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Teixeira Heizer nos deixa; o jornalismo está acabando aos poucos

Marcelo Auler

Teixeira Heizer, um nome que marcou época no jornalismo brasileiro.

Teixeira Heizer, um nome que marcou época no jornalismo brasileiro.

Perdoem-me os coleguinhas mais novos, que estão nesta estrada há alguns anos, ou acabam de começar. Não sabemos, com todas as mudanças que a internet provocou e com os novos meios de informação por celulares, tablet, computadores, etc, qual o destino da velha e boa função de reportar. Hoje, repassar notícia e informação, qualquer cidadão repassa. Fazer reportagem, jornalismo de qualidade, já não se vê com tanta frequência como eu presenciei desde que comecei na carreira, em 1974, na Rádio Globo.

Mas, pouco a pouco, estamos vendo os grande profissionais que marcaram o jornalismo, com seus exemplos e o lidar com a profissão no dia-a-dia. De memória, lembro-me de José Luiz Alcântara, Carlos Lemos, e mais recentemente, o fotografo Luiz Carlos David, o qual, mais do que além de um excelente repórter fotográfico era um gentleman, além de comprometido com a categoria: foi um dos fundadores e, se não me engano, o primeiro presidente da Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do do Rio (AFORC-RJ).

Ontem à tarde o jornalismo esportivo em especial, mas o jornalismo como um todo, perdeu um grande mestre de muitas gerações. Na certidão, por estas loucuras da vida, chamava-se Hitler Teixeira Heizer. Mas, por motivos óbvios, escondeu o primeiro nome assinando H.Teixeira Heizer. Morreu aos 83 anos e deixou uma legião de amigos e, principalmente, “alunos”, da vida prática do jornalismo, das salas das faculdades de comunicação onde lecionou ou mesmo do Instituto São Marco, em Piratininga, região oceânica de Niterói (RJ).

No São Marcos, por exemplo, ele deu a formação básica de educação e de cidadania à hoje jornalista Clarissa Thomé, da sucursal carioca do Estado de S. Paulo, como ela descreve em um depoimento no Facebook, Foi na mesma escola que estudaram os filhos de Fernando Brito, segundo seu depoimento hoje no Tijolaço em: Teixeira Heizer, um pedaço da bondade no jornalismo que se vai (do site, retirei a foto acima). Transcrevo um pequeno trecho do depoimento de Clarissa acrescido de comentários que ela me fez.

“Tenho uma gratidão enorme por ele ter construído uma escola em que nos sentíamos acolhidas, antes de tudo. Por formar cidadãos (quem não lembra das passeatas na lagoa ou do debate sobre parlamentarismo/presidencialismo/monarquia? Até os Orleans e Bragança apareceram.). Havia período de campanha eleitoral, as chapas defendiam suas plataformas. Cada aluno tinha um título de eleitor, que deveria ser guardado. A cada ano ganhávamos um carimbinho para mostrar que tínhamos votado. Isso em uma época em que o presidente do país era escolhido por eleição indiretaEle nos dava autonomia – menos quando a gente queria fazer greve. Aí ele ligava pra nossa mãe pra reclamar…”

Como jamais cobri esporte – uma falha – e não tendo trabalhado em uma mesma redação com Teixeira Heizar, o conheci e convivi e bares e reuniões de jornalistas, notadamente no Sindicato e na ABI, quando estes conseguiam atrair os profissionais da categoria. Mas, conhecendo a importância dele no jornalismo, corri atrás de quem poderia me falar a respeito, José Trajano que, além das muitas qualidades, tem uma que divido com ele: torcedor do América Futebol Clube. É dele que trago este depoimento sobre a figura do Teixeira. Curiosamente, ele falou mais do cidadão do que do jornalista em si:

José Trajano

José Trajano

O Teixeira iniciou a carreira dele como locutor de futebol, repórter de rádio. Tinha uma voz linda, maravilhosa. Não só a voz maravilhosa, como tinha um porte muito bonito. O Teixeira era um galã. O Teixeira conquistou grandes corações, por exemplo, ele foi namorado da grande atriz Glauce Rocha. Isso eu até gostaria de ter aprendido com ele.

