Com apenas três dias respondendo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) neste final de recesso, o ministro Luiz Fux com uma canetada invalidou o que o presidente da corte, Dias Toffoli, decidira uma semana antes, Adiou, sine die, a implantação do Juiz das Garantias criado pela Lei 13.964/2019, sancionada em dezembro pelo presidente da República. Pela decisão de Toffoli o adiamento seria de apenas 180 dias.
De certa forma, Fux fez o que, em 2011, ao ser sondado pelos petistas quando indicado para o STF, prometera fazer com as denúncias em torno do mensalão, mas jamais cumpriu: matar no peito. Ao matar no peito o Juiz das Garantias, recebeu aplausos do ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Aquele que nas conversas pelo Telegram com o procurador Deltan Dallagnol, divulgadas pelo The Intercept, declarou, em inglês, claro: “em Fux confiamos”.
Porém, ao adiar indefinidamente a criação do Juiz das Garantias, Fux não apenas afrontou os outros dois Poderes Republicanos, tal como já disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Certamente atiçou as brasas da fogueira das vaidades dentro daquela Corte e pode ter gerado certa desconfiança que, tal como um bumerangue, poderá lhe atingir em breve.
Quando Toffoli, em um sinal evidente de se antecipar a seu vice que o substituiria quatro dias depois, tomou a decisão de confirmar a constitucionalidade da nova lei e apenas suspendeu por 180 dias a implantação desse “novo personagem” do judiciário brasileiro, anunciamos aqui – Juiz das Garantias: Toffoli puxa o tapete de Fux – que sua decisão pretendia, justamente, evitar a ação de Fux.
Nesta postagem, chegamos a questionar se o vice-presidente do STF e também relator sorteado das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que tentavam barrar a criação do Juiz das Garantias, iria ter coragem de posicionar-se contra o presidente da Corte. Confirmou o que declarou aos petistas quando lhe sondaram sobre o mensalão, tal como revelou à Veja, em julho de 2017, na entrevista Faxina até 2022: “Sou juiz de carreira. Não tenho medo de decidir nada. Essas coisas eu mato no peito”.
Agora, iremos assistir à continuidade desta queda de braço que coloca em xeque a tal da segurança jurídica, da qual muito se fala, mas a cada dia mais se duvida. Muito provavelmente não será uma disputa apenas entre Toffoli e Fux pois, como também noticiamos, no Supremo já existe uma maioria a favor desse “novo personagem” introduzido no judiciário brasileiro pelo Congresso. Uma represália aos desmandos provocados pela Lava Jato de Curitiba. Na ocasião escrevemos:
“Fux certamente levará em conta que entre seus pares, nada menos do que seis ministros já declararam apoio à implantação deste “novo personagem”: além de Toffoli, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowscki e Alexandre de Moraes. Formam a maioria. E há ministro(a)s que só se pronunciam nos autos/plenário. Que argumentos Fux poderia utilizará para ir contra a maré?”
Portanto, além de afrontar o Congresso Nacional, como admitiu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia – “a decisão do ministro Fux é desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento brasileiro e com o governo brasileiro, com os outros Poderes” – o atual vice-presidente do STF provocou a briga interna na casa que pretende comandar a partir de setembro.
Quem sabe, esta sua decisão, que encontra aplausos apenas nos Lavajatistas e nos magistrados mais corporativistas que não gostam de admitir controles de suas atividades, não acabe provocando uma reação interna e leve, pela primeira, os demais ministros repensarem na sua eleição para a presidência da Casa.
Oficialmente, a cada dois anos os ministros, por votos secretos, escolhem que presidirá a Corte biênio seguinte. Até hoje tem sido um jogo de carta marcada. Respeitam um acordo de elegerem sempre o mais antigo que jamais sentou-se na cadeira da presidência. Fux é o da vez.
Mas certamente, com a decisão desta quarta-feira, a luz vermelha pode ter sido acesa para os demais ministros imaginando o que poderá acontecer nos próximos dois anos com Fux – ministro que já deu demonstrações cabais de corporativismo, vide o episódio do auxílio moradia – comandando o Poder Judiciário. Provavelmente, ao contrário de Moro, alguns ministros poderão estar dizendo hoje “em Fux não confiamos”. Será a volta do bumerangue.
Tofolli, ao adiar a implantação do Juiz das Garantias, estipulou prazo para o Judiciário se preparar. Fux, apenas suspendeu o prazo e, por tudo que já declarou ou demonstrou em conversas reservadas que vazaram na imprensa, é totalmente contra esse “novo personagem”. Poderá, repetindo o que fez no processo sobre o auxílio moradia para magistrados: sentar em cima do mesmo e deixar o tempo passar. Com o auxílio moradia foram mais de quatro anos.
Naquele caso em que sua decisão beneficiou até mesmo magistrados e membros do Ministérios Públicos com casa própria, incluindo sua própria filha nomeada desembargadora, ele só liberou o processo depois que, em uma manobra política, o Judiciário conseguiu que Temer desse um aumento salarial a estas categorias para compensar o penduricalho que recebiam por fora e a sociedade cobrava que fosse suspenso.
O curioso é que, cumprindo o seu papel, o Legislativo debateu a Lei 13.964/2019, o chamado Pacote Anticrime – inclusive com a participação direta do ministro Alexandre de Moraes, do STF -, aperfeiçoou o que tinha sido proposto através até mesmo de audiências públicas e, na forma como funciona o processo legislativo, a aprovou pela maioria dos votos. Ao presidente Jair Bolsonaro coube sancioná-la, inclusive vetando artigos dos quais discordou.
Agora, ao que parece, Fux quer recomeçar um processo de debate no Judiciário, a partir de audiências públicas. Sem que isso esteja previsto na Constituição.
Na verdade, seu papel ali é dizer se vê ou não inconstitucionalidade no que foi aprovado e sancionado. Toffoli já disse que não existe. Outros ministros, fora dos autos, também já defenderam a lei. A Fux cabe agora dar seu parecer e levar o caso ao plenário, sem debates paralelos. Mas, inventando uma nova função para o Supremo, pretende fazer audiência pública. Certamente atingirá seu objetivo de adiar por tempo indeterminado a discussão no plenário sobre a constitucionalidade do texto. Evitando uma derrota hoje já desenhada.
Estará ele ganhando tempo à espera do futuro ministro – “terrivelmente evangélico“, como já prometeu Bolsonaro – que, no final deste ano, substituirá Celso de Mello após ele se aposentar compulsoriamente por atingir 75 anos? Será que sonha em ter Sérgio Moro como seu par naquele plenário, para ajudá-lo a tentar fazer a maioria com a qual não conta hoje?
A dúvida que surge é como os ministros atuais lidarão comesses movimentos,? Principalmente por inexistir formas práticas de forçar um ministro a levar a ação que tem sob controle à apreciação dos demais. Calados? Passivos? E ainda assim o elegerão presidente da Casa?
Também se desconhece a reação da sociedade, em especial dos chamados operadores do Direito, que defendem esse “novo personagem”. Não se pode descartar, nem mesmo, uma campanha que pressione os demais ministros do STF contra a aprovação de Fux na presidência da Corte. Vinda até do Legislativo, que se sentirá desprestigiado.
Essa queda de braço no Supremo – ou será guerrilha? – apenas começou. Promete cenas de muitas emoções/reações. O que só servirá para desprestigiar ainda mais aquela corte. Que já não é muito.
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