Marcelo Auler
Por iniciativa da Folha de S. Paulo, dois deputados federais, ambos com formação em Direito, analisaram em artigos publicados na edição do sábado, dia 12, o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Neles, não apenas ficaram nítidas as contradições nos argumentos, mas surgiram justificativas pueris demais. Um exemplo é justificar a necessidade da saída dela pelo fato de Lula ser investigado. Como se fosse responsabilidade do seu atual mandato o que Lula tenha feito ou deixado de fazer.
De tal forma as idéias são conflitantes que resolvi compartilhar para quem não acessa a Folha comparar as argumentações. De um lado, contestando o pedido de impedimento, está o advogado Wadih Damous, do PT do Rio de Janeiro, exercendo seu primeiro mandato na Câmara.
Para argumentar a favor, a Folha buscou o já experiente tucano paulista, Carlos Sampaio, procurador de Justiça licenciado, atualmente em seu terceiro mandato e na liderança do partido.
Aos leitores cabe concluir sobre o posicionamento de cada um, desapaixonadamente. Percebe-se, porém, níveis de argumentação completamente díspares.
Damous desmancha com argumentos jurídicos e até mesmo políticos as alegações da oposição para justificar o afastamento da presidente. Um exemplo é quando analisa o pedido apresentado pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior, Janaína Paschoal e Flávio Henrique Costa Pereirauristas.
“É juridicamente inepto. A petição inicial oferece um mosaico de fatos desconexos. Não há qualquer fato, ao menos em tese, atribuível a ela que possa ser tipificado como crime de responsabilidade“, expôs.
Sampaio, ao falar dele, cita argumentos que Damous rebate, como “as “pedaladas fiscais”, manobras para maquiar as contas públicas, apontadas pelo TCU, que rejeitou as contas do governo“.
O que chama a atenção, porém, são teses um tanto quanto imaturas, colocadas pelo tucano. Como querer “impedir” a presidente de completar seu mandato por motivos alheios às suas atuais funções no cargo, tais como:
“Lula é investigado pelo Ministério Público Federal por provável tráfico de influência internacional. Seu filho é parte de inquérito da Polícia Federal por ter recebido R$ 2,5 milhões de um escritório investigado em esquema de compra de medidas provisórias. O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, foi preso, alcançado pelas investigações da Operação Lava Jato”.
É o caso de questionar a responsabilidade de Dilma nestes fatos que, diga-se de passagem, ainda são investigados. Ou seja, sequer foram confirmados, mas, pelos argumentos do tucano, já são suficientes para justificar a derrubada da presidente.
Convém lembrar que, se Lula cometeu erros, o fez durante o seu governo, quando Dilma era ministra, sua subordinada. Logo, não tinha responsabilidade direta sobre o que o presidente fez ou deixou de fazer. Sendo assim, como argumentar que este é um motivo para que ela, depois de eleita e reeleita com 54 milhões de votos, não deva concluir seu mandato?
Querer afastá-la por conta de possíveis investigações contra Lula, seu filho ou mesmo seu amigo fazendeiro torna-se sim, como defende Damous, “um golpe”. não apenas à presidente, mas à Constituição, à Democracia e àqueles 54 milhões de eleitores que depositaram os votos nela.
Da mesma forma, parece infantil demais apontar com um dos motivos para o afastamento da presidente – um gesto dos mais graves, que deve sempre ser respaldado na inequívoca vontade da maioria dos brasileiros – as reclamações que o vice Michel Temer lamuriou na sua famosa carta. Por mais insatisfeito que Temer possa estar por não ser ouvido, ou mesmo por se considerar “usado”, convenhamos, não é motivo suficiente para se anular a decisão de uma maioria de eleitores depositada nas urnas.
Abaixo transcrevo os dois artigos para que os leitores leiam, analisem e comentem. O espaço é aberto. Só não vale usar o mesmo IP para apresentar-se com codinomes diferentes.
WADIH DAMOUS
UM GOLPE DISFARÇADO
Respondo sem qualquer hesitação: é tentativa de golpe parlamentar a tramitação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
A primeira premissa é a de que a soberania popular deve ser respeitada. Não custa lembrar que a investidura no mandato presidencial tem status constitucional de cláusula pétrea.
Nosso regime de governo é presidencialista. Nele, o presidente eleito exerce as funções de chefe de Estado e chefe de governo de forma concomitante. Só pode ser destituído do cargo pela prática direta e dolosa de ato tipificado na lei como crime de responsabilidade. Ou crime comum, o que não vem ao caso.
Apenas os sistemas parlamentaristas permitem que o chefe de governo (primeiro-ministro) seja destituído por razões estritamente políticas.
Uma última premissa: ao contrário do que dizem, o impeachment não é um processo estritamente político. É também e, sobretudo, um julgamento jurídico. Dizer simplesmente que é uma “questão política” significa rebaixá-lo a um jogo de vale-tudo, onde o Congresso poderia julgar contra a Constituição.
E isso nos leva à outra conclusão: alguns sustentam que, como o impeachment está previsto na Constituição, não é o caso de golpe. Ledo engano. Se inexistir a prática de uma das hipóteses de crime de responsabilidade previstas na Constituição, é golpe sim.
