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Marcelo Auler

Afrânio Silva Jardim:

Batendo em retirada: Afrânio Silva Jardim se recusa a participar das listas de debates dos colegas do Ministério Público por discordar do comportamento da maioria deles.

Com atraso de duas semanas, republico o artigo do procurador de Justiça aposentado do Rio de Janeiro, Afrânio Silva Jardim, originalmente editado no Blog Empório do Direito: Porque estou me afastando do Ministério Público. No texto ele, mais uma vez, aponta as mudanças de comportamento dos membros dos Ministérios Públicos, sejam os dos estados – como, no caso dele, do Rio de Janeiro – ou mesmo da União. Ao se afastar das listas de debates dos seus colegas – uma decisão tomada em dezembro, como noticiou o Jornal GGNEstou pedindo para sair, por Afrânio Silva Jardim (18/01), ele renova suas críticas aos colegas em geral os quais, no seu entendimento, se deixaram contaminar até pelo partidarismo da chamada imprensa tradicional. Sua conclusão é que promotores e procuradores se deixaram afetar pelo:

recrudescimento de uma perspectiva mais “punitivista” que reina, atualmente, em nossa sociedade, muito influenciada por uma mídia despreparada e perversa. Enfim, eu e o Ministério Público estamos caminhando para lados opostos. O problema é que, algum dia, não mais estarei aqui e o Ministério Público sobrevive, ele é perene …”

O tom crítico, porém, vai além e revela sua discordância com os que, nas suas palavras, “estão “deslumbrados” com a notoriedade que a parceria com a grande mídia lhes está granjeando. Isto não é bom para a “nossa” sociedade. Hoje amados, amanhã, odiados…”.

Recorda que o Ministério Público como instituição tinha a praxe de ser plural e de alimentar “em seus membros uma visão mais crítica dos problemas sociais. O estudo e a cultura de seus membros era algo incentivado de forma bastante eficiente“. Mas, as mudanças na instituição a levaram a tomar outro rumo, na direção oposta a que ele sempre manteve.

condução coercitiva, março de 2016

A condução coercitiva de Lula a uma delegacia da Polícia Federal, em março de 2016, despertou o debate sobre esta praxe da Operação Lava Jato.

Sua primeira discordância é com o recente parecer (6 de fevereiro), do Procurador Geral de República, Rodrigo Janot, encampando a tese da “condução coercitiva”. Trata-se de uma prática adotada a partir da Operação Lava Jato, mas que só despertou o debate jurídico sobre sua legalidade com o caso da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março de 2016.

Algo criticado por vários juristas, inclusive, o sub-procurador-geral da República, Eugênio Aragão, assim como o ex-sub-procurador da República aposentado, Alvaro Augusto Ribeiro Costa e  o ex-procurador-geral da República, Cláudio Lemos Fonteles – leia em: A critica ao Ministério Público por dois ícones do MPF: Claudio Fonteles e Alvaro Costa – que já se posicionaram contrário a esta tese em diversos artigos. Mais recentemente, a divergência partiu do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, em entrevista ao Estadão: Biografia individual se faz na política, não no Judiciário”, diz Nelson Jobim:

Ela só é admissível quando alguém se nega a ir em uma audiência em que foi previamente intimado. Mas não se admite que alguém que não foi convocado para depor seja levado coercitivamente para depor“, expôs o também ex-ministro da Justiça (governo FHC) e da Defesa (governos Lula e Dilma).

Silva Jardim, em poucas linhas, diverge diametralmente da Janot acrescentando outros argumentos aos de Jobim. Mostra que se um suspeito não é obrigado a depor contra si mesmo, sua ida à delegacia forçosamente servirá apenas para “tomar um cafezinho”.

Acho incompatível com o Estado Democrático de Direito que se permita acordar uma pessoa às seis horas da manhã (para mim, já uma tortura …) e forçá-la, até fisicamente, a comparecer a uma delegacia, em um carro da polícia, tudo na frente dos filhos, cônjuge e vizinhos. Um constrangimento absurdo, até por que ele é presumido inocente pela Constituição.”

Também não aceita o argumento de que quem pode mais – como, por exemplo, decretar a prisão temporária e/ou preventiva de um investigado ou suspeito – pode o menos: a condução coercitiva. Seu argumento:

“É muito controvertido o chamado “poder geral de cautela” no processo penal. De qualquer forma, se o conduzido não está obrigado a falar, a decisão judicial deveria dizer, expressamente e fundamentadamente, que outra prova a condução coercitiva teria como objetivo trazer aos autos do processo.

