Foi, sem dúvida uma vitória. Apesar dos 303 votos a favor, insuficientes para que passasse a emenda constitucional. O placar demonstra que a maioria conservadora da Câmara, capitaneada por Eduardo Cunha, que a preside mais como pasto evangélico reacionário do que como parlamentar democrata, não pode tudo como pensam que podem. A sociedade do bem, quando se une, consegue se sobrepor àqueles que defendem o retrocesso,
Ganhou a democracia, o bom senso, a civilidade. “A razão venceu o ódio”, como disse o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), no artigo que reproduzimos abaixo.
Perderam aqueles que vêem nas prisões e no encarceramento de menores a solução dos problemas que resultam de uma falta maior: a educação de qualidade para todos, o acesso à cultura e aos direitos como cidadãos, principalmente para os mais carentes.
Mas a vitória nessa questão não nos permite baixar a guarda.
A luta continua e o seu maior objetivo deve ser “por educação de qualidade, oportunidades, cultura e vida para crianças e jovens. E, claro, justiça para todos. Com o fim da impunidade para – e em especial – os maiores de idade que subtraem os direitos do povo e dinheiro público”, repetindo o que escreveu o também deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ).
Abaixo reproduzo os textos dos dois deputados fluminenses analisando o resultado da votação que terminou na madrugada desta quarta-feira, 01 de julho.
A tentativa demagógica reacionária de Eduardo Cunha e sua “base aliada”— composta pelas bancadas do boi, da bíblia e da bala, o baixo clero dos partidos fisiologistas e corruptos e a ultra-direita — de usar o medo à insegurança pública para reduzir a maioridade penal, por incrível que pareça, foi derrotada hoje no plenário!
Cunha perdeu!
Felizmente, a sensatez venceu o fascismo e seus discursos de ódio, aumento do estado penal, criminalização da pobreza e da juventude, militarização da sociedade e políticas de guerra. A insegurança pública é um problema profundo e complexo que requer soluções sérias e não medidas propagandísticas — cuja ineficácia e prejudicialidade já foram comprovadas em diferentes lugares do mundo — como a que estava hoje em debate, cujas consequências teriam sido catastróficas.
O lugar de crianças e adolescentes não é nos presídios, mas nas escolas, e isso foi, felizmente, compreendido por muitos deputados e deputadas. Apesar do autoritarismo de Cunha, da repressão policial que vivemos mesmo dentro do Congresso, tendo que respirar gás lacrimogêneo e intervir para parar a violência contra manifestantes, finalmente a sensatez triunfou.
Não foi fácil e não foi, apenas, uma vitória nossa, dos e das parlamentares de diferentes partidos que defendemos os direitos humanos. Sem a mobilização e pressão social, nós teríamos sido derrotados, e essa é uma lição da qual devemos aprender. Vencemos porque dezenas de movimentos sociais, coletivos culturais, entidades representativas de estudantes, trabalhador@s, organizações de direitos humanos, artistas, jovens e milhares de pessoas se articularam, nas ruas e nas redes sociais, e fizeram uma campanha pedagógica, séria, com argumentos, dados, informação e muita honestidade intelectual, para convencer uma parcela importante da Câmara de que a redução não era solução, impedindo que Cunha alcançasse os 308 votos necessários para aprovar a PEC 171. Quando começou esta batalha, tudo parecia anunciar que seríamos derrotados, mas a persistência, a inteligência e o esforço de muita gente nos ajudaram a mudar esse quadro. A unidade de diferentes setores da sociedade — que incluiu atores tão diversos como o parte do movimento LGBT e a igreja católica — também foi fundamental.
Essa vitória prova que a tal “onda conservadora” pode ser derrotada. Muitas vezes, o que parece ser um consenso reacionário é, na verdade, falta de debate, de apresentação de diferentes pontos de vista, argumentos e dados, e incapacidade do nosso lado para se articular e ser eficaz no enfrentamento de um fascismo que perdeu a modéstia e se aproveita do medo, da insatisfação, do senso comum, da desinformação promovida por parte da mídia e da falta de uma educação de qualidade, para impor uma agenda de retrocessos. Mas não são invencíveis. Dessa vez, tod@s nós fizemos o dever de casa e provamos que é possível derrotá-los.
Ainda falta, contudo, percorrer um longo caminho. Hoje devemos celebrar, mas amanhã temos que continuar trabalhando.
A redução da maioridade penal foi rejeitada, e agora cabe a nós avançar num debate sério sobre as autênticas soluções ao problema da insegurança pública. Precisamos colocar com força na agenda política a desmilitarização da polícia e da vida das favelas e das periferias, a legalização das drogas e o fim da política de guerra que não para de matar e encarcerar a juventude pobre e negra. Precisamos combater o racismo institucional e a criminalização da juventude e da pobreza. Precisamos cobrar um debate nacional profundo sobre a educação pública de qualidade que o Brasil precisa e hoje não tem, e isso significa também discutir prioridades orçamentárias, numa conjuntura em que a resposta do governo à crise econômica é fazer ajuste na educação para garantir o superávit primário. Precisamos colocar em discussão uma mudança radical na concepção de cidades atualmente imperante, que divide o território em dois e deixa a metade mais pobre destituída de cidadania, de saúde, de educação, de transporte público de qualidade, de oportunidades de trabalho digno, de acesso à cultura e às artes. Precisamos mudar o modelo econômico e social que gera essa sociedade cada vez mais violenta.
A insegurança pública não vai ser reduzida magicamente, da noite para o dia, com leis penais e mais polícia. Esse tipo de “solução” é uma mentira. Não funciona em nenhum lugar do mundo. E é uma maneira desumana e egoísta de encarar o problema. A violência e a insegurança não vão ser reduzidas senão como consequência da redução da desigualdade, da ampliação da cidadania e da garantia de direitos e oportunidades de viver uma vida digna.
Redução não é solução, mas há soluções.
Há soluções que demandarão tempo, dinheiro e políticas de curto, médio e longo prazo. E se não quisermos que a demagogia punitiva e o pesadelo orwelliano se imponham no futuro, precisamos encarar o problema de fundo com soluções de fundo. Não apenas para vivermos mais segur@s, mas principalmente para vivermos numa sociedade mais justa.
Não adiantou a apelação, a pressão, o obscurantismo da visão, o discurso cansativo e retrógrado de que “cadeia é a solução”.
Os que priorizavam os jovens no banco dos réus e não nos bancos escolares não conseguiram aprovar a Emenda Constitucional da redução da Maioridade Penal. Foi com luta, com suor e muita disposição desses jovens, desses estudantes, dessa geração que ainda pode mudar essa situação medonha que nos circunda.
Agora é continuar a luta por educação de qualidade, oportunidades, cultura e vida para crianças e jovens. E, claro, justiça para todos. Com o fim da impunidade para – e em especial – os maiores de idade que subtraem os direitos do povo e dinheiro público.
O plenário da Câmara dos Deputados (finalmente) impediu retrocessos perigosos contra a democracia. Acabamos de derrotar, com o auxílio aguerrido dos Estudantes e Jovens, a pauta conservadora.
Que venham mais (vitórias).