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Marcelo Auler (*)

Nada mais sintomático do que o último movimento deste (des)governo de Jair Bolsonaro. Às vésperas do Ano Novo, ele simplesmente desiste do que havia planejado, deixa o litoral baiano e retorna a Brasília, onde abandonara a mulher para passar sozinho o réveillon..

Algo de menor importância – o final de ano de um presidente da República. Mas uma significativa demonstração do vai e vem em decisões com as quais passamos a conviver nesse (des)governo a que os brasileiros foram submetidos nos últimos 12 meses. Um período que muitos desejariam apagar no tempo, tal os desatinos que os bolsonaristas provocaram, sob aplauso de alguns e o silêncio cúmplice de muitos.

Por tais motivos ganha um relevo especial a mensagem expedida por senhoras mineiras que formam o Coletivo Linhas do Horizonte. As conheci há dois anos, no final de 1997, quando descobri a forma sui generis que elas encontraram para protestar – bordando. Descoberta que registrei aqui no blog em Linhas do Horizonte: protestos bordados com arte. De lá para cá nos vimos pouco, mas permaneceu o contato, em especial com Leda Leonel, uma de suas fundadoras. Com um seu bordado ela manda a palavra de ordem para todos em 2020: Resistência.

Uma resistência que paulatinamente cresce e aparece, ainda que não no ritmo que muitos desejam. Algo que está sendo construído aos poucos, a cada descalabro que assistimos. às vezes partindo das próprias instituições, que bem ou mal têm funcionado. Em outros casos, por iniciativas isoladas, individuais. Ainda que muitos permaneçam passivos, como bem registrou Helena Chagas no seu artigo desta terça-feira (31/12) – O bolsonarismo e a banalização do mal.

Diz ela: “Foram 12 meses surpreendentes, e o comportamento do presidente da República — a instabilidade, a insensatez, os recuos decisórios, a brutalidade virtual dos filhos e o palavreado — deveria ser, para a maioria, o mais espantoso. Não é. O que se destaca, nessa virada do primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, é a passividade da maioria dos brasileiros — o que pode parecer um paradoxo diante da radicalização que vemos nas redes e nos nichos mais truculentos“.

Helena Chagas foi até econômica ao relacionar os despropósitos que o governo Bolsonaro provocou. Nem podia ser diferente, do contrário extrapolaria o tamanho de seus artigos. Falou, genericamente, do desmantelamento da educação, da saúde e da cultura. Lembrou o esvaziamento dos programas sociais, destacou o crescimento da pobreza – que hoje assistimos a olhos nus pelas calçadas das cidades -, e do desmantelamento dos empregos formais.

Deixou de lado pontos específicas – como o fim de programas como Mais Médicos -, ou mesmo a intolerância com os diferentes – notadamente ao se tratar de questões de gênero, raça e sexualidade. Esqueceu ainda o desastre da nossa diplomacia e sequer tocou em outro grande drama com o qual nos desmoralizamos mundialmente: os ataques ao meio ambiente.

Um drama muito bem destacado pelo melhor jornalista que conheço nessa área, André Trigueiro. Alguém que como poucos hoje em dia domina o assunto, por ter uma vida profissional dedicada ao mesmo. E ele está longe de poder ser chamado de “petralha”.

Na sua mensagem de fim de ano que enviou aos amigos – a qual, com sua autorização, reproduzo abaixo – faz uma retrospectiva do que foi o pior ano para a área ambiental do Brasil. Algo lastimável, não apenas por tragédias como Brumadinho, que poderiam ser evitadas, mas também por ações e omissões do (des)governo Bolsonaro.

Na mensagem ele não recorre à palavra “Resistência”. Mas deixa claro que será isso que teremos que fazer, quando conclui que, nesse novo ano, “A luta em defesa do meio ambiente continua”. Uma luta que deve ser travada – e não apenas nas questões ambientais – para evitarmos chegar a dezembro de 2020 contabilizando novos retrocessos.

