Protocolar. Talvez, esta seja a palavra mais adequada para rotular o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, na sexta-feira (dia 22), no plenário das Nações Unidas, em Nova Iorque. Durante pouco mais de oito minutos da sua fala, ocupou-se de questões climáticas o tema da conferência. Ao final do discurso mencionou um “grave momento” e que “o povo saberá impedir qualquer retrocesso”.
Foi diplomática numa casa de diplomacia. Nada mais adequado. Os chefes de estados que lá estiveram compreenderam, perfeitamente, ao que ela estava se referindo. Onde pronunciou “qualquer retrocesso” pode-se se ler “golpe”.
Mesmo porque, na entrevista coletiva que concedeu aos profissionais da imprensa estrangeira e brasileira ela não precisou usar de meias palavras. “Dizer que não é golpe é tapar o sol com a peneira” acentuou a mandatária brasileira. E foi além: anunciou que irá pedir a interferência do Mercosul e Unasur caso venha a ser, de fato, golpeada pelo processo em curso no Senado.
Açodados – Boa parte dos telejornais e analistas amestradas se apressou e dizer que o “puxão de orelhas” dado pela trinca Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal surtiram efeito. Os líderes do “satelital” PPS – linha auxiliar do PSDB – chegaram até a publicar nota oficial na qual enfatizam a expressão: “puxão de orelhas”.
Na verdade, o passional Gilmar Mendes, o “menino” Toffoli e o decano Mello juntamente com os jornais que lhe franquiaram manchetes grafais deram uma tremenda bola fora.
Como sempre, foram açodados ao intuírem que Dilma iria fazer um “discurso de caixotinho” no venerado púlpito da ONU. O tal “pito” na presidente só serviu para evidenciar o desejo deles de que ela continue apanhando calada. O que permitiu à presidente ironizar, durante a entrevista:
“Essa precipitação mostra o quanto temem serem tachados de golpistas. Sabe por que temem? Porque são”.
Com elegância e serenidade, observada até pelos seus adversários, Dilma cumpriu um papel institucional. Mesmo porque, não há mais dúvida para ninguém lá fora de que estão tentando retirá-la da Presidência da República sem que exista um crime de responsabilidade tipificado na Constituição do País.
Dilma saiu do Brasil com a intenção de mostrar à opinião pública mundial que está sendo vítima de um golpe patrocinado por figuras do quilate de um Eduardo Cunha, Michel Temer, Aécio Neves, Moreira Franco e Elizeu Padilha. Quanto a isso foi bem sucedida. Até a secular e conservadora revista inglesa “The Economist” já havia entendido isto. Na edição que circulou esta semana, comentou com incontida reprovação as “cenas bizarras” que marcaram o horroroso domingo (dia 17) passado.
Gasolina na fogueira – Com a ida da presidente à Conferência do Meio Ambiente da ONU, a crise política brasileira deu uma “passadinha” pelos Estados Unidos. Além dos discursos e das entrevistas de Dilma, em Nova Iorque, um evento realizado, em Cambridge, pelas Universidades de Harvard e Massachusetts Institute of Technology adicionou alguns galões de gasolina nesta fogueira.
O ex-governador do Ceará e provável candidato pelo PDT às eleições de 2018, Ciro Gomes, contou a um grupo de estudantes e investidores internacionais curiosos pelo que se passa no Brasil que a nação vive “vácuo de poder”. Foi direto ao ponto:
“Eduardo Cunha não virou presidente da Câmara – sendo o bandido que é – por acaso. Ele comprou 250 deputados”.
No mesmo evento ainda, Rodrigo Janot, da Procuradoria Geral da República praticamente esmiuçou a folha corrida daquele que Gomes se referiu como “bandido”.
Agora no Senado, o processo de impeachment terá até o dia 15 de maio para cumprir a chamada fase da admissibilidade. O jogo está sendo jogado. Apesar de a “mídia coxinha” insistir junto aos seus leitores e telespectadores que tudo já está definido.
(*) Arnaldo César é jornalista
13 Comentários
Não sei qual é pior:
um Congresso formado por sua maioria de políticos envolvidos em corrupção e crime liderado por um “gangster” um vice-presidente, senadores (Aloisio, Aécio) citados na lava jato e conta na Alemanha ou um STF endossando e fazendo vistas grossas a tudo. Será que teremos que recorrer a direito internacional?
