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A obsessão do “combate” à corrupção e seus estragos na sociedade brasileira

Eugênio José Guilherme de Aragão (*)

Charge de  (ConexãoPB.com.br)

Charge de (ConexãoPB.com.br)

Recente levantamento estatístico patrocinado pela Fundação Perseu Abramo dá conta de que, tanto entre os que se qualificam de esquerda, quanto entre os que se querem à direita do espectro político, têm na corrupção o principal problema nacional.

De fato, a apropriação privada ou partidária de ativos sociais, quando se torna hábito disseminado no espaço público, é um fator de desestabilização da governabilidade, pois impõe permanente desvio de foco da gestão: ao invés de investir de forma otimizada nas políticas públicas, órgãos do Estado passam a contemplar demandas patrimoniais de forças particulares que lhe garantam governar.

Há substancial perda de ativos e de capacidade de formulação de programas com o desvio de recursos públicos. Há, também, a corrosão da ética na gestão, pois a banalização da apropriação privada das receitas gera o descolamento dos administradores do interesse público e dos valores que dele decorrem.

Ninguém nega que o impacto daquilo que se convencionou chamar de “corrupção” é profundamente deletério para o funcionamento das instituições e para a qualidade de governação.

Charge de SponHolz.arq.br

Charge de SponHolz.arq.br

Nenhum governo fez mais que os sob a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff para equipar os órgãos de repressão, investigação, acusação e de jurisdição para enfrentarem o fenômeno.

Além de mudanças legislativas, podem ser mencionados o reforço das competências da CGU, da Receita Federal e do COAF e o estabelecimento de um foro permanente das autoridades incumbidas, a chamada ENCCLA, ou “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Ativos”. Foi esse foro que gestou, dentre muitas outras iniciativas, a Lei n° 12.850, de 2013, que trata do enfrentamento das organizações criminosas.

Coisa outra é, porém, destruir, com intenção de “combater” a corrupção, além dos esquemas de distribuição dos recursos desviados, a própria democracia, suas instituições e a base econômica da Nação.

É como se usasse um obus para matar um mosquito, tornando o dano colateral infinitamente maior que o provocado com a pretensa neutralização do alvo.

Há, hoje ainda, entre nós, uma supervalorização da agenda de “combate” à corrupção, que é, no mínimo, tão prejudicial ao País, quanto a corrupção em si. Temos um sério problema de proporcionalidade.

Na falta de outra agenda política mais consistente para mobilizar massas, a direita política investiu nesta, com o objetivo de desgastar o governo da vez e, como um bumerangue, quando começou a faltar alvo na esquerda para as flechas do bambuzal do Janot, estas passaram a mirar a própria direita.

O resultado dessa guerra sem trégua tem sido a derrubada de um governo legitimamente eleito, que tudo fez para enfrentar a corrupção; a destruição maciça da indústria da construção civil e naval, da produção petrolífera, do parque energético nuclear; a venda de ativos do país a preço de banana para grupos econômicos estrangeiros; a submissão da indústria aeronáutica à tutela americana; o desemprego em massa; a falência das administrações estaduais e, sobretudo, a completa perda de credibilidade das instituições e da política. Um cenário de terra arrasada.

E não vêm dizer que isso tudo foi culpa da corrupção e não de seu “combate”, como meses atrás o fez o arqueiro Janot. A corrupção grassa entre nós desde aquilo que os brancos chamam de descoberta do Brasil. Faz parte da cultura por vezes hipócrita, por vezes cínica do gentil homo brasilis. E nem por isso passamos antes por aquilo que estamos experimentando em termos de decadência e desestruturação da estatalidade.

Charge extraída do Blog do Magno

Charge extraída do Blog do Magno

O problema central é que insistimos em ignorar a dinâmica corporativa que deforma a atuação de nossas instituições e que as torna presas fáceis da mídia e de agentes políticos e econômicos interesseiros. Meios de comunicação alimentam a vaidade das carreiras de instituições persecutórias e judiciárias com noticiário encomiástico, ao modo de que se segura, com vara de pescar, uma cenoura à frente do burro para que desempaque.

Cheias de brio, as corporações investem então nos alvos escolhidos pelos interesseiros. Num primeiro momento, atendem perfeitamente às suas expectativas. Mas, na sua ignorância, essa turma que enche de brios as carreiras, desconhece que, esgotado o alvo que escolheram, estas não têm como cessar o ataque que as prestigia.

Afinal, seu sucesso como corporação depende desse jogo arriscado de perseguição impactante de figuras públicas. É com ele que se catapultam para os píncaros da tabela remuneratória do serviço público. Por isso, os encomiastas terminam por se tornar presas das feras que alimentaram.

