Há quem diga que a loucura entorpece a mente “sã”. Há quem diga que o enlouquecer é capaz de quebrar a capacidade de ajustamento humano à realidade. Mas, eu pergunto o que seria uma mente “sã” e uma mente “louca”? Quantos indivíduos “sãos” agem de forma ordenada e matreira? Quantas mentes “saudáveis” são ardilosas na busca dos seus desejos?
Egolatria, vaidade, corrupção e preconceito são características de muitos que são ditos “normais”. Egos inflados e repletos de artimanhas povoam a mente de vários “saudáveis”. Nesse contexto, há uma dúvida metafísica: o quão “louco” é uma mente saudável e o quanto de saúde existe na “loucura”?
De tanto conviver com pessoas que sofrem em face das suas mentes adoentadas, eu confesso que prefiro muito mais elas aos ditos “sãos”. A mente doente e fragmentada permite a interação de afetos até por que o interesse na relação não se pauta por ganhos subliminares – algo tão comum das mentes “saudáveis”. É na dor e na desorganização que você perceberá muita bondade e inúmeras qualidades.
Não me interpretem mal. Não estou aqui a vangloriar o “enlouquecer”, mas de forma altiva afirmo: aqueles que estão acometidos por sofrimento mental me passam mais segurança do que os que nunca frequentaram consultórios psiquiátricos e psicoterápicos.
É na dor de uma mente repartida que você poderá perceber a essência humana na busca constante do equilíbrio. Por isso, eu sou um ácido crítico a todo espaço, a toda relação e a todo tratamento que acorrentam portadores de doença mental. Entendam esse acorrentar não somente da forma concreta. Extrapole ao sentido figurado. Portanto, tudo que limitar sonhos e possibilidades acorrentará.
E quem são os responsáveis por essas amarras e correntes? Seriam os “loucos” internados ou os “sãos” dessa sociedade “sadia”?
A “loucura” é mais do que um constructo neuroquímico. Ela é dinâmica e ampla. Esse “enlouquecer” do humano expõe a perversão de incontáveis “saudáveis”. Diversos “sãos” usam da fragilidade alheia em benefício próprio. Daí, ser “são” é uma perdição e ser “louco” é muito mais digno. Em decorrência disso, eu prefiro estar entre os “loucos”, pois, assim, poderei ser alguém mais “saudável”. No meio deles, eu poderei entender cada dia mais a minha loucura e frearei esse lado humano de oportunismo “são”.
Olhar para tudo isso desgasta. Pensar a respeito machuca. Essa sociedade acaba por nos cansar. Uma sociedade de falsa saúde. Uma sociedade com “saudáveis” mentirosos que buscam ostentar uma saúde inexistente e que rotulam os “loucos” ao bel prazer. Não há nada mais doente do que um “falso saudável” tentando postular o que estaria certo ou errado nesse mundo.
Diante de tudo isso, questiono-me como lidarei com essa realidade e termino esse artigo com uma reflexão: tu és “louco” ou “saudável”?
Leia, do mesmo autor: Liberação da Maconha: O CREMESP ensinando a não ser medieval
*Régis Eric Maia Barros – Médico Psiquiatra (Brasília/DF), Associado Titular da Associação Brasileira de Psiquiatria e Mestre e Doutor em Saúde Mental pela FMRP-USP
4 Comentários
JORNALISTA DE MG CRUELMENTE PERSEGUIDO POR AÉCIO COMEÇA A CONTAR O QUE QUERIA DENUNCIAR MAS FOI ATÉ PRESO E CORREU RISCO DE MORTE:
http://jornalggn.com.br/notici…
Crônica inteligente, sensível… e muito necessária, num momento em que os ditos ‘sãos’, os que integram a grande massa, são tomados pelo ódio que cega, mas se consideram cheios de razão.
Conseguem deturpar a sanidade. Lavagem cerebral em massa? Quanto aos outros não sei dizer mas, com certeza eu quero ser muito são e nesta sociedade deturpada e alienada, quero ser “louco”!
[…] Fonte: A mente “sã” | Marcelo Auler […]