Nos interrogatórios feitos na quarta-feira (06/12), do reitor, vice-reitora, ex-vices-reitoras, professores e servidores da Universidade Federal de Minas Gerais, a Polícia Federal buscou, através de algumas perguntas, relacionar o projeto do Memorial da Anistia Política que a universidade vem tocando, com o Memorial da Democracia que o Instituto Lula um dia pensou em fazer e acabou transformado em memorial virtual.
Os dois projetos tiveram a participação da historiadora e museóloga reconhecida, Heloísa Starling, ex-vice-reitora da UFMG. Ela coordena o projeto museográfico do Memorial da Anistia Política – MAP e participou das discussões em torno do Museu da Democracia. O Memorial Virtual da Democracia foi lançado oficialmente em ato realizado em Belo Horizonte no dia 10 de julho passado.
Heloísa, assim como os demais “conduzidos coercitivamente” à Polícia Federal, não está se manifestando a respeito por orientação dos advogados. Alegam, como admitiu um dos professores da universidade ao Blog, “prudência (na origem, prudentia: a melhor decisão em meio às circunstâncias de cada momento)”.
Uma “prudência” exagerada, uma vez que nada impede a Universidade de vir a público e detalhar a história do seu memorial sem correr o risco de estar vazando informações de processo sigiloso. Ao que parece, o medo a imobilizou, ainda que digam que não.
O Memorial da Democracia que o Instituto Lula pretendeu um dia fazer já gerou muita polêmica, bastante explorada na demonização do petismo. Na época do prefeito Gilberto Kassab à frente da prefeitura paulista, um terreno no centro de São Paulo foi doado para sediá-lo. Mas o Ministério Público ingressou com ação contra a doação.
Nas confusões criadas pela Lava Jato e pela imprensa em geral, envolveram um terreno que a Odebrecht queria negociar para o Instituto Lula fazer sua nova sede com a ideia do Memorial. Neste, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendia guardar o acervo que acumulou durante seus dois mandatos.
O terreno, porém, nunca pertenceu ao Instituto que continua na sua antiga sede, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. O Memorial, hoje, é totalmente virtual.
Motivações políticas – Nas avaliações feitas por membros da comunidade acadêmica da UFMG, a malfadada operação da Polícia Federal – maldosamente denominada de “Esperança Equilibrista” o que gerou críticas até dos autores da música “O Bêbado e a Equilibrista”, João Bosco e Aldir Blanc (leia no Tijolaço em João Bosco: Esperança equilibrista é da democracia, não de quem a trai) – passa a ser vista com três objetivos. Todas políticas.
O primeiro é de desmoralizar a uma das maiores universidades públicas federais do país, ao lado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Contra isso protestará junto ao ministro da Educação, Mendonça Filho, um grupo de deputados.
O segundo objetivo é o de impedir a conclusão do memorial que conterá o maior acervo documental da história da repressão na ditadura civil-militar que o país vivenciou entre 1964/1985. A direita, como de se esperar, não gosta da ideia.
Em Belo Horizonte já se comenta também que órgãos públicos cobiçam o prédio de quatro andares que está pronto, mas vazio, tal como mostramos na postagem BH na defesa da UFMG e do Memorial da Anistia.
Agora, já há quem relacione como terceira intenção envolver os trabalhos da universidade com o petismo. Foi o que os parlamentares que estiveram na UFMG na segunda-feira (11/12) ouviram em um encontro com alunos, professores e servidores.
Nesta quarta-feira (13/12), um grupo de parlamentares federais visitará, em Brasília, a presidente do Supremo tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia – ex-aluna do mestrado na UFMG, que já declarou que saiu da universidade, mas a universidade não saiu dela -, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o ministro da Educação, Mendonça Filho.
O grupo é encabeçado pelos três deputados mineiros – Margarida Salomão e Reginaldo Lopes, ambos do PT, além de Jô Moraes, do PCdoB – que, como membro da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, estiveram na UFMG com o reitor, Jaime Arturo Ramírez, e a vice-reitora, Sandra Goulart Almeida.
A eles se juntarão o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), que não conseguiu chegar a tempo da visita à Universidade e ainda Saraiva Felipe (PMDB-MG) e Celso Pansera (PMDB-RJ).
