Acreditem: nossa São Paulo também tem muita coisa boa que a gente nem fica sabendo. São tantas peças, filmes e shows em cartaz que ficamos perdidos diante desta variedade de ofertas. Não fosse o amigo Antonio Carlos Fester nos recomendar, com muito entusiasmo, dizendo que era imperdível, teríamos perdido a “Caravana Tonteria” comandada por Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto, um dos melhores espetáculos a que assistimos nos últimos tempos.
Sabia que a belíssima atriz Letícia também cantava, mas não tanto, e Fernando eu conhecia como ator de cinema, não como músico. No palco do Teatro Itália, lotado até a tampa, os dois dão um show de teatro musicado, cantando, dançando e encantando a platéia, acompanhados por músicos da melhor qualidade, em que se destaca o pianista Paulo Braga. Em cartaz desde 2014, quando estreou na Virada Cultural, a “Caravana” voltou agora para uma breve temporada, que termina no dia 28.
A cidade pode ser grande, mas o mundo é pequeno. Fernando é filho dos queridos amigos Ciça e Zélio Alves Pinto e tempos atrás se casou com Letícia, nossa colega dos grupos de oração. É impressionante a afinação dos dois no palco, não só nas músicas (tango, jazz, MPB), mas até nos figurinos de cabaré e nas bastas cabeleiras revoltas.
Estrela global, que poderia ficar no piloto automático dos sucessos em novelas, Letícia Sabatella resolveu arriscar a produzir o próprio espetáculo, e supera-se em cena, transbordando sensualidade e talento. Ao soltar a voz, sem medo nem economia, chega a lembrar nossas grandes atrizes cantantes, como Marília Pera e Bibi Ferreira. Sua interpretação da velha “Geni” do Chico é obra prima, uma verdadeira reinvenção desta música. Fernando Pinto surpreende como um multi-músico em que alterna violão, trompete, clarinete e até serrote.
Engraçado como os dois se transformam no palco, já que, na vida pessoal, são muito recatados, tímidos até. Tinha saído de casa meio ressabiado no sábado à noite, sem saber direito o que nos esperava, posto que ainda perambulavam pelas ruas os últimos blocos embriagados do Carnaval, mas ouvir os dois foi uma belíssima surpresa.
Encontramos o saguão do imponente Edifício Itália todo fechado por altos gradis de ferro, um cenário nada amigável. Só uma portinhola lateral ficou aberta para o teatro, guardada por dois seguranças. Como chegamos mais cedo, queria dar uma volta para tomar um café, mas o rapaz da bilheteria nos desaconselhou. “É melhor vocês ficarem por aqui mesmo porque lá fora a barra tá pesada”.
De fato, chega a ser assustadora a paisagem física e humana que vemos hoje nesta que já foi uma região chique do velho centro, na confluência da avenida Ipiranga com rua São Luís. Trôpegos, com garrafas e latas de bebidas nas mãos, e o pouco que restou das suas fantasias, jovens foliões caminham a esmo, não mostram nenhuma alegria. Em vez de cantar, como se fazia antigamente, apenas gritam. Não parece que estão saindo de alguma festa, mas de um desses protestos que acabam em quebra-quebra.
E foi exatamente isso que vimos na saída do teatro, um conflito generalizado na avenida Ipiranga, deixando assustado o motorista do táxi que conseguimos parar. Ele mal conseguia falar. Estas cenas da vida real acabaram dando ainda mais valor ao belo show que acabáramos de ver, breve sopro de encanto na noite paulistana. Procurando bem, ainda encontramos espaço para sonhar sem sair daqui.
Vida que segue.
* Editado originalmente no Balaio do Kotsccho
2 Comentários
Só assim mesmo, para sentir pelo menos, um gostinho da Cavana Tonteiria.
Valeu Marcelo !
E a Letícia está mais esplendorosa do que nunca !
[…] Já, história que um dia contarei aqui. Mas, ao reproduzir seu comentário na postagem – Um sopro no blog: “A Caravana Tonteira” lá em sampa – minha intenção não foi lhe roubar leitor, pois isso seria até pretensioso, mas […]