociedade brasileira – historicamente oligárquica e desigual no acesso à justiça e sistemicamente corrupta – as conquistas decorrentes do princípio do devido processo legal são ainda mais fundamentais, são irrenunciáveis garantias das quais decorrem o estado de inocência, a imparcialidade do juiz, a motivação das decisões, a proibição da prova ilícita, a isonomia, a publicidade dos atos processuais, a inafastabilidade da jurisdição, a ampla defesa e a assistência jurídica.

A Constituição brasileira e a ampla legislação de amparo infraconstitucional asse­guram o que é consenso universal, disposto no artigo 10º da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, não ha­vendo hipótese que possa justificar um juízo excepcional.

O esforço da sociedade internacional para criar um marco internacional de com­bate à corrupção ocorre há décadas, no sentido de enfrentar um mal que é transna­cional e que acompanha os fluxos econômicos e financeiros do capitalismo neoliberal – marcado pela financeirização, transnacionalização e acumulação sem precedentes da riqueza e do poder em mãos privadas.

Os cânones internacionais são complexos e cuidadosos para que a governabilidade não seja afetada, nem mesmo a sustentabilidade de instituições e processos políticos e econômicos, de modo que o combate à corrupção em cada sociedade, e também no Brasil, exige compreender o Estado e a Administração Pública de modo igualmente sistêmico, não sendo tarefa para um único poder da República.

Setores do Judiciário e do Ministério Público, ao justificarem a necessidade do uso de meios e métodos heterodoxos, transitando indiscriminadamente entre direito e política, criam situações processuais inéditas de desrespeito às regras elementares do processo democrático para combater “inimigos corruptos e corruptores”, e o fazem por meio de inovações processuais como o uso indiscriminado da condução coerci­tiva, da prisão preventiva, da aceitação de provas ilícitas, provas seletivas e indícios como prova, da delação premiada em condições extremas, situações que transformam o processo em um julgamento de exceção, corrompendo as funções acusatórias e do juiz natural, não sendo desarrazoado falar em corrupção do sistema de justiça.

A corrupção é um fenômeno social, político, econômico e, como visto, também ju­rídico que afeta a todos, mina as instituições democráticas, retarda o desenvolvimento econômico e fragiliza a governabilidade.

A corrupção, em todas as esferas, precisa ser firmemente combatida, mas nunca às custas de direitos fundamentais tão duramente conquistados em anos de luta contra a opressão e o arbítrio. E também nunca às custas do desenvolvimento econômico do país, já que, como ocorre na operação símbolo de combate à corrupção no Brasil, a chamada Operação Lava Jato, muitas vezes não se levou em conta as consequências da interrupção ou suspensão de atividades de empresas investigadas, sua imagem e inserção nos setores produtivos do país, tudo isso produzido em juízo de primeiro grau de jurisdição.

O excesso de punitivismo promovido por setores dentro do Sistema de Justiça, pra­ticado livremente e sem a devida correição, sem a leitura consequencial de suas ações para o Brasil como um todo, coloca em risco outras instituições e poderes democrá­ticos, pois que, sendo praticado pelo próprio Judiciário, será inevitavelmente tomado como exemplo de impunidade, de que nada acontecerá com a atuação que suspende a aplicação da lei, excepcionando o Estado de Direito, com consequências gravíssimas, como os recentes casos de massacre no campo, e aumento da violência e repressão aos movimentos sociais e trabalhadores no exercício do direito de greve.

Importa denunciar o papel da mídia televisiva nesse processo penal de exceção. A sentença proferida contra Luiz Inácio Lula da Silva é exemplo claro do esforço levado a cabo por parte da imprensa comprometida com interesses econômicos, aliada à noção do direito penal do inimigo, que se permite relativizar princípios basilares do Direito Constitucional, Direito Penal e do Processo Penal.

A mídia hegemônica, tanto televisiva como escrita, com a pretensão de reforçar e justificar o uso de métodos excepcionais no sistema de Justiça, com o fim de convencer a opinião pública sobre a necessidade de uma “justiça justicialista” contra um “inimi­go comum”, ataca o cerne da democracia.

Para essa mídia concentrada nas mãos de poucas famílias proprietárias, claramen­te compromissada com setores econômicos dentro e fora o Brasil, a corrupção é tra­tada como sendo método adotado por políticos e partidos escolhidos seletivamente, normalmente do campo da esquerda, evidenciando a aliança de setores da mídia com outros políticos visando as eleições e a governabilidade para atender aos interesses privados.

Há que se repudiar o jornalismo praticado por empresas de telecomunicação e jornalismo que, igualmente corrompidas e corruptoras, mentem, enganam, violam o direito à informação e à verdade dos fatos, sendo corresponsáveis pela instabilidade institucional e política do Brasil, coniventes com o aumento do autoritarismo, com os retrocessos sociais e com a violência, não sendo desarrazoado falar em corrupção da mídia no Brasil.

Os debates desencadeados nos diversos espaços sociais, as reflexões a respeito da fratura da democracia brasileira desde o golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff e no contexto de um legislativo antipopular e corrupto, aprovando as medidas sociais das mais severas que o Brasil já experimentou, também oportunizaram a pergunta feita por muitos dos escritores reunidos nesta obra: se vivemos em um Estado Democrático permeado por medidas de exceção ou se, como entendem alguns, já vivemos efetiva­mente em um Estado de exceção.

Para além da resposta, de entender, segundo a melhor doutrina ou filosofia políti­ca, o que a teoria pode aportar à realidade inexorável, acreditamos ser direito e dever de todos os que defendem a democracia denunciar os difíceis percursos do autorita­rismo que, guardadas as distinções em cada tempo histórico, ainda funciona marcado pelas permanências de uma transição democrática malfeita, pactuada e incompleta desde a luta pela anistia até os dias atuais, permanências que também se revelaram presentes no sistema de justiça brasileiro.

