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Marcelo Auler

No prédio do histórico Sindicato dos Metalúrgicos, o ato de despedida a Marisa Letícia e de solidariedade a Lula, é claro que também se transformaria em ato político. Só critica isso que não conhece a História do Brasil.m(Foto, reprodução TVT)

No prédio do histórico Sindicato dos Metalúrgicos, o ato de despedida a Marisa Letícia e de solidariedade a Lula, é claro que também se transformaria em ato político. Só critica isso que não conhece a História do Brasil.m(Foto, reprodução TVT)

Foi emocionante. A despedida a Marisa Letícia Lula da Silva, no sábado (04/02), na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, traduziu-se ao mesmo tempo em um ato de solidariedade, mas também em um momento político. Nem podia ser diferente. Afinal, aquele prédio reviveu seus momentos de glória e de História. Queiram ou não os inimigos e adversários da família Lula da Silva, aquela despedida pode ter sido também uma espécie de renascimento. Como bem lembrou, no domingo (05/02), Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho, com a experiência de quem acompanha a família há quatro décadas, No velório, velho Lula volta às origens e promete luta. Diz ele:

“Já quase no final de sua fala de 20 minutos diante do caixão de Marisa, Lula não conseguiu mais segurar o choro ao prometer para a mulher com quem viveu 43 anos, da luta sindical dos metalúrgicos do ABC à Presidência da República: “Querida companheira Marisa, descanse em paz, porque o seu ‘Lulinha Paz e Amor’ vai continuar brigando muito para defender a sua honra e a sua imagem, Obrigado.”

A longa jornada da freira – Apesar da promessa feita à mulher, o Lula – que para desagrado de muitos resolveu vencer o choro e fazer sua despedida ao microfone -, estava muita mais para o metalúrgico que outrora subia em caminhões de som na porta de fábrica, do que o Lulinha Paz e Amor em que se transformou, no ano de 2002, para conquistar o voto daqueles que o temiam. Sem a menor dúvida, porém, a decisão dele falar – o que não estava previsto – foi resultado dos milhares de abraços e apertos de mão que recebeu desde cedo de uma multidão de anônimos. Meros desconhecidos, para muitos jornalistas que estavam ali e, talvez, nem fossem nascidos quando São Bernardo do Campo virou palco dos principais movimentos políticos do país, a partir de 1978.

Foi o emocional que despertou o discurso político, reanimando a velha liderança forjada no meio de centenas daqueles, já idosos, que insistiram em permanecer na fila horas seguidas.  Queriam se despedir da “Guerreira” que conheceram nova – aos 23 anos – e se solidarizar com o antigo torneiro mecânico” que ajudaram a transformar em uma das figuras mais importantes do país neste século XXI, embora ainda estejamos nos seus primeiros 17 anos.

Retorno ao texto de Kotscho:

Lula voltou a falar com a emoção dos tempos em que surgiu na cena política brasileira, desafiando a ditadura militar, nas greves dos anos 1970.

Marisa morreu triste, dom Angélico, porque a canalhice que fizeram com ela e a imbecilidade e a maldade que fizeram com ela, eu vou dedicar… Tenho 71 anos. Não sei se Deus me levará em curto prazo, mas eu acho que vou viver muito porque eu quero provar, quero provar, que os facínoras que levantaram leviandades contra a Marisa tenham, um dia, a humildade de pedir desculpas a ela. Se alguém tem medo de ser preso, eu quero dizer o seguinte, este, que está enterrando a sua mulher hoje, não tem.

A freira Célia Cãndida Pereira sendo entrevistada pela TVT de manhã, na fila de espera. ( http://www.tvt.org.br/ultimas-homenagens-a-d-marisa-leticia/ )

A freira Célia Cãndida Pereira sendo entrevistada pela TVT de manhã, na fila de espera, que começou a ser formada antes das 7h00. ( http://www.tvt.org.br/ultimas-homenagens-a-d-marisa-leticia/ )

Quem o conhece assim como a sua paixão e gratidão à companheira que se foi, sabe que ele vai realmente correr atrás de limpar o nome não apenas dela, mas da família. O fará, não mais amparado no apoio da mulher, que o sustentou nesses 40 anos de luta política, mas empurrado não só pelos metalúrgicos que um dia o elegeram presidente daquele sindicato, ainda que alguns destes hoje tenham desconfiança do PT. Mas, somará também a massa de anônimos que enxerga em Lula o melhor presidente que o país teve.

São aqueles que chegaram cedo à fila para se despedir de Marisa. Como a freira Célia Cândido Pereira, que pela manhã foi entrevistada na fila, pela equipe da TVT (foto), enquanto aguardava ao lado de outros populares, metalúrgicos e metalúrgicas, como a aposentada Maria Alves do Nascimento, o início da visita do público.

