“Exortamos as autoridades federais do Brasil a fazer todo o possível para proteger os direitos dos manifestantes, líderes de movimentos sociais e líderes da oposição, como o ex-presidente Lula”.
O texto acima poderia ser de autoria de muitos brasileiros que alertam para o retorno do arbítrio, notadamente o policial, patrocinado por governos estaduais e federal. Ainda mais tendo vindo a público nesta quarta-feira, menos de 24 horas depois da arbitrária prisão do presidente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, aqui narrado em Boulos preso: o retorno ao arbítrio!
Mas, para surpresas de muitos, a frase, segundo informa Patrícia Campos Mello, no site da Folha de S. Paulo, consta de uma carta entregue, nesta quarta-feira (18/01), ao embaixador brasileiro em Washington, Sergio Amaral, por 12 deputados do Partido Democrata dos Estados Unidos. Na carta –Deputados americanos criticam Moro e defendem Lula em carta pública – eles ainda acusam o juiz Sergio Moro de perseguir Lula por meio de decisões “arbitrárias” e dizem que o governo de Michel Temer tem agido:
“para proteger figuras políticas corruptas, para impor uma série de políticas que nunca seriam apoiadas em uma eleição nacional e pressionar adversários nos movimentos sociais e nos partidos de oposição.”
A confirmação do arbítrio da prisão de Boulos é nítida. O vídeo que reproduzimos na matéria citada acima mostra quando ele negociava um retardamento na ordem de despejo, sem ser atendido pelos oficiais de Justiça. Teria faltado bom senso? Mas, outra prova inequívoca foi muito bem explorada quarta-feira, dia 18/01, pelo Fernando Brito, em seu blog – Tijolaço – a partir de uma notícia do Valor Econômico – Com a prisão de Boulos, “domínio do fato” chega ao guarda da esquina.
Como ele reproduziu, e nós o fazemos ao lado, no Boletim de Ocorrência da prisão de Boulous, em flagrante por desacato à ordem judicial, consta nada menos a tese da Teoria do Domínio do Fato, a mesma usada no julgamento de alguns político no caso do mensalão. Ou seja, tal como previu o vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, ao rejeitar o Ato Institucional nº 5, quando se cria leis, teses e teorias arbitrárias, o mau uso delas pode começar no guarda de trânsito da esquina. Diz o BO – 900010/2017 – da 49ª Delegacia Policial, no bairro de São Mateus, Zona Leste da capital paulista:
(…) “Daí verifica-se que por possuir toda esta representatividade, poderia sim Guilherme, caso fosse realmente de seu interesse, senão impedido, ao menos minorado a reação dos manifestantes contra os agentes do estado que ali se encontravam para cumprir ordem judicial
A esse tipo de comportamento por parte de Guilherme adotado, modernamente a doutrina o tem inserido na chamada TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO, segundo a qual o agente responde não por ter participado diretamente do comportamento delitivo, mas sim porque com sua conduta, emana ordens aos demais, ou até mesmo muito embora o pudesse fazer, não impede que o resultado criminoso se verificasse”.
Preso pelo que não fez – Alegaram que a ordem de despejo era do conhecimento dos moradores há uma semana. Mas, nestes mesmos sete dias, nem as autoridades do Judiciário, nem as do Executivo – municipal, estadual ou federal – preocuparam-se em arranjar um lugar para alojar mais de 3.000 pessoas, de cerca de 700 famílias, que ali residiam há anos. Nada fizeram, mas cobram do líder de um movimento que ele impedisse a reação popular. Como se os manifestantes, na eminência de ficarem desalojados, fossem atender qualquer apelo dele como verdadeiras vaquinhas de presépio.