Não vale o argumento de que é uma medida menos gravosa do que as prisões provisórias. Se uma dessas prisões fosse cabível, deveria ser decretada, mediante devida fundamentação. A condução coercitiva jamais impediria que o conduzido praticasse quaisquer dos atos que legitimariam tal prisão cautelar pois, após “tomar o cafezinho com o delegado”, ele volta para a sua casa.

A prevalecer este entendimento, sob o pretexto de não prender o réu ou o indiciado, o Estado poderia quase tudo. Sempre diria: isto é menos gravoso do que sua prisão… Eu poderia (deveria, então) prendê-lo, mas como “eu sou bonzinho”, lhe crio outras restrições e constrangimentos, embora não previstos em lei. Seria uma forma cínica de abandonar o princípio da legalidade”.

Sem citar a Lava Jato, Silva Jardim condena a espetacularização das operações policiais, no que encontra eco no ex-ministro do STF, Nelson Jobim. Foto reprodução internet

Sem citar a Lava Jato, Silva Jardim condena a espetacularização das operações policiais, no que encontra eco no ex-ministro do STF, Nelson Jobim. Foto reprodução internet

Ao condenar o comportamento dos colegas, Silva Jardim insiste no papel do Ministério Público na conquista de direitos que a sociedade como um todo teve ao longo dos anos, com a participação ativa destas instituições, tanto a federal como as estaduais. Ele, então alerta:

“Na democracia, os fins não podem justificar os meios. Não é valioso postergar garantias conquistadas pelo nosso processo civilizatório, criando instabilidade e insegurança na população, apenas para mais rapidamente tentar obter uma prova. Dias sombrios estes nossos…”

Para justificar sua saída dos grupos de debates, se diz consciente de que hoje seu pensamento e suas condutas políticas e pessoais, já não são aceitos majoritariamente, inclusive (principalmente?) por conta do corporativismo na classe:

(…)  estou seguro de que o meu pensamento sobre diversas questões jurídicas, sociais e políticas é absolutamente minoritário entre ex-colegas do Ministério Público do nosso Estado. Sinto certo desconforto em saber que não sou desejado aqui, muito em decorrência de minha visão crítica sobre o corporativismo que contagia as nossas relevantes instituições que atuam no chamado “sistema penal de justiça (…) Mantenho os princípios que direcionaram a minha trajetória de vida, tudo relacionado com a preocupação constante com a justiça social e com o ideário de uma sociedade socialista e democrática. s. O problema é que, algum dia, não mais estarei aqui e o Ministério Público sobrevive, ele é perene …

Por outro lado, sempre foi pública a minha preferência pelo chamado “pensamento de esquerda”, preocupado que sempre fui pela justiça social. Neste particular, assim como a nossa sociedade, a maioria dos membros do Ministério Público se distancia, cada vez mais, de uma visão e concepção crítica dos problemas políticos e sociais de atualidade.

No plano jurídico, como professor de Direito Processual Penal por mais de 36 anos e como membro do Ministério Público, jamais tive uma postura liberal e sempre sustentei que o processo devesse ter efetividade e fosse um método democrático de aplicação do Direito Material ao caso concreto. Entretanto, o processo deve pressupor não apenas regras jurídicas, mas também os valores éticos cunhados pelo nosso longo processo civilizatório. Como costumo dizer, não é valioso punir a qualquer preço.

Julgo ser de bom alvitre que o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Polícia e as Forças Armadas não tomem partido na reconhecida divisão que, infelizmente, está tomando conta de nossa sociedade, muito em razão da massiva “parcial propaganda” da grande mídia. Evidentemente, individualmente, é até desejável que todos tenham posições claras sobre as suas opções ideológicas, mas não devem “contaminar” as suas instituições de Estado”.

Nas crpiticas à espetacularização das Operações Policiais, Silva Jardim encontra eco no ex-ministro do STF, Nelson Jobim - Foto EBC

As críticas de Silva Jardim acabaram sendo repartidas, tempos depois, pelo ex-ministro do STF, Nelson Jobim – Foto EBC

Em outra crítica, ele encontra eco no pensamento do ex-ministro Jobim: a chamada espetacularização das operações policiais. No Estadão, Jobim comenta ao ser questionado se a condução coercitiva de Lula foi arbitrária:

Sim, não tenha dúvida. Isso é muito bom quando você está de acordo com o fim, mas quando o fim for outro… O dia muda de figura quando acontece contigo. O que nós temos de deixar claro é essa coisa da exposição dos acusados. Vão pegar um sujeito em um apartamento e aparece gente com metralhadora, helicóptero. Tudo isso faz parte daquilo que hoje nós chamaríamos de ação-espetáculo, ou seja, a espetacularização de todas as condutas. O Judiciário não é ambiente para você fazer biografia individual. Biografia se faz em política“.