As duas estavam ali pela admiração que nutrem por Marisa, embora motivadas por causas diferentes. Enquanto a irmã Célia destaca que “Dona Marisa representa todas as mulheres do Brasil e do mundo. Aquelas mulheres de coragem e de confiança”, Maria Alves lembra a simplicidade da ex-primeira dama que “trabalhou como doméstica, como babá. O que fez me apaixonar por ela, porque, sendo primeira dama, ela nunca quis aparecer,. Não era de falar isso, ah eu vou fazer isso, vou fazer aquilo, sou assim ou sou assado. Não, ela sempre se pôs no lugar de mulher, de dona de casa e de esposa”. Qualidades que certamente outras mulheres do ABC destacarão também, mas que feministas militantes criticariam.

Passava das 15h00 e a freira continuava lá, já no salão do velório, no meio de centenas de outras mulheres, puxando um coro espontâneo: "Segura na mão de Deus e vai..." (Foto: Blog Marcelo Auler)

Passava das 15h00 e a freira continuava lá, já no salão do velório, no meio de centenas de outras mulheres, puxando um coro espontâneo: “Segura na mão de Deus e vai…” (Foto: Blog Marcelo Auler)

À  tarde, pouco antes da encomendação do corpo por dom Angélico Sândalo Bernardino, foi quem puxou, espontaneamente, o coro cantando a música religiosa “Segura na mão de Deus”.

Na verdade, Célia e seus companheiros de fila corriam o risco de ficar mais tempo na espera se não fosse a interferência do próprio Lula. A abertura do velório, já com certo atraso, deu-se inicialmente para os familiares e, meia hora depois começaram a chegar os amigos da família. Passava da 10h00 e ainda não tinham liberado a entrada do público. Foi Lula quem interferiu, mandando liberar a fila e modificando o esquema que tinham montado. Por este, o público passaria entra as grades, longe do caixão e dele. Ele determinou a passagem dos visitantes ao lado do caixão e ali se postou para apertar, abraçar e beija cada um dos visitantes.Com muitos, ainda trocou comentários. Só arredou pé dali depois de meio dia e meia, quando foi relaxar e, com os filhos e noras, comer alguma coisa no andar de baixo. Mas não teve sossego, a fila dos amigos e políticos que lhe queriam ver foi grande. Retornou ao salão principal por volta de 15h00, ao lado de dom Angélico.

“Atrás não, ao lado” – A propósito, o tom político desta despedida de Marisa, teve início na quinta-feira quando, emocionado, Lula, ainda no hospital recebeu as visitas de Fernando Henrique Cardoso com José Gregori, à tarde, e de Michel Temer e sua trupe, à noite. Nesse segundo encontro também se falou de política, embora fosse uma visita de solidariedade e respeito, como muito bem colocou a professora de Ética do Departamento de Filosofia da UFRJ, Carla Rodrigues, no artigo Luto e barbárie, no blog do Instituto Moreira Sales. Isso não pode ser visto como retrocesso político, mas sim como questão de civilidade. Do texto de Carla, cuja leitura é mais do que recomendável, destacamos:

Se Butler (Judith Butler, filósofa) identifica a violência de Estado como principal obstáculo à realização de uma sociedade democrática, na experiência cotidiana do Brasil dos anos 2010, há uma explosão de violência que poderia ser chamada de ruptura do laço social. Embora os representantes do Estado – principalmente as diferentes esferas policiais em seus diversos campos de atuação – sejam os agentes mais visíveis da violência nossa de cada dia, com extermínio de jovens negros e da população carcerária, é impossível não ver que essa violência está espalhada para além do campo institucional”.

Mas, no velório, como não poderia deixar de ser, não apenas por conta do casal que atraiu toda aquela multidão – muitos ficaram na fila sem conseguir ver Marisa Letícia de perto -, mas também pelo local e os demais personagens que ali estavam, o tom político no velório, na verdade, foi iniciado pelo bispo, dom Angélico Sândalo Bernardino, ao fazer sua homilia, durante a Encomendação do Corpo.

Ao lado de dom Angélico, Lula enxuga as lágrimas (Reprodução TVT)

Ao lado de dom Angélico, Lula enxuga as lágrimas (Reprodução TVT)

Dom Angélico também criou pequeno um ligeiro atrito com o público feminino, ao se intitular “irmão do Lula e companheiro de lutas desde os tempos da ditadura civil-militar. Quanta luta. É verdade que atrás de cada grande homem está uma grande mulher…” Imediatamente veio a reprimenda das mulheres da plateia: “Ao lado, ao lado!”. Lula, em um cochicho, tentou socorrê-lo, levando-o a explicar que o atrás significava “Mas quando eu digo atrás é para guiar, para sustentar”. Afinal, o próprio Lula, pouco depois diria que Marisa é quem sustentava toda a barra em casa, o apoiava, liberando-o para as atividades políticas. Mesmo assim, a plateia  feminina não concordou e fiou então “ao lado”.