O curioso é notar que pelo registro da ocorrência, Boulos foi preso – e responderá a um inquérito, que pode ou não resultar em processo, -, não pelo que fez, até porque os vídeos do dia da reintegração de posse mostram que ele negociava moderação aos oficiais de Justiça. Mas foi indiciado por aquilo que policiais – o guarda de trânsito da esquina a que se referiu Pedro Aleixo há quase 50 anos – arbitrariamente entendiam que ele poderia fazer, numa extensão do entendimento do Supremo Tribunal Federal da tal Teoria do Domínio do Fato.
Por tal motivo é que cai como uma luva as palavras dos 12 deputados Democratas dos Estados Unidos na carta encaminhada ao embaixador brasileiro em Washington. Ela, na verdade, tem o objetivo de protestar contra a perseguição a Lula – outra forma de arbítrio que vem sendo cometido pelo Judiciário que, para anular a liderança do ex-presidente da República, recorre a ilações e presunções, como mostramos em “Veja” deu pérola aos porcos!. Protestam ainda pelas medidas do governo Temer, que atingem os movimentos populares. Mas veio a público exatamente quando outra arbitrariedade foi cometida contra Movimentos Sociais, pelo governo paulista de Geraldo Alckmin.
No caso de Boulos, a arbitrariedade é patente aos olhos de qualquer leigo. Isto ele deixa claro no novo vídeo que lançou narrando o episódio e no qual promete que a luta continuará.
Arbítrio & intolerância – O maior problema que vivemos é que este período de arbítrio que o Estado vem implantando pouco a pouco a partir do golpe que derrubou a presidente legitimamente eleita, Dilma Rousseff, está sendo assimilado e aceito por uma parte da sociedade. É consequência do mesmo movimento de intolerância e pré-conceito que parte da sociedade incorporou, na briga política entre golpistas e não golpistas.
Reflete-se por exemplo, no apoio que muitos estão dando e defendendo, de forma direta, a matança dentro dos presídios, com grande parte da sociedade se omitindo diante de tal situação. Foi o que destacou na sua coluna publicada quarta-feira (18/01) na Folha de S. Paulo e em O Globo, Élio Gaspari – O século 21 está atolado no 19. Nela, ele registra:
“É muito provável que mais da metade dos brasileiros ache razoável que integrantes de facções :criminosas assassinem inimigos em brigas de presídios. Essa suspeita ampara-se no fato de que, há poucos meses, 49% dos entrevistados pelo Ibope se declararam favoráveis à pena de morte. (Em 2010 eram 31%.)
Essa questão faz parte da agenda do século 19 e o Brasil politicamente correto do século 21 finge não percebê-la. A sociedade cosmopolita, globalizada, nada teria a ver com o país dos presídios lotados, milícias e tráfico infiltrado no aparelho de segurança dos Estados”.
Trata-se de um clima preocupante. Contra ele, é preciso unir as chamadas pessoas de boa vontade, independentemente de posições política.São aqueles, da direita, centro e esquerda, defensores dos direitos dos cidadãos e da democracia, para evitar que toda a luta do período da ditadura militar pela retomada do Estado de Direito, não se perca em poucos meses deste governo.Um governo que não apenas assumiu com um golpe no qual acusaram uma presidente de crime que não cometeu, como ainda por cima é recheado de pessoas mais do que suspeitas.
Como disse um amigo que não tem as mesmas posições políticas e ideológicas, não está na hora de jogar lenha na fogueira, mas de construirmos pontes. Provavelmente, a principal delas será a mudança na Constituição para a convocação de uma eleição direta.
2 Comentários
O estado de Exceção, instaurado com o golpe das quadrilhas políticas e ORCRIMs institucionais – com destaque para a Fraudea a Jato – ràpidamente caminha para uma ditadura franca, escancarada. Só não vê quem não quer. A CF/1988 foi estuprada (primeiro por joaquim barbosa e colegas, agora pelo TRF$ com total anuência do STF), rasgada e defecada.
[…] Fonte: Pedro Aleixo, em 1968, tinha razão! | Marcelo Auler […]