Na manhã desta quinta-feira (19/04) o prêmio Nobel da Paz (1980), Adolfo Pérez Esquivel, e o teólogo Leonardo Boff aportaram na frente do prédio da Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR). São dois velhos amigos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tentaram visitá-lo na “sala reservada, uma espécie de Sala de Estado Maior”, onde ele se encontra recolhido há 12 dias, em um cumprimento antecipado de pena. Os dois, porém, foram barrados.
Sem nenhum pedido de visita ajuizado, Boff sequer foi recebido pelo superintendente em exercício, o delegado regional executivo, Roberval Vicalvi. A única concessão que mereceu foi um banquinho na guarita da entrada do estacionamento, enquanto servidores aguardavam orientação se ele poderia ou não entrar. Ele pretendia entregar a Lula dois livros. Um de sua autoria, “O Senhor É Meu Pastor”. O segundo do frade carmelita Carlos Mesters: “A Missão do Povo Que Sofre”. Saiu de Curitiba com os mesmos na bagagem.
Esquivel, como noticiado aqui em Lula aos filhos: estou melhor do que 90% da população, na segunda-feira (16/04) ajuizou um pedido de visita ao ex-presidente. Nele especificou que estaria na cidade entre a noite de quarta-feira e à tarde de sexta-feira. Horas depois, apresentou em juízo um “Comunicado de Inspeção” que pretendia fazer, respaldado nas “Regras de Mandela” – um normativo aprovado pela ONU que foi recepcionado, no Brasil, pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2016.
Responsável pela execução da pena de Lula, a juíza Carolina Moura Lebbos, na quarta-feira, às 14h32, em despacho de 58 linhas, com 557 palavras, apenas justificou os motivos de indeferimento do segundo pedido ajuizado pelo Prêmio Nobel da Paz – da inspeção. Não fez menção à solicitação de visita, mesmo depois de o Ministério Público Federal não ter se oposto e a defesa de Lula esclarecer que mais do que concordar, o ex-presidente desejava ver o amigo, como noticiado aqui em Lula à juíza: desejo ver Esquivel.
Se sobrepondo ao direito divino – Diante do silêncio da juíza e preocupadas com o fato de as visitas a Lula terem sido estabelecidas nas quintas-feiras, as advogadas do argentino, no final da tarde de quarta-feira, por meio de um embargo, pediram que ela se manifestasse quanto à visita.
Ela voltou a despachar no processo às 12h27 de quinta-feira, mas ainda assim nada decidiu. Com outras 97 palavras expôs que a urgência existiu em afastar a possibilidade de Inspeção. Da visita em si, alegou não existir motivo de pressa, apesar da passagem rápida de Esquivel por Curitiba:
“A urgência alegada, por sua vez, não resta caracterizada. Isso porque a prévia indicação de data pelo requerente, com curto lapso de antecedência, baseia-se apenas em critério de comodidade. Não há risco efetivo de perecimento de direito“, despachou.
Ao deixar de analisar o pedido de Esquivel, que mora fora do país e está em Curitiba de passagem, ainda que tenha especificado não haver risco de efetivo perecimento de direito, na realidade o réu deixou de usufruir, no dia marcado para as visitas, o direito que a própria Lei de Execução Penal prescreve: receber a visita de amigos. Uma delas com conotação até espiritual.
Boff, na quarta-feira à noite, no evento “Constituição da Primavera”, realizado no teatro da reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explicou que ao visitar Lula cumpriria um preceito divino. Mas, como previu na ocasião, “um juiz que maneja as leis humanas acabou se sobrepondo às leis divinas”:
“Vim para cá, a convite de vocês todos, mas também por um motivo particular. Para visitar o velho amigo, de 30 anos, que está encarcerado e cumprir um preceito evangélico que está em Mateus, 25, que diz: “quando estava com fome me deste o que comer; quando estava nu me cobristes; quando estava encarcerado me visitaste”. Eu vim visitá-lo encarcerado. Agora, o que me espanta é que um juiz que maneja leis humanas pode se sobrepor a uma lei divina. Isso é injusto. Isso é indigno“.