Era, no fundo, uma questão, aparentemente  de menor importância. O interessante viria a seguir, no alerta do bispo que durante anos comandou a Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo, na época do inesquecível e insubstituível, dom Paulo Evaristo Arns.

Foi quando a Homilia dele, como nos velhos tempos da ditadura, ingressou no viés político, ao explicar a homenagem à mulher “que desde os 13 anos já trabalhou em fábrica. Fábrica de chocolate, diga-se. Mas muitas vezes o trabalhador fica em fábricas de doces e tem a vida amarga. A vida amarga’, e enveredou para a crise social que agrava-se, com o gritante acumulo de riqueza por poucos, em detrimento da maior parte da população. Um tema muito caro aos bispo na sua época de bispo auxiliar de São Paulo, mas que hoje ecoa na voz do Papa Francisco:

Em um país, que ao contexto de outras nações, está em crise. Mas, não é uma crise que possa ser, farisaicamente, falsamente, atribuída à administração dos dois últimos governos deste país. Crise do capitalismo liberal. Que está atingindo países na Europa. Na Europa, para citar somente a Europa. Países que fazem com que a gente possa dormir tranquilo, mas como? Se oito homens mais ricos do mundo detêm, têm a riqueza, de 91% e mais ainda. Como dormir tranquilo, se aqui no Brasil esse regime permite que um trabalhador receba pelo mínimo R$ 937,00 por mês. Vergonha nacional. Como dormir tranquilos, quando meia dúzia dos brasileiros mais ricos detêm o dinheiro de cem milhões de brasileiros? Esta é a situação!”

Ele então mostrou o papel de Marisa, quase que já traçando um roteiro para “o irmão e companheiro de lutas desde os tempos da ditadura civil-militar”, Lula, sem provavelmente saber do recado repassado por ele ao presidente que lhe traiu e hoje ocupa o cargo após o golpe do impeachment, de que reforma não se faz se acordo:

A Marisa Letícia foi uma guerreira na luta a favor da classe trabalhadora. Continua no céu a nos iluminar. E a dizer a todos nós que precisamos estar atentos. Estamos em um sindicato aqui, memorável pelas suas lutas. Atentos para as reformas trabalhistas, que não sejam contra os trabalhadores. Que é uma ameaça. Ameaça na reforma da Previdência. Que não seja contra os pobres e os assalariados. O quanto é importante que a gente esteja atento“.

Dom Angélico foi ovacionado ao dar o recado a Lula (Reprodução TVT)

Dom Angélico foi ovacionado ao dar o recado a Lula (Reprodução TVT)

Em seguida fez a convocação e indicou o caminho:

Assim como um dia, a Marisa com mulheres realizou uma marcha histórica na defesa e libertação de sindicalistas presos pela ditadura, é ali, meu povo, na rua, continuar organizados na rua, porque o povo, unido, jamais será vencido!” (levando a plateia ao delírio a repetir o refrão).

Ao finalizar, antes de passar a palavra à representante dos umbandistas, dom Angélico leu o conhecido Evangelho segundo São Mateus – Sermão da Montanha -para reforçar um entendimento compartilhado pelos que lhes ouviam:

esta querida amiga e Irmã, Marisa Letícia, que foi incompreendida e perseguida, como esse meu irmão aqui (abraçou Lula) também é perseguido, incompreendido, caluniado, dizem uma porção de coisas e logo querem dizer que é culpado sem lhe darem a defesa.”

Dom Angélico ainda usou da palavra após o discurso de Lula, para um conselho amigo, que levou a plateia ao delírio:

Meu querido amigo e irmão Lula, este bispo velhinho aqui – eu sim, sou velhinho. – quer lhe dar um conselho. A partir de amanhã (domingo), por favor, descanse, porque o Brasil precisa muito de você!”.

 

3 Comentários

  1. Renata disse:

    Foi emocionante mesmo. Eu discuti com quem achava que se devia um silêncio obsequioso e apartidário à morte da d. Marisa. Jamais haveria silêncio, e muito menos seria um fato apolítico. Queiram ou não, a morte dela, ou o seu assassinato indireto, devido a pressões e injustiças, é um fato político. Ainda na morte, deu força para o Lula, que ressurgiu com uma energia extraordinária. Eu sempre soube que esse casal não teria paz e que sua vida seria de luta.

  2. Noêmia Marques Machado disse:

    Seja muito bem vindo de novo, Lula 2018. A nossa FÊNIX está de volta. AGUARDEM. Só aguardem.

  3. Bestas filhinhos de papai disse:

    Existem vários tipos de torturas… de assassinatos e de assassinos.

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