Justiça chancela: Bolsonaro, “o fascista”
26 de outubro de 2018
Juizite
1 de novembro de 2018

Marcelo Auler

Jovem de 19 anos agredida em Rio Vermelho, Salvador (BA)

Nesta eleição o medo dominou grande parte da sociedade. Medo do retrocesso político, com as ameaças que o presidente, enfim eleito, Jair Messias Bolsonaro, fez questão de espalhar, juntamente com seus seguidores, entre os quais, os que lhes são mais próximos: seus filhos. De certa forma, seu discurso de ódio inflamou seus seguidores, muitos dos quais, desde o primeiro turno da campanha, saíram perseguindo gays, negros, ou meros eleitores dos adversários, notadamente os que votaram no PT, como ocorreu com o Mestre de capoeira, o baiano Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, na noite do domingo (07/10), em que se realizou o primeiro turno.

Na noite do domingo (28/10) em que as urnas confirmaram sua eleição, o já presidente eleito até prometeu garantir as liberdades, em discurso, pronto para ser lido à frente das câmaras. Falou que “liberdade é um princípio fundamental. Liberdade de andar nas ruas. Liberdade de ir e vir em todos os lugares. Liberdade de empreender. Liberdade política e religiosa. Liberdade de informar e ter opinião. Liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas. Este é um país de todos nós, brasileiros natos e de coração. Brasil de diversas opiniões, cores e orientações”.

O discurso, por mais boa vontade que se possa ter, soou falso. Simplesmente por ter sido precedido de uma mensagem enviada diretamente aos seus seguidores, pelas redes sociais, na qual ele insistiu na bandeira de perseguição ideológica reafirmando que “não poderíamos mais continuar flertando com socialismo, comunismo, populismo e extremismo da esquerda.” Não foi uma fala dirigida à Nação, mas um discurso ao seu grupo.

Esqueceu, por exemplo, de mandar um recado aos aliados para que evitassem provocar conflitos, gerar discussões inúteis, desfraldando uma bandeira de união. Provavelmente, dado seu espírito bélico, isso não lhe interessa. Assim quase que simultaneamente, começaram a ocorrer cenas de violência em algumas cidades. Em Salvador, no bairro do Rio Vermelho, uma discussão entre eleitores dos dois lados terminou com os ferimentos provocados por policiais militares na jovem, de 19 anos, J.B (cuja identidade preservamos).

Gays, as primeiras vítimas – Em Curitiba, no Largo da Ordem, gays eram esperados na porta das boates Verdant e Slay. Consta que um deles foi agredido, informação que o Blog não conseguiu confirmar. Mas a violência aconteceu, tanto que as duas casas noturnas recomendaram cuidado aos seus frequentadores.

A Sly até tentou socorrer alguns abrigando-os, mas sentiu-se insegura, fechou suas portas e recomendou pelas redes sociais “quem estiver na rua, evite ao máximo permanecer, o cenário está caótico”

A Verdant colocou seus seguranças à disposição dos clientes tanto na espera de táxis/Uber, como para acompanhá-los aos seus carros. Medidas que considerou necessárias “devido a manifestação pro Bolsonaro que ocorre na região”, explicou pelo Twitter.

Já no Bar Gilda, na Rua Cândido Lopes, 323, no centro da capital paranaense, militantes do PCdoB e do PT ficaram trancados enquanto do lado de fora eleitores de Bolsonaro jogavam bombas. Não eram rojões, mas bombas mesmo, explicou um dos que ficou trancado. Também houve manifestação/provocação junto à vigília Lula Livre, na porta da Polícia Federal.

Em Fortaleza, repórteres foram agredidos pelos seguidores do novo presidente. Tais conflitos ocorreram quase simultaneamente à fala do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli conclamando pela união e respeito às opiniões divergentes em discurso feito na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tão logo definido o vencedor:

“É preciso respeitar aqueles que não lograram êxito em se eleger e também a oposição política que se formará. É momento de união, de serenidade e de combate ao radicalismo e à intolerância (…) Deve-se assegurar a pluralidade política do país, um dos mais caros fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, que tutela a liberdade em suas diversas formas, dentre elas, a liberdade de expressão, de opinião e de consciência política, de crença e de culto, de identidades e de convivência harmoniosa entre diferentes formas de viver e conviver uns com os outros. É na pluralidade e na diversidade que se constrói uma grande nação”, expôs.