E somente superaremos o estranho estado de coisas, a sensação de que vivemos fora do direito ou com a suspensão da ordem jurídica, com a devolução do país aos trilhos da democracia é que poderemos rever o que foi feito com o país em tão pouco tempo, lesando o povo brasileiro até as últimas consequências.

Certamente com o devido tempo histórico, todas as circunstâncias que compõem os autos serão compreendidas com maior clareza, demonstrando os motivos inconfes­sos que animam a operação Lava Jato. A História se encarregará de resgatar os injusti­çados. Aos coveiros da Constituição restará a repulsa e o opróbrio do povo brasileiro.

(*) Quem escreve no livro: Ademar Borges;  Afrânio Silva Jardim; Agostinho Ramalho Marques Neto;  Alberto Sampaio Júnior;  Alexandre Araújo Costa;  Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia; Álvaro de Azevedo Gonzaga;  Antônio Eduardo Ramires Santoro; Antônio Martins; Augusto Jobim do Amaral; Beatriz Vargas Ramos; Carlos Marés; Carmen da Costa Barros; Carol Proner; Cecília Caballero Lois; Celso Antônio Bandeira de Mello; Cezar Britto; Charlotth Back; Claudia Maria Barbosa; Cristiane Brandão; Dalmo de Abreu Dallari; Daniel Gonzaga Miranda;  Décio Franco David;  Diogo Bacha e Silva; Djefferson Amadeus; Douglas Carvalho Ribeiro; Eder Bomfim Rodrigues; Eduardo Khoury; Egas Moniz-Bandeira; Ellen Rodrigues; Eugênio José Guilherme de Aragão; Fabiano Machado da Rosa; Fabiano Silva dos Santos; Fábio da Silva Bozza; Felipe da Silva Freitas; Fernanda Martins; Fernando Hideo I. Lacerda; Francisco Celso Calmon; Gabriela Shizue Soares de Araujo; Giovanni Alves; Gisele Cittadino; Gisele Ricobom; Gladstone Leonel Júnior; Gustavo Ferreira Santos; Isabela de Andrade Pena Miranda Corby; Jacson Zilio; James Walker Jr; João Paulo Allain Teixeira; João Ricardo Wanderley Dornelles; João Victor Esteves Meirelles; Joao Vitor Passuello Smaniotto; Jorge Bheron Rocha; José Carlos Moreira da Silva Filho; José Eduardo Martins Cardozo; José Francisco Siqueira Neto; José Ribas Vieira; Juarez Cirino dos Santos; Juarez Tavares; Juliana Neuenschwander. Laio Correia Morais; Larissa Ramina; ;Lenio Luiz Streck; Leonardo Avritzer; Leonardo Costa de Paula; Leonardo Isaac Yarochewsky; Liana Cirne Lins; Luís Carlos Moro; Luiz Fernando Azevedo; Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira; Marcelo Labanca Corrêa de Araújo; Marcelo Neves; Márcio Augusto Paixão; Marcio Sotelo Felippe; Marcio Tenenbaum; Marco Alexandre de Souza Serra; Marcus Giraldes; Margarida Lacombe Camargo; Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega; Maria Goretti Nagime; María José Fariñas; Martonio Mont’Alverne Barreto Lima; Mauricio Stegemann Dieter;  Michelle Aguiar; Nasser Ahmad Allan; Nelio Machado; Otavio Pinto e Silva; Paulo Petri; Paulo Teixeira; Pedro Estevam Serrano; Pedro Pulzatto Peruzzo; Rafael Fonseca de Melo; Rafael Thomaz Favetti; Ricardo Franco Pinto; Ricardo Lodi Ribeiro; Ricardo Nunes de Mendonça; Roberta Barbosa Miranda; Roberto de Figueiredo Caldas; Roberto Tardelli; Rogerio Borba; Rômulo de Andrade Moreira; Rômulo Luis Veloso de Carvalho; Rosa Cardoso da Cunha; Ruben Rockenbach Manente; Salah H. Khaled Jr.; Sérgio Batalha; Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho; Sérgio Luiz Pinheiro Sant’Anna; Sergio Servulo; Tania Oliveira; Tarso Cabral Violin; Tarso Genro; Tatyana Scheila Friedrich; Tiago Resende Botelho; Valeir Ertle; Vanessa Chiari Gonçalves; Victor Cezar Rodrigues da Silva Costa; Vitor Marques; Wadih Damous; Wanderley Guilherme dos Santos. Weida Zancaner; Wilson Ramos Filho; Yuri Carajelescov; Yuri Felix.

 

Aos leitores e seguidores do Blog: a reportagem acima foi feita durante a estada do editor do Blog em Curitiba. Estas viagens são sustentadas pelo próprio Blog que, como todos sabem, sobrevive com a contribuição dos leitores. Registramos, mais uma vez, nossos agradecimentos aos que colaboram com a manutenção desta página, e ainda à advogada Ivete Caribe Rocha, da Comissão Estadual da Verdade do Paraná, e a seus filhos e noras que nos acolheram em Curitiba.

7 Comentários

  1. Júlio Oliveira disse:

    Como faço para adquirir o livro??

  2. Arainat disse:

    Qual a forma de adquirir o livro?

  3. João de Paiva disse:

    Com esses mestres como autores dos artigos que compõem o livro fico ainda mais ansioso por lê-lo.
    É preciso que mais e mais juristas tomem atitudes desse tipo.

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