O Supremo Tribunal Federal (STF), pela sua 2ª Turma, decidiu, na terça-feira (25/04), soltar o ex-tesoureiro do Partido Popular, João Cláudio Genu – em prisão preventiva desde maio de 2016, em Curitiba-, e o pecuarista José Carlos Bumlai – preso em novembro de 2015, mas há cinco meses beneficiado com a prisão domiciliar. Os dois foram condenados em primeira instância na Operação Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro. As sentenças, porém, estão pendentes de revisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A decisão da 2ª turma, no entendimento de Elio Gaspari externado em suas colunas de domingo (30/04) na Folha e em O Globo, é “uma enorme derrota para a força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Federal que ralam na Lava Jato”. Mas, queira-se ou não, respeita as regras do jogo no estado Democrático de Direito.
Na sexta-feira, em um despacho individual, Gilmar Mendes revogou a ordem de prisão preventiva do juiz Marcelo Bretas, da Justiça Federal do Rio, contra o empresário Eike Fuhrken Batista da Silva. Ele estava recolhido em Bangu desde 30 de janeiro. Ao soltá-lo, entendeu que mesmo respondendo por graves acusações no âmbito da Lava Jato, seus atos foram praticados sem violência ou grave ameaça. Isto bastou para autorizar a substituição da prisão por medidas cautelares. Eike, desde domingo, cumpre prisão domiciliar na sua mansão no Jardim Botânico, zona Sul do Rio.
Independentemente de ser ou não derrota para a Lava Jato, cumpriu-se a regra do jogo, ditada pelo Supremo Tribunal. Tanto Mendes como seus pares que junto com ele somaram três votos a favor da libertação dos dois presos – Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski -, justificaram a decisão no fato de os réus, embora condenados por crimes graves, não terem tido suas condenações confirmadas em segundo grau. Pela recente jurisprudência do Supremo, os condenados já não devem aguardar o trânsito em julgado dos processos em liberdade. A confirmação da condenação na 2ª instância é suficiente para o início do cumprimento da pena. Mas, é preciso que haja esse segundo julgamento. Edson Fachin e Celso de Melo foram votos vencidos.
Se todos são iguais perante a lei, como dita a Constituição, a lei precisa valer para todos. Não apenas para uns. Portanto, nesta terça-feira (02/05), ao dar continuidade ao julgamento do Habeas Corpus impetrado pelo advogado Roberto Podval, a mesma 2ª turma do STF não terá como deixar de conceder a ordem em favor do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula e ex-presidente do PT, José Dirceu. Independentemente da reação pública ou a ser publicada pela grande mídia.
Preso desde agosto de 2015 – atualmente no o Complexo-Médico Penal em Pinhais, região metropolitana de Curitiba -, Dirceu foi condenado duas vezes pelo juiz Sérgio Moro. Na primeira, imposta em 18 de maio de 2016, pegou 20 anos e dez meses; na segunda, de março deste ano, mais 11 anos e três meses. Penas por si só consideradas absurdas por, entre outros motivos, se tratar de um preso com 71 anos completados em março passado. A ser cumprida na totalidade, tornam-se, na verdade, prisão perpétua, algo jamais admitido em nosso país. Teoricamente, Dirceu, hoje, está condenado a permanecer na cadeia até atingir 103 anos de idade.
Nada disso, porém, muda a situação do seu habeas corpus, cujo julgamento terá continuidade nesta terça-feira. Ele foi suspenso na sessão da 2ª Turma, na semana passada (25/04) para que o Ministério Público Federal (MPF) e a defesa do réu tivessem mais tempo para preparar suas sustentações orais.
Na ocasião, o relator do processo, Edson Fachin, manifestara-se contra a concessão da liberdade, usando os argumentos do juiz de primeira instância, Moro. Além de citar as provas de corrupção sistêmica na Petrobras, argumentou que Dirceu foi condenado na Ação Penal 470, o processo do mensalão, e voltou a cometer crimes, recebendo vantagens indevidas durante a tramitação daquele processo. “Não se revela suficiente a substituição da prisão por medidas cautelares”, disse o ministro.
A primeira prisão, do mensalão, são águas passadas, na medida em que foi cumprida. Legalmente não é justificativa para que a jurisprudência criada pelo STF não seja adotada. A segregação de Dirceu, sem uma condenação em segunda instância, não se justifica. Principalmente quando cai por terra a justificativa de prisão preventiva, como a possibilidade dele interferir em provas, coagir testemunhas ou pela necessidade da ordem pública.
No caso dele, ao contrário do que pode ocorrer, por exemplo, com Eike Batista, já não existe este risco. Os dois processos já foram julgados e os recursos, a partir da sentença, não admitem novas provas e novos testemunho. Desembargadores e ministros de tribunais superiores trabalham com o que já consta dos autos. Tampouco, em sã consciência, alguém dirá que ele é uma ameaça à ordem pública. Logo, Dirceu não é nenhum risco ao exercício da Justiça.
Justiça que deve ser exercida plenamente. Dirceu tem sim que responder pelo que fez e do que é acusado. Não pode ser tratado diferentemente, a não ser por conta da sua idade. Com mais de 70 anos, a lei permite um tratamento diferenciado. Mas, assim como ele não pode deixar de se explicar, não se pode também praticar uma perseguição judicial. Teoricamente prevalece a tese maior de que todos são inocentes até que se prove o contrário com uma decisão transitada em julgado.
O fato dele poder ser preso a partir de uma confirmação das sentenças em segunda instância – o que é algo bastante discutível, mas tornou-se regra do jogo neste estado policialesco em que estamos vivendo – não impede dele continuar sendo considerado “inocente” até o final da apreciação dos recursos que a lei – que vale para todos – lhe confere.
Dentro das regras do Estado Democrático de Direito e apesar de se saber que a chamada mídia conservadora tende a criticar bastante, o Supremo Tribunal Federal não tem outra saída: terá que libertar Zé Dirceu nesta terça-feira. Pode até lhe impor medidas cautelares, mas não mantê-lo preso.
Outro fator bastante subjetivo poderá pesar na decisão dos ministros – ou de alguns deles – embora jamais será explicitado. Como lembrou Elio Gaspari, desde fevereiro Mendes fala que o Supremo estava prestes a ter “um encontro marcado com essas alongadas prisões de Curitiba”. Na sua coluna, ele diz que o encontro aconteceu com a liberação de Genu – ele não citou o caso de Bumlai.
Pelo andar da carruagem, o encontro continuará no caso de Dirceu. Até por ser, aparentemente, uma garantia contra novas possíveis prisões que Moro, Bretas e juízes de primeira instância venham a decretar no bojo das centenas de inquérito=9 abertos a partir de delações premiadas. E neles já não estarão apenas petistas. Não se deve desprezar o fato de que algumas destas investigações atingirão altas plumagens da tucanada. Tudo junto e misturado, pode ser bastante conveniente para muitos. Mas, principalmente, para Zé Dirceu.