O início dele foi no rádio. No Rio de Janeiro (Teixeira nasceu em 16 de dezembro de 1932, no Rio de Janeiro). Ele sempre foi muito ligado ao Fluminense. As grandes amizades dele eram aqueles jogadores antigos, como o Tele Santana. Ele sempre viveu em torno do Fluminense. Mas a voz  e o nome eram inconfundíveis: aquele nome “Teixeira Heizer”.

Com o tempo ele entrou na escrita. Lembro que ele marcou muito como o coordenador de esportes da grande sucursal do Estadão, no Rio de Janeiro. Época em que a sucursal era dirigida pelo Villas Boas Correa. Era uma sucursal e tanto”.

Teixeira passou pelos jornais  Diário da Noite, Diário de Notícias, Última Hora, O Dia, as revistas Placar, Veja e a sucursal de O Estado de S. Paulo. Recebeu o crachá 001, da Rede Globo, em 1964, onde também coordenou a cobertura esportiva. Atualmente era comentarista do Sport TV. Retirou do site do Sport TV o registro:

“A primeira partida de futebol transmitida pela Globo foi planejada por Heizer em 1965. O jogo realizado no Maracanã entre a seleção brasileira e a União Soviética foi gravado em filmes, enviado para a emissora e montado rapidamente. O jornalista narrou por cima das imagens editadas e o evento foi exibido pouco depois do seu início”.

“Ele se caracterizou muito pela lealdade, continua Trajano. Era um cara que sempre manteve a equipe muito unida, brigando pela turma. Sempre um cara muito querido. Talvez por ser até  mais velho do que a maioria dos que trabalhavam com ele, passou a ser a referência de um cara leal, um sujeito que podia passar boas coisas para os outros. Então, sempre foi tido assim como uma espécie de um mestre.

Clarissa Thomé: "Teixeira Heizer bem que tentava manter o calendário de aulas. Mas a gente resistia um pouquinho".

Clarissa Thomé: “Teixeira Heizer bem que tentava manter o calendário de aulas. Mas a gente resistia um pouquinho”.

Quando se falava do Teixeira, falava-se de boca cheia, com orgulho; ‘O Teixeira vem aí’; ‘O Teixeira está chegando’; ‘Vamos  encontrar o Teixeira’; Teixeira vai lançar um livro’. Ele sempre foi uma referência de boa coisa. Como amigo.

Em Niterói, a mulher dele, Alidéia (Alidéia Xavier Heizer. mãe dos dois filhos dele Marcus Heizer, que morreu aos 43 anos, em 2004, e Alda, que hoje cuida da mãe. Teve ainda seis netos e dois bisnetos) tinha uma escola – Instituto São Marcos –  em Piratininga, região oceânica de Niterói. O nome era uma homenagem ao filho, ainda vivo.

A escola era da mulher, mas teve uma época em que estava em crise e ele foi ajudar a tomar conta (foi desta época o bilhete ao lado, que a Clarissa Thomé citou e reproduziu no Face).

Quando a crise bateu,Teixeira Heizer se viu obrigado a repassar a escola. Como lembra Clarissa, a escola dividia-se em dois terrenos e ele poderia muito bem vende-la para o mercado imobiliário. Teria feito um bom pé de meia. Mas, preferiu manter o sonho de formar jovens e vendeu-a para um Grupo Educacional. Na época, despediu-se dos alunos com o bilhete que Clarissa guarda até hoje e reproduzimos abaixo. Voltamos ao Trajano:

No bilhete de despedida aos alunos a expectativa de que "o sonho não terminou". Reprodução cedida pela Clarissa Thomé.

No bilhete de despedida aos alunos a expectativa de que “o sonho não terminou”. Reprodução cedida pela Clarissa Thomé.

Ele comprou um sítio.  Esta é uma história boa. Ele me ajudou na campanha do Darci Ribeiro para governador (1986). Ele, o Álvaro Caldas, faziam parte do meu grupo na campanha do Darci (PDT) para governador. Ele então recebeu a gente para um churrasco. estávamos em campanha, andando pelo estado inteiro. Ele recebeu a gente para um churrasco no sítio, nas imediações de Friburgo (cidade serrana do Rio de Janeiro), dormimos inclusive lá.

