Na sua coluna desta quinta-feira (30/03) em O Globo, Luis Fernando Veríssimo aborda a questão primordial da nossa democracia capenga: a falta de representatividade da maior parte da população. No Congresso, como ele lembra, as elites estão muito bem defendidas. Não por outro motivo, como ele mesmo lembra, “os projetos de terceirização e reforma da Previdência afetam justamente a maioria da população, a maioria que não está no Congresso para se defender”.
Na verdade, indiretamente, mostra o descompromisso desse governo com as classes menos favorecidas, muito embora majoritárias. O texto do iluminado Veríssimo me leva à fala da geógrafa Manuela Pereira de Almeida Pinto, diretora da Escola Família Agrícola Serra do Brigadeiro, no município de Ervália, Zona da Mata mineira, que publicamos na reportagem O dilema mineiro: mineração ou preservação? Ao falar da agricultura familiar, reclamou que quem a pratica não tem visibilidade nem voz junto aos governos, ficando em desvantagem, por exemplo, nas disputas com as mineradoras.
“As empresas cobram muito do poder público apoio. Têm aporte técnico para assediar o governo. Mas, qual é o aparato técnico do agricultor familiar para chegar ao governo e ser ouvido? A agricultura familiar tem potencial econômico, mas não consegue ser ouvida, não tem um local de fala”.
Trata-se, na verdade, da crise da representatividade, uma vez que a maior parte dos políticos apenas procura seus eleitores na hora de pedir votos. Com raras exceções – e elas existem -, curvam-se aos interesses do poder e dos empresários e decidem matérias prejudiciais aos mesmos eleitores que recorrem na hora de renovar os seus mandatos.
Há muito mais operários, trabalhadores no campo e empregados em geral — enfim, povão — do que a soma de todos os empresários, evangélicos, rentistas, latifundiários etc. do nosso Brasil. O que quer dizer que a grande, a eterna crise que vivemos, é uma crise de representatividade.
Minorias com interesses restritos têm suas bancadas amestradas no Congresso. A imensa maioria do país tem representação escassa, em relação ao seu tamanho, e o que passa por “esquerda” na oposição mal pode-se chamar de bancada, muito menos de coesa.
Só a ausência de uma forte representação do povo explica que coisas como a terceirização e a futura reforma da Previdência passem no Congresso como estão passando, assoviando. Os projetos de terceirização e reforma da Previdência afetam justamente a maioria da população, a maioria que não está lá para se defender.
Li que a Lei das Privatizações vai ser mais “dura” do que sua versão original, que não agradou aos empresários. Os empresários pediram para o Temer endurecer. Os empresários têm o ouvido do Temer. O povo era um vago murmúrio, longe das conversas no Planalto.
Não há muita diferença entre o que acontece hoje e como era na Velha República, em que o país era governado por uma casta autoungida, que só representava a si mesma. Agora é até pior, pois a aristocracia de então não se disfarçava. Hoje, temos uma democracia formal, mas que também representa poucos, e se faz passar pelo que não é.
Claro, sempre é bom, quando se critica o Congresso, destacar as exceções, gente que na sua briga para torná-lo mais representativo quase redime o resto. Que se multipliquem.