Agora, são as instituições persecutórias e judiciárias, sem qualquer legitimidade política, que arrancam para si a soberania e tornam o estado e a sociedade seus reféns. Quem as estimulou agiu como aprendiz de feiticeiro. Que nem no filme de Walt Disney, pretendeu que as vassouras lavassem o piso, mas as vassouras adquiriram dinâmica própria e inundaram a casa.

E eis nós aqui assistindo o Procurador-geral da República a se fazer de Guilherme Tell, cheio de flechas de bambu para atirar. Depois de esgotadas as maçãs, qualquer coisa serve. Pouco interessa que o Brasil todo se transforme em São Sebastião, contanto que a carreira dos arqueiros se mantenha na luz dos holofotes.

A justiça que tem alvo prévio é seletiva e justiça seletiva não é justiça. É instrumento de falsa lustração política.

É irrelevante se o alvo é de esquerda ou de direita. Qualquer que seja, é ilegítimo, pois não lhe cabe escolher. O espaço persecutório não é um bufê de iguarias corporativas para juízes, procuradores e delegados, com música de churrascaria de fim de semana, assim como o “combate” à corrupção não pode se converter numa festa cívica com direito a reco-reco e língua de sogra. Precisamos repor as coisas em seus lugares.

Para tanto, é prioritário que a sociedade se livre da obsessão do “combate” à corrupção. Desobsecar não significa abandonar.

A corrupção não é de ser “combatida” numa guerra contra tudo e contra todos, mas é de ser enfrentada racionalmente, não só por meios persecutórios, mas sobretudo com pensamento estratégico na formulação de políticas públicas e legislativas que tirem o oxigênio das más práticas – as corruptas, mas também, as abusivas de instituições desviadas de seu desenho constitucional.

Sim, porque o enfrentamento da corrupção só pode ser levado a sério como pauta, se, para além das aparências seletivas, se for a fundo em suas origens, muito mais do que na contemplação de sua aparência.Importa esclarecer que a corrupção é mais consequência do que causa.

Charge do Nani: HumorBlogspot.com

Charge do Nani: HumorBlogspot.com

As más práticas na contratação pública proliferam num ambiente não só de permissividade política, mas sobretudo de disfuncionalidades legislativas no tocante ao regime de financiamento dos partidos e das eleições; no tocante ao controle social da atividade política; no tocante à extrema burocratização de rotinas do poder de polícia administrativa e no tocante à baixa qualidade da gestão pública

Para começar, segundo dados levantados pela Controladoria-Geral da União, ainda no governo legítimo da Presidenta Dilma Rousseff, praticamente todos os municípios brasileiros padecem de sérios problemas de execução orçamentária, a maioria por desconhecimento das regras de contabilidade pública. Simplesmente, a maioria dos gestores locais desconhece as regras de como gastar dinheiro público, o que abre oportunidade para a rotina de desvios.

Os cargos eletivos são geralmente ocupados por pessoas indicadas por caciques políticos, com a clara missão de ordenhar as tetas orçamentárias para enriquecimento pessoal de seus poderosos chefões ou manutenção de redes clientelistas.

A maioria dos partidos que os sustentam sequer merece esse nome, pois não intermediam legitimamente interesses de setores da sociedade junto aos órgãos de formação da vontade política; servem apenas para perpetuar a hegemonia dos mandachuvas e manter relações de compadrio, o toma lá e dá cá.

Os atores partidários costumam desconhecer o estatuto e o programa de sua própria agremiação, simplesmente porque esses documentos não têm valor nenhum no dia a dia da atividade do partido. E ninguém se preocupa com a democracia interna. Por isso se constata tanto desamor para com a externa.

De nada vale mexer só em sintomas dessas disfuncionalidades extensamente disseminadas, como a corrupção. Quem promete o tal “combate” persecutório para “extirpar” a corrupção da cultura política e administrativa está enganando a sociedade, pois nada extirpará. Seu discurso moralista serve apenas para mobilizar a opinião pública desinformada pela mídia comercial e que o apoia.

Cabe perguntar, aqui, a que serve essa cruzada moralista. E a resposta está a nosso redor.

O tal “combate” tirou o Brasil do ciclo virtuoso que se iniciou em 2003 e o projetou de volta aos tenebrosos tempos pré-constitucionais. De um país que era admirado em todo mundo por sua capacidade de incluir 40 milhões de “lumpen” na economia em breve tempo, passamos a ser vistos como o país do golpe debochado e cínico; o país das práticas corruptas em todos os escalões do governo; o país da destruição de políticas públicas e desrespeito a direitos humanos em geral, seja civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais.

Estamos desacreditados e destruídos. Só isso.

Mas, voltemos à negação de culpa pelas corporações das carreiras da persecução penal. A obsessão que incutiram na sociedade não lhes permite a autocrítica. Tendem a transferir a responsabilidade pelo desastre que provocaram a terceiros, de preferência os alvos de sua insana perseguição.

Os governos que mais os empoderaram são os que recebem agora seu dedo indicador. Estranha lógica argumentativa, que expõe toda a politicagem por detrás da trama corporativa.