O pedido que ora tramita na Câmara é juridicamente inepto. A petição inicial oferece um mosaico de fatos desconexos. Não há qualquer fato, ao menos em tese, atribuível a ela que possa ser tipificado como crime de responsabilidade.
Procedimentalmente, foi violado o devido processo legal: o presidente da Câmara usurpou competência do plenário ao admitir o pedido; violou o contraditório e a ampla defesa ao não intimar previamente a presidente Dilma; por fim, praticou o ato em desvio de finalidade, já que o fez por retaliação.
Sobre as chamadas “pedaladas fiscais”,o argumento é improcedente. Fatos praticados em mandato anterior não podem fundamentar impedimento de mandato posterior.
Igualmente vã é a tentativa de argumentar que as tais “pedaladas” também foram praticadas em 2015, pois o Congresso aprovou a mudança da meta fiscal, autorizando um deficit de até R$ 119,9 bilhões.
Ainda que assim não fosse, no mérito o argumento também não prospera. O que se chama de “pedaladas” consiste em mero adiantamento de pagamento de benefícios sociais por bancos públicos, prática largamente utilizada no Brasil há décadas por todas as esferas de governo e sempre chanceladas pelos Tribunais de Contas.
Dessa forma, o TCU (Tribunal de Contas da União) jamais poderia ter considerado ilegais as contas de 2014, a bem da segurança jurídica. Poderia, no máximo, sinalizar que tais práticas contábeis não seriam mais aceitas no futuro.
Por fim, a competência para o julgamento das contas do governo é do Congresso Nacional, que ainda não as julgou em relação ao exercício de 2014. Mais uma razão, portanto, para que tal fato não possa ser considerado para fins de impeachment.
A presidente Dilma é reconhecidamente honesta. Não furtou, não roubou, nem embolsou dinheiro do povo. Assim como não depositou dinheiro ilícito na Suíça.
Por essas razões apontadas, não basta que o processo de impeachment seja em tese previsto pela Constituição do país. Se ele for à frente mesmo diante da ausência de seus pressupostos, teremos simplesmente um golpe, ainda que disfarçado, escondido sob o nome impeachment.
WADIH DAMOUS, 59, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil sessão Rio de Janeiro – OAB/RJ, é deputado federal (PT-RJ).
NINGUÉM ESTÁ ACIMA DA LEI
Ao longo desses 13 anos de gestões petistas, o Brasil foi arrastado para um abismo. Os governos Lula e Dilma Rousseff não só provocaram a falência econômica do país, mas também a deterioração de valores.
Acreditaram que ocupar a Presidência da República lhes seria um salvo-conduto para não cumprir a lei, para mentir ao país e para pilhar o Estado, transformando-o em fonte de financiamento para o seu projeto de poder.
O PT, que se autoproclamava o dono da ética, lambuzou-se de lama. Nunca antes na história deste país um partido teve tantos líderes presos. Quando se achava que o mensalão seria o limite da roubalheira, descobriu-se o petrolão, o maior escândalo de corrupção da história do país. Convenhamos: nesse nefasto ofício, o PT se superou.
Lula é investigado pelo Ministério Público Federal por provável tráfico de influência internacional. Seu filho é parte de inquérito da Polícia Federal por ter recebido R$ 2,5 milhões de um escritório investigado em esquema de compra de medidas provisórias. O pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, foi preso, alcançado pelas investigações da Operação Lava Jato.
A esse lamaçal, que parece estar longe do fim, soma-se uma crise sem precedentes, com recessão profunda, inflação alta e desemprego recorde. Diante disso, a presidente da República mostra-se mais preocupada em salvar o mandato do que em resgatar o país do buraco.
O fato é que Dilma perdeu as condições de governar. Reelegeu-se mentindo, é incompetente, não tem apoio sólido no Congresso, conta com a aprovação de apenas 10% dos brasileiros e foi alvo de reclamações até do seu próprio vice-presidente, Michel Temer.
Se não bastasse, enfrenta, ainda, investigações em duas frentes. Uma, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a partir de denúncias de abuso de poder econômico e político e suspeitas de que recursos desviados da Petrobras tenham ajudado a financiar a reeleição.
Outra, no Congresso, a partir da abertura do processo de impeachment. E, para este último, é sempre importante reafirmar: o processo é absolutamente legítimo, previsto na Constituição, e se baseia em algo simples: ninguém está acima da lei. Nem a presidente da República.
O pedido de impeachment dos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior, Janaina Paschoal e Flávio Henrique Costa Pereira baseia-se nas “pedaladas fiscais”, manobras para maquiar as contas públicas, apontadas pelo TCU, que rejeitou as contas do governo. Foi a segunda vez que o TCU reprovou as contas de um presidente -a primeira foi em 1937.
O pedido também aponta decretos editados irregularmente neste ano. Há, neste particular, um ponto que precisa ser esclarecido: a revisão da meta fiscal, aprovada pelo Congresso, não isenta a presidente Dilma dos crimes cometidos.