Já Silva Jardim, sem citar especificamente a Lava Jato, fala dessa espetacularização e mostra a sua forma mais humana de enxergar o Direito:

Acho que a “espetacularização” do processo penal insere a “nossa” instituição em uma das divisões ideológicas que fomenta a “cultura do ódio” em nossa população. Alguns membros do Ministério Público de nosso país, segundo minha avaliação, estão “deslumbrados” com a notoriedade que a parceria com a grande mídia lhes está granjeando. Isto não é bom para a “nossa” sociedade. Hoje amados, amanhã, odiados…

Quem conhece a minha trajetória de 31 anos no Ministério Público deste Estado, bem como minha vida acadêmica, sabe que nunca fui adepto de um direito penal e processual liberais e sequer aceito o rótulo de “garantista”.

Entretanto, o Tribunal do Júri me despertou uma visão mais humanista da nossa atuação, me fazendo perceber, mais claramente, que estamos em torno da desgraça das pessoas e de seus familiares. Por isso, nunca tive “raiva” dos réus e nunca postulei contra eles nada mais do que entendia ser justo.”

Nessa sua “despedida” do debate entre os companheiros do MP, cita situações perturbadoras, como a prática de julgamento nos tribunais sem que desembargadores prestem a devida atenção às argumentações do MP e, muito provavelmente, também da defesa. Algo que mais uma vez coloca em dúvida a chamada isenção do Judiciário.

“Assisti e consegui impedir que processos de 3 ou 4 volumes fossem julgados em cerca de 20 segundos. Mal dava tempo para localizar a cópia do parecer da Procuradoria de Justiça para a nossa sustentação oral. Ao invés de relatório do processo, desembargadores se limitam a ler a ementa de seu voto e os demais o acompanham sem conhecimento do que estão julgando. Mesmo assim, já dado o voto, eu fazia a sustentação oral, contra a má vontade de todos. Ao menos lia as razões do colega de primeiro grau. Briguei (literalmente) muito e o desgaste foi inevitável. Diante de nosso inconformismo, sessões chegaram a ser interrompidas. Ao final, percebi que alguns desembargadores já não mais me ouviam, não prestando atenção à minha sustentação oral, em um total desrespeito. Nada obstante, não esmoreci até o último dia, tendo a sessão terminado por volta das 11:00 horas da noite. Saí como entrei: de cabeça erguida”.

Professor associado de Direito Processual Penal da UERJ,  Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (UERJ), ao se despedir dos colegas ele deixa claro que não está pendurando as chuteiras:

“Não saio magoado, pois já me acostumei a ser minoria. Não saio da “luta” enquanto a idade e saúde permitirem que eu possa me expressar de alguma forma. Continuarei em outros “locais de fala”, como a universidade, palestras, livros e a minha coluna semanal no site “Empório do Direito”.

Deixa, porém, um último conselho aos colegas que permanecem atuantes dos diversos Ministérios Públicos:

“Um conselho de um velho colega: não se deixem contaminar por um “espírito” exageradamente persecutório, até por que todos nós, algum dia, já cometemos crimes. Procurem sempre se imaginar no lugar do outro; vejam as questões também da ótica do adversário. Sempre é possível que não estejamos sendo justos e JUSTIÇA É O QUE IMPORTA”.