Charge: SponHolz.arq.br

Charge: SponHolz.arq.br

O que menos percebem, os que têm sido levados pela euforia dessa guerra sem regras e sem trégua, é que o estado de direito sofreu um duro golpe, que amanhã poderá se voltar contra eles. A segurança jurídica nada mais vale. Ajustam-se as normas ao alvo selecionado. Se é do grupo dos que foram derrotados no golpe parlamentar, o tratamento é um, se for dos que estiveram à frente da fraude do impeachment, é outro.

Gilmar Mendes, que outrora já entendeu de interesse público a divulgação ilegal de áudios de interceptações curitibanas, hoje mostra indignação com os desvios dos lavajateiros. E seus colegas no STF assistem a esse teatro em silêncio e com obsequiosa omissão, como se concordando com o tratamento desigual.

Há quem, hoje, queira poupar ministros supremos da crítica, por entendê-la de má tática neste momento. Afinal, se há, entre eles, quem esteja, agora, batendo ou deixando bater no Ministério Público Federal, isso viria ao encontro da revisão dos abusos praticados contra todos. Ledo engano.

A revisão, se é que podemos qualificar como tal o movimento errático da jurisprudência, continua sendo para alguns, longe de se querer “reabilitar” publicamente todos os que foram vítimas da sanha corporativa. Se um ou outro dos deplorados anteriormente conseguiu pegar carona na nova onda crítica e se beneficiar com decisão favorável em excelso habeas corpus, que saiba que tal não foi porque se resolveu tomar jeito e reconhecer injustiças pretéritas, mas, apenas, porque se necessitou de insuspeito precedente, para, depois, beneficiar personagens do outro lado do rio.

Na primeira oportunidade, o iludido da margem de cá sofrerá novas intempéries persecutórias que serão acolhidas no judiciário sem qualquer indignação.

A sociedade dividida, sob bombardeio midiático, perde o sentido do ético e a confiança numa justiça imparcial.

moro_detonador_cherage_vitort-Cafezinho.com.br

Charge Vitor.T. (Caferzinho.com.br)

Uns, com cinismo, insistem em dar apoio aos lavajateiros, porque cumpriram o que deles esperavam no uso político e corporativo de seus instrumentos de atuação; outros, perdidos, sabem que o judiciário, de um modo geral, foi acessório à implantação desta que é a maior crise da república, mas teimam em acreditar que a reviravolta virá desses mesmos atores, agora incomodados com as flechas ministeriais lançadas sobre seus tradicionais aliados; enfim, há, ainda, quem jogou a toalha e fica de cócoras a chorar.

Nenhuma dessas atitudes é produtiva e nenhuma delas garantirá a volta à institucionalidade. É fundamental, neste momento de tormenta, segurar firme no timão, não deixar se levar pelo relativismo ético, não buscar atalhos oportunistas e nem se desesperar.

Para os que se deixaram levar pela euforia lavajateira e hoje se contorcem com dúvidas atrozes, é bom lembrar que a desobsessão funciona como a retirada de uma droga.

Pode gerar sintomas de síndrome de abstinência, mas a certeza de estar do lado certo da história deve servir de guia, de norte, para quem quer continuar a navegar.

O antiético continua a ser antiético e por isso o inimigo de meu inimigo não se converte necessariamente em meu amigo.

E um insano continuará a ser um insano, mesmo que insista em lhe dizer que é são. Acreditar na luta e no seu valor é fundamental para que, no virar da história, possamos divisar entre os que se deixaram levar pela obsessão e se entregaram ao golpe contra o Brasil e os que nele acreditaram e continuam a acreditar.

Nunca é tarde demais para desobsecar e lutar.

(*) Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff,subprocurador-geral da República aposentado, advogado e professor de Direito na UNB.

4 Comentários

  1. Fernando Andrade disse:

    Esse SponHolz é o maior reaça! As charges dele saem no Cláudio Humberto e no Noblat. Um texto de esquerda ilustrado com trabalhos de um chargista de direita?! Assim não dá…

  2. C.Poivre disse:

    Mais vergonha para a inércia dos brasileiros: Na Guatemala, NA GUATEMALA! o povo sai às ruas pedindo a renúncia do Temer de lá e o ladrão guatemalteco vai às cordas!

    http://www.telesurtv.net/news/Renuncia-de-ministros-La-crisis-constitucional-de-Guatemala-20170827-0028.html

  3. João de Paiva disse:

    Mais do que corrompido está o sistema de justiça – aí inclusos PF, MP e a maior parte do Judiciário. A chamada “Lava a Jato”, desde o início se mostrou uma Fraude Política; os agentes públicos envolvidos nessa ‘operação’ agem como se pertencentes a uma ORCRIM institucional, que é, de fato, a classificação correta para o conjunto desses cruzados lavajateiros.

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