Àquela altura, sem que o presidente recém-eleito se manifestasse na defesa do respeito aos adversários e à convivência pacífica, os conflitos aconteciam em algumas cidades envolvendo seus apoiadores/eleitores.

No Largo de Santana, bairro do Rio Vermelho, em Salvador, ocorreu o atrito mais sério que se teve notícia. Foi contra petistas e eleitores de Haddad. Segundo relataram testemunhas ao jornal Correio, a jovem J.B foi agredida por volta das 19h30 por um policial quando a irmã dela, T. B., de 20 anos, tentava evitar uma discussão entre eleitores de Fernando Haddad (PT) e apoiadores do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). A agressão foi filmada (acesse o vídeo abaixo).

Perseguição aos nordestinos – A violência que a atingiu foi prontamente criticada pelo governador petista reeleito da Bahia, Rui Costa. Pelo do Twitter, ele repudiou o fato e anunciou ter determinado que a Corregedoria da Polícia Militar investigasse a ação dos soldados.

Ainda em Salvador, outro policial militar foi preso pela própria corporação ao disparar sua arma contra quatro pessoas no bairro da Barra.  Trata-se do soldado Manoel Landulfo Sampaio que discutiu com um ambulante e sacou uma arma, atirando contra quem estava na Rua do Gavazza, onde seguidores de Bolsonaro comemoravam a vitória. Após os disparos, Sampaio foi preso por uma equipe da Patamo e levado para a Central de Flagrantes.

Diante da expressiva vitória que a Bahia deu à Haddad – 72,69% dos votos válidos, contra 27,31% para Bolsonaro – seus habitantes já começaram a ser vítimas da xenofobia.

Em 19 dos 417 municípios baianos o candidato petista obteve mais de 90% dos votos válidos. Ele só não venceu em quatro municípios baianos: Luís Eduardo Magalhães, Buerarema, Teixeira de Freitas e Itapetinga.

Em consequência, imediatamente nas redes sociais surgiram as agressões e promessas de retaliações (como mostra a ilustração ao lado).

Ameaças e perseguições, porém, não se limitaram aos baianos. No Ceará os agredidos foram jornalistas, como relatou O Globo.

Duas repórteres – de “O Povo” e do “Sistema Verdes Mares“, afiliada da Rede Globo em Fortaleza -, sofreram agressões físicas e verbais durante a cobertura da festa de militantes do presidente eleito. De acordo com o site “O Povo Online“, as jornalistas estavam no comitê de Bolsonaro no Ceará, que fica na Avenida Antônio Sales, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza.

Pelo relato do site do jornal, a repórter do O Povo “foi derrubada de cima de um equipamento de som da organização do evento. Na queda, feriu os dedos. Ela ainda foi agarrada pelo rosto e agredida verbalmente, assim como um repórter que a acompanhava, agarrado pelos braços. A mulher ainda foi assediada por militantes. Também mulher, a jornalista da Verdes Mares ouviu ataques verbais enquanto tentava trabalhar. Um carro da emissora foi apedrejado.

Não foram só ataques físicos. Ao que parece, bem ao estilo das ditaduras, teve início também uma onda de perseguições, ataques verbais e, o que pode ser ainda pior, denuncismo. O mesmo jornal O Globo noticiou que Assessor de Bolsonaro ofende jornalistas após vitória. Diz a reportagem:

“Carlos Eduardo Guimarães, assessor de imprensa do gabinete de Jair Bolsonaro (PSL), encaminhou uma mensagem com ofensas a jornalistas após a abertura das urnas sinalizando a vitória do presidenciável. Guimarães questionou se a eleição não estava empatada, chamou os jornalistas de “engodo” e “lixo”.”

Denuncismo incentivado – Em um prenúncio dos tempos difíceis que todos diziam que ocorreriam e muitos fizeram não acreditar, mal os votos foram contados e nas redes sociais se iniciou uma campanha de denuncismo. Começou por Santa Catarina, justamente no estado onde, há um ano, em outubro de 2017, uma perseguição política/policial, através da Operação Ouvidos Moucos, levou ao suicídio o ex-reitor da Universidade Federal, Luiz Carlos Cancellier.