1 Comentário

  1. Pedro Augusto Pinho disse:

    GOVERNO E MÍDIA

    EXPRESSÃO MAIOR DA HIPOCRISIA

    QUE HOJE PREJUDICA O PAÍS

    Ao iniciar este artigo sobre a farsa que domina nossa sociedade, pensava em desenvolver a relação da imprensa com o Poder. Afinal, o mais antigo exemplo que se tem notícia vem do imperador Julio Cesar ao divulgar as “Acta Diurna”, com as informações e as ordens que lhe interessavam dar conhecimento ao povo de Roma. Mais tarde, nos primórdios da era cristã, foram os chineses quem divulgaram os fatos dos poderosos nas “Notícias Diversas”, que eles celebraram, nos anos 1900, o primeiro milênio das suas impressões.
    Parece óbvio que o Poder sempre se dispôs e investiu em dar informações que protegessem e defendessem seus próprios interesses. E esta situação perdurou mesmo quando a tecnologia e a diversidade de objetivos permitiram chegar ao conhecimento das pessoas, a minoria letrada, informações e interpretações diferentes sobre os mesmos acontecimentos.
    Mas a situação que vivenciamos, desde a segunda metade do século XX e com crescente e total domínio, é da desinformação como instrumento do Poder. Não me recordo, nem nas narrativas da imprensa em regimes totalitários, de situação semelhante. Um fenômeno facilmente constatável pelos que pesquisarem está na quantidade de jornais existentes no Brasil nos anos 1950 e sua relação com a população alfabetizada e a realidade desta segunda década do século XXI. A concentração, de recursos, de ganhos e da informação, é um objetivo do Poder que desde então se implantou.
    Mas que Poder é este que domina toda divulgação da informação, não só a jornalística mas a produzida nas academias? É o Poder que foi corrompendo os governos, foi se infiltrando nos negócios, foi controlando as ações, de início econômicas, mas rapidamente as políticas, sociais e culturais, tornando-se, a partir de 1990, a ditadura planetária: o sistema financeiro internacional, a banca.
    O que acompanha esta ditadura é a desmoralização, a desconstrução de todas as críticas e ideias que lhe sejam opostas. Ainda recentemente assisti um vídeo de 1995, onde o doutor Enéas Carneiro nominalmente denunciava o “sistema financeiro internacional” como responsável pela alienação do patrimônio brasileiro e antevia o esgarçamento social que seu empoderamento traria para o Brasil. Ora o médico Enéas Carneiro era dado como extravagante, populista ou como um nazifascista, para que suas denúncias, em momento algum, fossem levadas a sério. E digo com a tranquilidade de quem não se filiava entre seus seguidores.
    A banca se assenhoriou da mídia, mas, e principalmente, do controle das informações. Ela é, utilizando os recursos dos países onde domina os governos, a mais poderosa fonte de espionagem, de informação e contrainformação do mundo contemporâneo. E, como aponta com precisão Viviane Forrester (Uma Estranha Ditadura, UNESP, 2001) é uma forma de totalitarismo, envolta numa moldura democrática, onde a produção é substituída pela especulação e, sobre a farsa de fatalidades econômicas, as crises vão açambarcando os ganhos de todos os agentes econômicos e os concentrando no sistema financeiro.
    Ora, meu caro leitor, quem em sã consciência apoiaria um modelo que elimina o trabalho, prioriza o lucro, independentemente de sua legalidade ou legitimidade, adota salários ínfimos e ao fim provoca guerras controladas e mortes? E sob a fantasia liberal e democrática?
    Vê-se pois que é indispensável o controle social da comunicação de massa. A mídia concentrada em poucas mãos, para sua maior efetividade, para a otimização de custos e garantia de ganhos, e, como óbvio, para a manutenção pela mentira, pelo embuste, pela hipocrisia daqueles governantes que lhe são favoráveis e seus colaboradores, é inaceitável na democracia.
    O jornalista Armando Rodrigues Coelho Neto aponta que “o pensamento único da sociedade brasileira parece imposto de forma coronelesca pelas famílias Abravanel (SBT), Barbalho (RBA), Dallevo e Carvalho (Rede TV), Civita (Abril), Frias (Folha), Levy (Gazeta), Macedo (Record), Marinho (Globo), Mesquita (O Estado de S.Paulo), Queiroz (SVM), Saad (Band), Sarney (TV Mirante?) e Sirotsky (RBS)”. E acrescento que estas 14 famílias não distribuem igualmente a propagação dos engodos. A família Marinho deve representar perto de dois terços ou três quartos do alcance das divulgações. A concentração e a banca estão sempre juntas.
    Ainda o citado jornalista agrega que “técnica e legalmente, a concessão para a exploração TV é de 15 anos (rádios dez) renováveis por igual prazo, desde que cumpram exigências. Entre elas privilegiar educação, cultura nacional e regional, não formar monopólio ou oligopólio de propriedade, contemplando ainda aspectos de cunho moral, financeiro e fiscal.” Parece até uma provocação aos brasileiros de boa fé e capazes de avaliar a atrocidade que se comete contra o País. Continua Coelho Neto: “Renovações de outorgas de concessões de TV e rádios continuam um mistério”, não conhecêssemos o Poder da banca.
    Agora, o governo golpista além de derramar milhões de reais do dinheiro público nesta mídia oligárquica, noticia a taxação da comunicação concorrente (Netflix, youtube) e a censura na internet.
    Este concubinato da mídia com o governo golpista resulta na ignorância popular sobre o desastre que já ocorre no Brasil e em tempos ainda piores que teremos que enfrentar.
    Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

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