A mídia tenta confundir e emplacar que os ” Ritos do processo de impeachment” estão sendo religiosamente e hipocritamente sendo seguidos, sem citar que o principal objeto do impeachment que é a motivação citada na Constituição, não. Impeachment sem crime é golpe.
A primeira vez que assisti ao discurso de Dilma na ONU, achei que foi perdida uma excelente oportunidade de abrir as cortinas do mundo para o que está acontecendo no Brasil : um golpe em curso. Como um pênalti perdido aos 45 do segundo tempo, quando se está atrás no placar e poderia ter-se alcançado o empate e mandado a partida para a prorrogação.
Da segunda vez que assisti ao discurso, já menos ansiosa, por saber de antemão o que seria dito ali, achei ter visto uma presidente bastante cautelosa. Seria mesmo obra dos três juízes do Supremo? Como um jogador que, já pendurado com um cartão amarelo, para não tomar o vermelho, permite aos atacantes do time adversário adentrar seu campo de defesa sem um combate mais efusivo.
Da terceira vez que assisti ao discurso, realmente notei uma presidente diplomática, que respeitou a ocasião e o espaço que lhe foi dado, mas deu o seu recado ao mundo. Com as luzes do excelente texto do Arnaldo César, fica claro que o jogo está sendo jogado e que Dilma se comportou como o meia Didi, na Copa de 58: sofreu o gol na final, foi até as redes buscar a bola e recoloca-la no meio de campo para reiniciar a partida. Naquela oportunidade, o Brasil venceu de goleada os “donos da casa”. Mantenho a esperança de que, com o apoio das ruas, sobretudo da juventude, intelectuais e classe artística, as denúncias da mídia estrangeira e o excelente trabalho dos blogs progressistas podemos equilibrar o jogo e quiçá virar a partida. Aí os donos da casa não mais nos reconhecerão como massa de manobra.
Avante, Brasil!
Li em um dos blogs que frequento que, se o golpista Temer assumir, partirá do igualmente golpista CUnha a indicação do novo chefe da AGU. Em vista disso pergunto aos versados em Direito, durante o julgamento no senado a Presidenta Dilma será “defendida” por um chefe da AGU indicado pelo golpista CUnha? Pode stf?
A elegância permeou da postura de nossa presidente ao texto !
É isso , leveza para dizer as verdades , profundidade para reconhece-las !
Emocionante , literalmente emocionante !
Parabéns ao brilhante autor !
Muito bom Marcelo,você disse tudo.
PS :corrigindo o autor do texto disse tudo
[…] Sourced through Scoop.it from: https://www.marceloauler.com.br […]
DEPOSIÇÃO? ACORDÃO? REVOLUÇÃO?
Tanta sensibilidade à cortesia e tão pouca à
verdade. (Rui Barbosa, Réplica)
Nesta última semana de abril, quando escrevo, há uma sensação de que os interesses dos capitais estrangeiros, do sistema financeiro internacional que chamo a banca, aliados à corrupção da maioria dos políticos nacionais e o apoio histórico da elite rentista, escravagista e ociosa, levarão à deposição da primeira mulher eleita para presidir o Brasil.
Ironicamente, será também o ano que os Estados Unidos da América (EUA) elegerá, pela primeira vez, uma Presidenta. Ela representará melhor do que qualquer outros dos candidatos o interesse da banca. Desde a condução da dupla Thatcher/Reagan, nos anos 1980, o sistema financeiro internacional vem se apoderando dos governos em quase todo mundo, E, assim, vem impondo “crises” com as quais se apropria das riquezas e dos ganhos das outras atividades econômicas e concentra cada vez mais o poder em menor número de mãos.
No Brasil, os sempre presentes interesses alienígenas haviam transferido da farda para a toga, pois os militares haviam cometido um “erro” ao promover o desenvolvimento econômico com estatais e capitais brasileiros, a missão de impedir o salto socioeconômico previsto com os programas que estavam em curso desde 2003.
Mas houve, como já ocorrera em 1964, outro erro de avaliação. A caça às bruxas, que as escutas telefônicas prometiam destruir a Petrobras e a engenharia brasileira, chegou ao aparelhamento político que, no desenho democrático liberal, favorecia os interesses estrangeiros, parceiros desde o Império das elites brasileiras.