Incentivo ao denuncismo por Ana Caroline Campagnolo

Partiu da deputada estadual eleita pelo PSL, Ana Caroline Campagnolo, uma professora de História adepta do engodo da “Escola Sem Partido”.

Sua postagem, pedindo que filmassem professores que feita logo após o anúncio da vitória de Bolsonaro. Rapidamente circulou pelas redes e, ao que parece, foi prontamente atendido a ponto dela mesma solicitar que não enviassem vídeos, gravações e denúncias de outros estados:

“Professores éticos e competentes não precisam se preocupar. Pedimos que não enviem vídeos de outros estados (como já estão fazendo), pois não temos como administrar tantos conteúdos. Alunos que sentirem seus direitos violados podem usar gravadores ou câmaras para registrar os fatos”.

O passado de Ana Caroline pode explicar um pouco seu gesto. Não é a primeira iniciativa polêmica dela. Em junho de 2016, moveu uma ação de indenização, cobrando R$ 17.600 da professora Marlene de Fáveri, do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). O motivo foi a professora ter aberto mão de continuar lhe orientando na tese de mestrado. A atitude provocada pelas postagens que a orientada fez nas redes sociais criticando a orientadora. Para tal, usou gravações das aulas e dos debates internos, feitas sem a autorização da professora e dos demais alunos.

“Minha decisão irrevogável de abrir mão da orientação da mestranda se justifica devido à incompatibilidade do ponto de vista teórico-metodológico com relação à abordagem do tema quando de seu ingresso, incompatibilidade esta expressa em vídeo difundido por mídias eletrônicas, de acesso público, onde manifesta concepções, do ponto de vista acadêmico, que ferem a disciplina que ora ministro e, por extensão, a linha de pesquisa do programa de Pós-graduação em História”, justificou Marlene em entrevista ao site Catarinas, na primeira entrevista que deu sobre o assunto, em 2017:  “Não posso orientar quem não acredita naquilo que estuda”, afirma Marlene de Fáveri.

Esmagar a oposição – O absurdo processo de indenização acabou rejeitado judicialmente por absoluta inconsistência de provas e propósitos. Em consequência, Marlene impetrou uma queixa crime contra a hoje deputada eleita, pelos abusos, assédios e ameaças que recebeu da orientada. Corre na justiça criminal catarinense.

De tudo, fica o inexplicável silêncio do recém-eleito presidente da Nação sobre atos de violência que se estenderam por toda a campanha e, previsivelmente ocorreriam já nas comemorações pela sua vitória. Pior ainda quando seus aliados incentivam o clima de delação e perseguição, demonstrando claramente que não querem pacificação alguma.

Como na campanha, continuam desejando esmagar “a pluralidade política do país, um dos mais caros fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, que tutela a liberdade em suas diversas formas”, defendida em seu discurso pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli.

Discurso que, ao que parece, ainda não encontrou eco entre os vencedores. Resta saber se como chefe do Poder Judiciário ele realmente cumprirá o que anunciou. Ou seja, exercerá, como presidente do STF, a “missão de moderador dos eventuais conflitos sociais, políticos e econômicos, garantindo a paz social, função última da Justiça”. É algo a se conferir, apesar de muitos duvidarem, diante dos recentes posicionamentos do mesmo Supremo.

Abaixo o vídeo da violência em Salvador:

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4 Comentários

  1. C.Poivre disse:

    Vai piorar com a recente reedição do AI-5 por Temer que, possivelmente, trocou a edição do decreto pela sua não prisão ao sair do governo. Alguém duvida?

    https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/637601367/decreto-9527-18

    #LulaLivre

  2. C.Poivre disse:

    Auler, vc como grande jornalista investigativo que é, poderia apurar o que há de verdade na fortuna amealhada pelo candidato eleito pelas “fake news” e seus filhos, pelo que sei incompatível com seus salários de parlamentares.

  3. Deus disse:

    Tudo, inclusive a morte, menos a tortura. A tortura é muito triste. Quem nunca foi torturado não sabe o que é. A Morte pelo menos o cara não sofre, o sofrimento é somente para quem fica, que aliás serve de grande lição para a gente.

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