A aparentemente benéfica decisão do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de conceder a prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e à sua mulher Marcia Oliveira de Aguiar poderá se transformar em um grande transtorno ao casal.
Não por correrem qualquer risco de vida como alegou o ex-advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Foi a forma cínica de ele justificar a “gentileza” em abrigar o amigo e ex-assessor de Jair Bolsonaro, nos últimos meses, em suas residências espalhadas por cidades paulistas como Guarujá, São Paulo e Atibaia. Risco de vida, propriamente dito, nem Queiroz, nem Marcia aparentam correr.
Os transtornos, porém, serão outros. O primeiro deles é que Marcia, desaparecida desde a prisão do marido, no último dia 18 de junho, se verá obrigada a sair do esconderijo. Para que ela e o marido usufruam do polêmico benefício ofertado pelo ministro Noronha, deverá se apresentar na polícia para instalar sua tornozeleira.
Com isso, o Ministério Público do Rio de Janeiro poderá, finalmente, ouvi-la em depoimento, dando mais um passo no andamento do processo que continua sendo preparado. Processo esse que, certamente, gerará uma denúncia criminal, tão logo, em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) defina a pendenga em torno do foro privilegiado com o qual dois desembargadores fluminenses premiaram o hoje senador Flávio Bolsonaro.
Quando isso acontecer, muito provavelmente não apenas Queiroz, mas também Marcia e o próprio senador Flavio se tornarão réu em ação criminal. Algo nada agradável ao pai de Flávio, o presidente Jair Bolsonaro.
Da mesma forma, após o fim do recesso, o Habeas Corpus impetrado pelo novo advogado do ex-faz tudo dos Bolsonaros, Emílio Catta Pretta, chegará às mãos do ministro do STJ, Félix Fischer. Ele é o relator dos casos envolvendo as investigações em torno da rachadinhas ocorridas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio. Fischer poderá rever a decisão de Noronha ou leva-la à apreciação da 5ª Turma daquela corte.
O debate se dará em torno dos argumentos aos quais Noronha, aparentemente, sem levar em conta outras informações, se respaldou para beneficiar o casal com a prisão domiciliar. Como, por exemplo, o fato de Queiroz ser portador de um câncer de cólon e correr risco de contrair a Covid-19.
Da mesma forma a presunção de que a presença de Marcia “ao lado dele seja recomendável para lhe dispensar as atenções necessárias, visto que, enquanto estiver sob prisão domiciliar, estará privado do contato de quaisquer outras pessoas (salvo de profissionais da saúde que lhe prestem assistência e de seus advogados)”.
Tais argumentos soam pífios para quem viu os vídeos e fotos de Queiroz, durante sua estada na casa de Wassef, em Atibaia, tomando cerveja, preparando churrasco e até mesmo, ao lado de Marcia, comemorando o Réveillon de 2020, na presença de terceiros.
Ou quando se deslocou entre Guarujá, São Paulo, Atibaia, Rio de Janeiro e outras cidades durante o tempo em que permaneceu desaparecido. Estará mesmo necessitando de cuidados especiais?
São argumentos tão frágeis e contraditórios, uma vez que Noronha se posicionara contrário a liberar outros presos por conta da ameaça da pandemia, que acabam alimentando as suspeitas de interesses escusos, por detrás da liminar. Como o de agradar aos Bolsonaros e alimentar os sonhos de chegar ao Supremo Tribunal Federal.
Tudo isso permite prever uma possível revisão da decisão dentro do próprio STJ pois, como narra Rafael Moraes Moura, no Estadão – Decisão de Noronha a favor de mulher foragida de Queiroz é “muito rara”, dizem ministros do STJ – ao menos seis ministros criticam a decisão e admitem essa revisão.
A esta tendência soma-se a de o STF rever o foro especial dado ao caso, por dois desembargadores da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). Afinal, o Supremo já pacificou a impropriedade do foro privilegiado para casos como o do senador. Com isso, o processo retornará ao primeiro grau.
É certo que a denúncia do MP-RJ nesta investigação da rachadinha independe do surgimento de Marcia, de seu depoimento ou mesmo do foro onde ocorrerá a ação. Mas, aparentemente, os promotores fluminenses estão preferindo esperar pela definição deste foro para então apresenta-la. Ao fazê-lo, deverão incluir no rol de réus a responderem a ação penal todos os três – Flávio, Queiroz e Marcia, além de outros envolvidos no escândalo que desviou dinheiro público em favor do então deputado estadual.
Com o caso retornando ao primeiro grau, ou seja, na 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, caberá então ao juiz Flávio Itabaiana, o mesmo que decretou as prisões preventivas do casal, apreciar a denúncia. Ao fazê-lo, poderá encontrar novas justificativas para determinar novamente o recolhimento do casal a presídios. Isto, caso o STJ ainda não tenha revisto a decisão de Noronha.
Lembre-se que um dos principais motivos para a decretação das prisões preventivas foi o fato de o casal estar influenciado testemunhas e outros envolvidos nas investigações das rachadinhas. Mesmo que a decisão do presidente do STJ impeça aos dois, durante a prisão domiciliar, o acesso a telefones, celulares e internet, não há impedimento à convivência com as filhas. Hipoteticamente, portanto, recados poderão continuar sendo enviados.
O maior perigo para Queiroz é justamente ver seus familiares presos. Na possibilidade de uma nova decretação das prisões, como ele e Marcia estarão em casa e com tornozeleiras, as chances de fuga diminuem. Passará a conviver com o fato de a mulher estar recolhida a um presídio. Assim, o que hoje aparenta ser um benefício, amanhã pode se apresentar como um presente de grego:
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