O sítio tinha uma característica engraçada porque ele deu o nome, se não estou enganado, de Julio de Mesquita neto, em homenagem à indenização que recebeu do Estadão, ao ser demitido. Com o dinheiro da indenização do Estadão (Teixeira trabalhou 23 anos na sucursal de O Estado de S.Paulo no Rio) Ele fez isso de sacanagem. Com dinheiro da indenização do Estadão, mas era uma coisa jocosa, se ele não tivesse recebido esta grana do estadão, não teria comprado o sítio.

Na campanha do Darci, em 1986, teve outro fato curioso. Há muitos anos que ele não era locutor, narrador. Ele tinha aposentado este seu lado. Nós ganhamos um direito de resposta, não sei a troco de quê. Um direito de resposta contra o Moreira Franco (PMDB). Para ser exibido no horário eleitoral. Foi em cima do laço. Tinha que ser uma coisa ao vivo. Não era gravado. Caçamos o Teixeira, levamos ele para a então TV-E, o colocamos em uma cabine e ficamos esperando a hora de entrar ao vivo: ‘um, dois, três, vai Teixeira!’. Ele leu, com um vozeirão trêmulo, porque não fazia isso há muitos anos e era muito delicado. Saímos dali e fomos festejar no Lamas (Café e Bar Lamas, no Flamengo, Rio de Janeiro). Ele era habitué do Lamas.

Teixeira Heizer lançou se ultimo livro no Rio, em 5 de abril e dois dias depois teve a parada cardíaca.

Teixeira Heizer lançou se ultimo livro no Rio, em 5 de abril e dois dias depois teve a parada cardíaca.

Quando ele fez 80 anos, ele reuniu os amigos e eu fui lá… ele era muito boêmio, gostava de tomar cointreau. Ele reuniu os amigos na churrascaria Majórica, aquela que pegou fogo e está lá ainda (no bairro do Flamengo). Foi ali os 80 anos dele. Me lembro que estavam lá o Afonsinho, jogador. Estava o Álvaro Caldas….

A última coisa dele foi o lançamento do livro. Ele lançou o livro no Rio, no início de abril, e dois dias depois ele teve o problema do coração. Ele tem um livro o Jogo Bruto das Copas do Mundo. Apresentação do Villas Boas Correa. Ele me fez até uma dedicatória. ‘Para José Trajano, irmão de tantas redações e muitos bares,um buquê de histórias, algumas épicas, outras trágicas, das Copas que tanto nos emocionaram. Verão de 2005’.

Teixeira Heizer escreveu três livros, o citado por Trajano e  “Maracanazo – Tragédias e Epopeias de um Estádio com Alma”, lançado em 2010, em que conta suas memórias sobre a final da Copa do Mundo de 1950; e o mais recente A Outra História de Cada Um, lançado em 5 de abril de 2016, dois dias antes de sofrer um ataque cardíaco. Neste livro ele conta pequenas histórias de personagens com quem conviveu, de Apolônio de Carvalho a Zizinho.

O velório de Teixeira Heizer está ocorrendo nesta quarta-feira, no cemitério Parque da Colina, em Piratininga, Niterói, e o enterro será às 16h00.

4 Comentários

  1. Salve Salve, ótimo artigo parabéns

  2. C.Paoliello disse:

    Com base no fato de que um senador golpista, logo após o show de horrores da Câmara, dirigiu-se imediatamente aos EUA e lá procurou autoridades estadunidenses, não há como ignorar o possível nexo causal entre o desencadeamento do golpe e o possível envolvimento do país norte-americano nesse lamentável evento antidemocrático e anticonstitucional.
    Em vista disso sugiro que o Senado instale uma CPI para apurar a possível conexão entre os autores do golpe de Estado e o governo dos EUA. Não faltará apoio de senadores nacionalistas como Requião, e demais senadores do PT, do PCdoB, do PSOL, do PDT, da Rede e de outros partidos que teem um horizonte mais descortinado.

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