Uma resistência que muitos desejariam ver nas ruas, em grandes manifestações. O que talvez possa vir a ser construído. Mas que não se deve esperar para começarmos arregaçar as mangas. Cada qual no seu pedaço. Afinal, através de iniciativas isoladas alguns desatinos foram barrados.

Como o caso do advogado cearense Hélio de Sousa Costa, que com ação popular impediu a nomeação do racista Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Palmares. Ou o exemplo do também advogado José Antônio Seixas da Silva, de Magé, município da região metropolitana da capital fluminense. Com outra ação popular impediu a Prefeitura do Rio de transformar áreas da areia da praia de Copacabana em reduto dos endinheirado, na festa popular do réveillon.

Verdade que na tarde deste dia 31, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, alegando que a proibição dos “chiqueirinhos” poderia trazer grande lesão à ordem pública em uma festa com milhões de pessoas, liberou-os novamente. Isso, porém, não invalida a tentativa do advogado José Antonio em resistir, pois continua sendo afronta parte da areia de uma praia ser usada por quem der dinheiro ao quiosqueiro. Que então liberassem a área, sem cobrança de couvert, para quem quisesse consumir.

Se é certo que nem todos conseguirão ir à justiça derrubar arbitrariedades das nossas ditas autoridades, não é difícil lembrar que há ações mais fáceis de serem executadas. Como a pressão junto aos congressistas para rejeitarem projetos do governo que atropelam a nossa ainda jovem democracia.

O que pode ser feito, por exemplo, a favor da rejeição de Medidas Provisórias, tal como a 905, de 11 de novembro de 2019, que provoca novas alterações na legislação trabalhista, sem que se explique qual a urgência dela para não ser debatida, democraticamente, como um projeto de lei. A única pressa visível é a de atender patrões e empresários, aumentando seus ganhos.

O mesmo vale para a MP 914/2019, editada por Bolsonaro em pleno dia 24 de dezembro, modificando as regras de eleição dos reitores de universidades e de institutos federais. A medida, por si só, já é uma ameaça à democracia através da interferência na autonomia universitária. Ainda que discordando da iniciativa, cabe mais uma vez questionar: qual a urgência para o assunto não ser debatido mais amplamente no Congresso por projeto de lei?

Aliás, o próprio Trigueiro vire e mexe mostra que há iniciativas, isoladas ou conjuntas, que acabaram ajudando a minorar as questões ecológicas. Como a mobilização do povo petropolitano que conseguiu tirar de circulação as charretes puxadas por cavalos esquálidos/depauperados que serviam a turistas na cidade imperial fluminense. Só mais um, entre vários exemplos, do que pequenas mobilizações – muitas vezes surgidas de atos individuais – nos permitem avançar.

Experiências que demonstram que para enfrentarmos (des)governo como o de Bolsonaro – e não apenas o dele, mas também os estaduais e municipais – temos, portanto, que resistir, como sugerem as bordadeiras de Belo Horizonte.

Uma resistência que não depende da convocação para grandes atos e manifestações. Que deve ser iniciada com a conscientização pessoal de cada um e prosseguir em iniciativas, individuais e/ou coletivas, de formas distintas, em espaços diversos. Só assim sairemos do imobilismo (a passividade que choca Helena Chagas) e estaremos evitando que no final de 2020 estejamos lamentando novas perdas e derrotas. Novos retrocessos no nosso caminhar.

Bom Ano Novo a todas e todos. Com muita Resistência.

Segue, abaixo, o vídeo com a belíssima retrospectiva de Trigueiro.

 

(*) Matéria reeditada às 15H11 do dia 31 para acréscimo de informação

 

 

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1 Comentário

  1. Sílvia Pompéia disse:

    Resistência – com Ciência (bom nível de informação), Paciência e Persistência.
    Você tem ajudado nisso, Marcelo!
    Parabéns.

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