Ao se recusar a aplicar as medidas impostas pelo governo Bolsonaro através da MP 905, que institui o contrato verde e amarelo, por entender não existir fato novo, urgente e muito menos relevante que justifique o Executivo legislar por meio de Medida Provisória, o juiz Germano Silveira de Siqueira, Titular 3ª Vara do Trabalho de Fortaleza, declarou-a inconstitucional.
Não bastasse, apontou contradições gritantes no texto com o qual o governo promete abrir empregos para jovens. Cita, por exemplo, o fato de as medidas beneficiarem em especial o setor financeiro, justamente aquele que mais lucrou nos últimos anos:
“As notas explicativas da Exposição de Motivos desconectam-se das muitas e drásticas alterações normativas trazidas na Medida Provisória, a exemplo da mudança da jornada dos trabalhadores bancários que, a rigor, beneficia justamente o segmento econômico que tem obtido lucros bilionários no Brasil, há décadas, no caso o sistema financeiro“, registrou.
Sua manifestação ocorreu no julgamento de uma Ação Trabalhista (0000236-53.2019.5.07.0005). Ao analisar o texto enviado ao Congresso com a Medida Provisória – “um conjunto de normas trabalhistas precárias para pessoas entre 18 e 29 anos” -, Siqueira argumentou que as justificativas apresentadas na exposição de motivos simplesmente repetem as usadas no governo Temer para defender a reforma trabalhista:
“Vale lembrar que com esse mesmo discurso e com essa vocação de fazer o mais do mesmo da doutrina neoliberal (a máxima flexibilização de leis econômicas e trabalhistas), de 2016 até os dias de hoje as ideias acolhidas pelo Congresso, a pretexto de abrir postos de trabalho, não foram além de suprimir direitos, como se fez na reforma trabalhista no governo Temer, resultando as falsas promessas em completo fracasso“
Ou seja, por serem antigo e já usados anteriormente, os argumentos deixam de ter a urgência e a relevância que necessárias para se explicar a edição de uma MP em substituição a um projeto de lei. É dele a explicação:
“Naquele projeto de lei (PL Nº 6.787, de 2016), Rogério Marinho (então deputado e hoje ocupante de cargo no governo) ao propor as danosas medidas então incrementadas, alardeava ter compromisso “(..)com os mais de 13 milhões de desempregados, 10 milhões de desalentados e subempregados totalizando 23 milhões de brasileiros e brasileiras que foram jogados nessa situação por culpa de equívocos cometidos em governos anteriores“.
O texto assinado pelo Ministro Paulo Guedes, que tem o ex-deputado e hoje Secretário Especial de Previdência e Trabalho no Ministério da Economia como idealizador, em essência reproduz os mesmos chavões adotados pelo relator do PL Nº 6.787 (a suposta defesa dos menos favorecidos)“.
Com base nessas constatações – da falta de relevância e urgência – insistiu na necessidade de o Executivo respeitar o Legislativo e promover as mudanças que entende necessárias na legislação por meio de um debate com os representantes do povo e a própria sociedade. Nesse sentido fez constar sua decisão:”
(…) por mais que os integrantes do Poder Executivo, na figura do Chefe de Governo, reputem luminosas as suas ideias, imperioso que sejam processadas e encaminhadas ao Congresso Nacional na forma de proposições legislativas, pelas vias ordinárias (art.61 da CF), permitindo amplo debate com a sociedade, ficando reservadas as Medidas Provisórias apenas para casos de reais urgências e desde que demonstrada relevância“.
Para embasar sua insistência na tese da necessidade de urgência e relevância que justifiquem a edição de uma Medida Provisória, Siqueira recorreu a diversos acórdãos do Supremo Tribunal Federal em que isso foi destacado. Citou votos dados pelos ministros Celso de Mello (ADI 221 e ADI 2213); Edson Fachin (ARE 1147266); e Cármen Lúcia (ADI 4717). N a sua decisão, a certo momento comenta, a respeito da exposição de motivos da MP:
“(…) os índices alarmantes de desemprego que ali são apontados (na faixa de 13 a 14 milhões e a perto de 30 milhões contando os desalentados) não são, infelizmente, novidade na cena brasileira e, ao contrário, são números que estão presentes e desde 2014, não caracterizando fato novo a motivar edição de Medida Provisória, sabendo-se , além do mais, que a realidade do desemprego, em qualquer país, não se equaciona por “decreto” ou MP, mas pela retomada da dinâmica da economia, cujos vetores não podem ser articulados ao custo da precarização do trabalho.”
Antes de entrar no mérito do processo trabalhista em si, atendendo em parte à reclamação do empregado da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará – EMATERCE, ele concluiu a análise do texto da MP, mostrando um possível caminho ao Congresso Nacional, qual seja, de rejeitá-la, destacando a redução de encargos, limitação dos salários, que apenas beneficiam os empregadores:
“Essa repetida fala (na mesma linha do que já havia sido dito pelo relator da reforma trabalhista) não passa de um vazio de ideias, a ponto de declarada e impressionantemente “taxar” o seguro-desemprego para financiar o próprio programa verde e amarelo, sem base argumentativa consistente, não trazendo, de outro lado, tais razões, nem mesmo conexão palpável e lógica com o conjunto das medidas propostas, sequer quanto a essa nova modalidade de contratação, que é essencialmente um pacote de redução de encargos e de limitação de salários dos novos contratados, a beneficiar primordialmente os empregadores.
Em resumo de tudo, NÃO HÁ FATO NOVO E URGENTE (como menciona o Min. Celso de Mello em voto na ADI 221) E MUITO MENOS RELEVANTE a exigir intervenção na realidade normativa por Medida Provisória, o que é patentemente aferível (conforme precedentes e fatos mencionados) , devendo todo esse conjunto de regras ser submetido ao Congresso Nacional na forma do art.61 da CF e debatido nos termos do Regimento Interno das Casas Legislativas.
Desse modo, nessa parte, por desatendimento ao caput do art.62 da CF, declaro, incidentalmente, a INCONSTITUCIONALIDADE formal da MEDIDA PROVISÓRIA N. 905, por ausência dos requisitos de relevância e urgência, deixando de aplicar quaisquer de seus dispositivos no presente feito nos temas eventualmente pertinentes que a ampla regulação proposta.”
Leia a decisão do juiz do trabalho do CE que rejeita a MP 905:
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