Truculências gratuitas – Nestes encontros o debate será em torno dos excessos que estão sendo cometidos contra as universidades públicas nas apurações de irregularidades, muitas vezes administrativas, com práticas não compatíveis com as regras legais. “O Brasil não vivia este espetáculo de prenderem alguém que jamais foi convocado a depor”, explicou a deputada Jô Moraes. Eles pedirão ainda à presidente do STF e à Procuradora-geral que limitem o uso da condução coercitiva ao que está previsto na legislação.
Os deputados poderão relatar o que ouviram na UFMG da comunidade acadêmica e até de parentes dos que foram conduzidos coercitivamente uma vez que, por medo de serem processados, o reitor e a vice-reitora não comentaram o que se passou dentro da Polícia Federal.
Mas, souberam que o delegado que esteve na casa do professor Ramirez estava nervoso e agitado pois, em uma demonstração da falha como a operação foi montada, a equipe desconhecia que o reitor mudara de residência por conta da sua separação. De forma grosseira e ameaçadora, segundo relatou a deputada Margarida, abordaram a ex-mulher do professor. Nas antigas operações da Polícia Federal todos os endereços eram atualizados e muitas vezes havia vigília para evitar surpresas.
Ao chegarem à nova residência, acabaram o derrubando ao empurrarem a porta com violência quando ele a abriu. Como já divulgou o JornalGGN em A invasão da casa do reitor da UFMG pela PF da Lava Jato, o reitor estava saindo do banho, enrolado na toalha. Pediu alguns minutos para se trocar, ma um dos policiais tentou negar – “Você não tem mais direito à privacidade, não, rapaz”. O reitor se impôs, “foi para o quarto sozinho e ainda conseguiu acalmar os policiais agitados“, no relato da deputada Margarida.
Na conversa dos políticos com a comunidade acadêmica que estava na Universidade, ficaram sabendo que além das tentativas de relacionarem o Memorial da Democracia, projeto do Instituto Lula com o Memorial da Anistia Política, a polícia federal questionou muito sobre os bolsistas que foram contratados para desenvolverem as pesquisas do material a ser apresentado no Memorial.
No relato dos parlamentares, os policiais chegaram a nominar os bolsistas querendo explicações do reitor e da vice-reitora sobre cada um deles, quando ambos sequer os conheciam por fugir às atribuições de seus cargos dentro de uma universidade.
Contraste gritante – A Inclusão do nome do professor Juarez Guimarães, cientista político reconhecido no meio acadêmico, como possível beneficiário de bolsas indevidas – conforme denunciamos aqui na postagem BH na defesa da UFMG e do Memorial da Anistia, certamente causará perplexidade no meio acadêmico e intelectual.
Responsável por parte das pesquisas que embasaram a montagem do acervo a ser exposto no MAP e membro do seu Conselho Curador como representante da UFMG, Guimarães recebeu bolsa de R$ 1.500 brutos mensais, por cerca de 20 meses, entre 2010 e 2014, relacionada à pesquisa que ele mesmo conduziu. Seu trabalho é mais do que reconhecido.
Há mais de 15 anos se debruça nos estudos sobre a corrupção no país e às propostas para combatê-la. Tem diversos livros publicados justamente sobre o respeito à coisa pública. Foi coordenador do programa de combate à corrupção da campanha do presidenciável Luis Inácio Lula da Silva, em 2002, e teve participação ativa nos grupos que sugeriram a criação da Controladoria Geral da União (CGU) e até do ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro.
Todo esse trabalho do qual participou, coincidentemente, está narrado no artigo “O PT e a corrupção – um testemunho institucional“, publicado na edição de Nº 78 (julho/agosto /setembro) da revista Inteligência.
“Isso é um contraste. Só se ele fosse outra pessoa, um hipócrita, o que não é o caso“, comentou Christian Edward Cyril Lynch, jurista, cientista político e editor da revista Inteligência, acrescentando:
“Ele está envolvido há anos em uma pesquisa sobre o Republicanismo, que é exatamente o contrário. Que é a defesa do alto padrão de moralidade pública, administrativa. Isso é um contraste. Ele e a professora Starling. É um trabalho dos dois. Se tiver alguma irregularidade pode ser uma questão administrativa em decorrência da interpretação da lei , de portarias. Mas não será crime”.
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