Isso porque a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias determinam que, tão logo se constate que as metas fiscais não serão cumpridas, é dever do governo adequar as despesas às receitas, o que não ocorreu. As ilegalidades se concretizaram ao tempo da edição dos decretos.
Chegou a hora de colocarmos um ponto final nesse descalabro e reescrevermos a história do país. Nós, da oposição, vamos cumprir nosso papel com muita responsabilidade. E, para isso, vamos precisar também do apoio das ruas, dos movimentos sociais. O Brasil não merece e não suportará mais três anos de desgoverno e desesperança. A saída é o impeachment da presidente Dilma.
CARLOS SAMPAIO, 52, procurador de Justiça licenciado, é deputado federal e líder do PSDB na Câmara.
3 Comentários
Marcelo, meu agradecimento e meus parabéns por, finalmente, ter abordado diretamente a questão política e a tentativa de golpe que ameaça a democracia brasileira.
No texto da reportagem você já deixa claro qual dos dois juristas (que atualmente exercem mandato de deputado federal) se embasa em sólidos argumentos legais e jurídicos na defesa de posição: Wadih Damous, que demonstra de forma cabal e irrefutável que não há base legal e jurídica (cometimento de crime comum ou de responsabilidade pela presidente Dilma no exercício do presente mandato) a fundamentar o pedido de impedimento, conforme estabelece a CF/1988, a qual se sobrepõe à Lei 1079/1950, que trata do mesmo tema.
Lendo os dois pontos de vista percebe-se que Wadih Damous expõe o ponto de vista dele (contra o golpe), fundamentado em argumentos legais e jurídicos, mostrando ser um estudioso e rigoroso profissional do Direito (quem acompanha a atuação dele, seja como advogado, como presidente da OAB-RJ e como defensor dos direitos humanos e presidente da comissão da Verdade-RJ sabe que se trata de um profissional sério e empenhado na defesa de boas causas). Como parlamentar, Wadih tem tido atuação e conduta irrepreensíveis.
Já o outro, Carlos Sampaio, nem parece que foi promotor de justiça. Pior: nem parece alguém formado em Direito, que tem o dever de conhecer, respeitar e fazer valer estritamente o que prescrevem as Leis do País. Carlos Sampaio escreve e fala como um político boquirroto, movido tão sòmente pelo ódio e fome de poder. Ele e Gilmar Mendes fazem o discurso de Aécio; são ainda mais arrogantes, despudorados e grosseiros. Aécio é apenas político (e muito ruim); mas Carlos Sampaio, que hoje exerce mandato como deputado federal, é promotor licenciado; e GM é ministro do STF, embora sempre atue como político oligarca do PSDB. O discurso político de Carlos Sampaio demonstra que se trata de uma tentativa sórdida de Golpe de Estado. Recomendo a ele que leia ‘O Brasil privatizado’, de Aloysio Biondi, ‘A privataria tucana’, de Amaury ribeiro Jr. e ‘O príncipe da privataria’, de Palmério Dória, para que ele se lembre de qual governo e partido arruinaram o Brasil. Para que ele não diga bobagens e bravatas, sugiro que leia os estudos do professor Jessé Souza, expostos nos livros ‘A ralé brasileira: quem é e como vive’ e no recém-lançado ‘A tolice da inteligência brasileira’. Se ele ler e compreender o que está nesses livros, talvez contenha a verborragia e pare de dizer besteiras indignas até do mais reacionário e incompetente estudante, que tenha sido reprovado no primeiro semestre da faculdade de direito.
Apesar da incompetência administrativa da presidente, maior motivo da proliferação do golpe, pois claramente se cercou de incompetentes e traidores e pior, péssimos adiministradores, ninguem realmente entende algumas das suas insistências em não mudar.
Nunca tivemos um Ministro da Justiça tão omisso e incompetente. Esconde – se numa premissa republicanista para se omitir perante uma polícia federal totalmente politizada ( fruto do seu des servico publico) e em alguns casos, como a PF do Parana mais que isso, criminosa.
Inexistência também de qualquer articulação política inteligente que barre e demonstre publicamente, cobrando uma atitude enérgica dos órgãos públicos e da mídia , do que o Sr Cunha vem fazendo achincalhando o país na cara do governo.
Permite da mesma forma uma manobra da mídia podre desse país , também justificando que se tenha “uma mídia sem censura no Brasil” porém não se trata disso e sim uso de divulgação em massa para um povo no qual acredita em tudo que lê e vê sem contestação, também criminosamente e seletivista de informações.
No campo governamental também não vemos nenhuma ação concreta e forte para controlar a crise econômica. Tão pouco a crise institucional.
Portanto, por esses motivos, chegamos ao ponto que estamos : Total descontrole político econômico e institucional , ‘e um salve – se quem puder o Brasil de hoje.
Portanto a culpa dessa zona ‘e sim do PT , da Dilma e de seu governo. Quem não tem competência não se estabelece.
Mesmo assim na democracia, o mandato ‘e dela sim. E tem que se respeitar. Da próxima vez, vote coinsciente, dai entenderá que não adianta tentar tirar a força depois. Assim que funciona. Simples assim. Ou então periga voltarmos a tempos sombrios no qual já achávamos que tínhamos superado.
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