Surgiu então o conflito. Muito dinheiro já havia sido gasto pela banca, como na criação dos IPES e IBAD dos anos 1960, para destruir esta nova tentativa de se ter um Brasil Soberano e Justo. E os acólitos da banca começavam a ser delatados nos inquéritos, outros processos se iniciavam fora da ação dos regentes escolhidos, e, em pouco tempo, as oposições e a maioria parlamentar ficavam expostas às mesmas mazelas com que se pretendia atingir tão somente os condutores do processo desenvolvimentista.
Tratou-se de conseguir um novo instrumento e para isto, na mesma linha togada, foi ampliada a conquista, por meios que o futuro, como sempre, revelará.
Temos então o impeachment da Presidente Dilma e a absolvição coletiva da corrupção. Voltamos à acomodada situação parlamentar burguesa, sem o risco Lula.
Será isso mesmo? Repetirá o Brasil, em 2016, o Brasil de 1954? de 1964? É esta a tragédia brasileira?
Houve sempre e, não só em nossa história, mas na história de muitas nações, a crença do líder, no salvador que nos tiraria da angústia e da aflição.
Salvo teóricos e estudiosos da política, da história, das ciências sociais, poucos entenderam que a participação é fundamento indispensável de qualquer transformação. Como administrador profissional aprendi que as reações às mudanças organizacionais se combatiam com o envolvimento de todas as áreas envolvidas naquela mudança.
Por que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é constantemente criminalizado? Por que é tão desfigurado na grande e oligopolista imprensa? Por que será o alvo específico, dentro de uma lei aparentemente antiterrorista? Ouso entender que é uma associação constituída na participação. Numa entrevista em programa da televisão aberta, seu representante João Pedro Stédile afirmou que as unidades do Movimento são autônomas; tem liberdade de decisão em todas as áreas, inclusive na ideologia religiosa, que fora o objeto da pergunta, onde convivem católicos, denominações protestantes e cultos de matriz africana. Assim não se perde, em discussões desagregadoras, o objetivo maior da produção da propriedade agrária.
Outra questão diz respeito aos acordões. O brilhante jornalista Fernando Brito encima seu blog com o dístico: “A política, sem polêmica, é a arma das elites”.
Getúlio Vargas e João Goulart, pela formação e, talvez, pela própria condição social e econômica, não promoveram a ampla integração política das classes trabalhadoras e dos despossuídos nacionais. Faltou-lhes, no momento crítico, uma estrutura corresponsável pelos mínimos avanços que se pusesse ou se propusesse defendê-los. Os ganhos eram decorrência de acordos, de cartas aos brasileiros, de juros altos e ajustes fiscais.
A eleição da Hillary Clinton trará, com toda certeza, uma nova crise, tipo 2008. A banca está cobrando mais sacrifícios à população dos emigrantes, dos desempregados, dos aposentados e pensionistas sem seus direitos. Acredito que esta “crise” se dará na área do euro, procurando atingir mais fortemente a economia da Federação Russa, mas com grande repercussão na fragilizada economia brasileira. Será o grande problema do dirigente de 2017. Quem saberá ou poderá contê-la ou minimizá-la com as restrições de um acordão?
Acredito que o Brasil que queremos não virá, necessariamente, de uma revolução. Mas não virá também de acordos impossíveis com a banca e com a elite cruel, como a denominou o grande pensador brasileiro, Darcy Ribeiro.
Pedro Augusto Pinho, avô e administrador aposentado
Obrigado vovô pela excelente analise! Aquele velho ditado popular: ele perde a dentadura mas não larga a rapadura.
Não tenho o seu talento e brilhantismo, mas sinto-me felicíssimo com tão lúcida explanação sobre essa atual quadra brasileira e mundial em que nos situamos.
E temos algo em comum: também sou um brasileiro avô e aposentado.
Só não contava, sinceramente, em ser contemporâneo de dois golpes de Estado. O de 1964 e esse que está celeremente sendo consolidado, inclusive com a chancela do próprio STF, acovardado!
São 3 as principais vergonhas para os brasileiros: ter uma câmara de deputados de tão baixo nível e dominada por criminosos de vários tipos, estar no mesmo nível de Honduras e Paraguai e ter um stf que protege o maior gângster da história política do Brasil permitindo que ele aja do jeito que quiser, impunemente.
Brilhante intervenção, doutor da pena. Suas sucintas colocações desmontam o feio papel midiático a que nos querem impor. Obrigada, pela leitura!
Parabéns por palavras escritas pelo senhor, com tanta lucidez e conhecimento. Vamos divulgar!