Deferência gerou isolamento – A prisão de um ex-presidente, como descreveu o senador João Capiberibe (PSB-AP), na terça-feira (17/04), após participar da diligência à PF-PR dos onze senadores da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, “é um caso raríssimo na História do nosso país”.
Na verdade, uma situação inédita que muitos não sabem como lidar. Afinal, trata-se não apenas de um ex-presidente, mas de uma liderança política – queiram ou não seus adversários e algozes – reconhecida mundialmente e, como enfatizou Capiberibe, líder que mesmo condenado mantém a preferência de 31% do eleitorado – mais do que o dobro do segundo colocado – na corrida à Presidência da República.
Há um debate, que vai longe, se Lula é ou não preso político. Mas, independentemente dele, o entendimento de que Lula teve um julgamento político já ultrapassou ao âmbito dos chamados “operadores do Direito”. Começa a ser admitido por parte da população, como ficou claro na publicação pelo O Estado de S. Paulo, no sábado (14/04), da pesquisa do Instituto Ipsos, aqui citada em Lula aos filhos: estou melhor do que 90% da população.
Nela, 77% dos consultados concordaram com a tese de que “Os poderosos querem tirar Lula da eleição”; outros 55% apoiaram que “A Lava Jato faz perseguição política contra Lula”; e, por fim, 47% entenderam que “A Lava Jato até agora nada provou contra Lula”, contra exatos 47% que pensam ao contrário.
Lula, na verdade, é um preso diferenciado. A começar pela “deferência” concedida pelo juiz Sérgio Moro: o uso de uma “sala reservada, uma espécie de Sala de Estado Maior”. Ela, porém, lhe gerou ônus.
A iniciativa de Moro provavelmente resultou mais da preocupação com a segurança do réu do que o alegado reconhecimento pelo cargo que ocupou. Afinal, na carceragem da Polícia Federal estão alguns dos “delatores de Lula” – entre os quais o ex-ministro Antônio Palocci e Léo Pinheiro, presidente da OAS. Levar o ex-presidente para lá não era aconselhável. Preferiram adaptar um novo espaço no quarto andar da superintendência. Com isso, consciente ou inconscientemente, o isolaram. Isolamento não previsto na sentença, tampouco respaldado em alguma falta disciplinar do apenado. Logo, discutível legalmente.
Fins de semana sozinho – Embora todos que estiveram com o preso, incluindo advogados, reconheçam que as acomodações são boas perto do que se conhece de presídios e carceragens, a tendência era de Lula permanecer seis dos sete dias da semana com contato apenas com os policiais que o vigiam. As visitas se limitam às quintas-feiras. Até no banho de sol ele fica solitário.
O isolamento só é quebrado por conta do providencial rodízio de advogados, que o visitam diariamente. Menos nos finais de semana, quando isso não é permitido. Daí a promessa dos senadores de no relatório da diligência que levarão ao plenário do Senado proporem saídas para esta situação. A dúvida é como fazê-lo sem criar privilégios ao preso.
Nesta quinta (19/04), tal como ocorreu semana passada, Lula recebeu a visita dos filhos. Desta vez vieram Luiz Claudio, Sandro Luís, com a esposa, Marlene Araújo. Estiveram na PF ainda a nora Renata Abreu (casada com Fábio Luís, que não estava no grupo) e um neto do ex-presidente.
A pretexto de não flexibilizar as normas disciplinares da Polícia Federal, a juíza Carolina Moura Lebbos, ao negar autorização para governadores e senadores se encontrarem com Lula, três dias após sua chegada à Curitiba – terça-feira, 10/04 – acabou sinalizando o isolamento que vem se constatado. Ficou mais nítido nesta quinta-feira quando Esquivel, um amigo antigo, cuja visita teve a concordância do MPF e do próprio réu, não pode encontrá-lo por a juíza não ter apreciado o pedido. O que não ocorreu até a edição desta reportagem, às 18h00, já depois do horário de visitas.
Nesta perspectiva de que Lula é um preso diferenciado, não apenas pelo tratamento diferente que lhe foi destinado, mas por sua popularidade e liderança política, reconhecida, inclusive, internacionalmente, que precisam ser compreendidos os inúmeros pedidos de visita já apresentados à Vara de Execução Penal – sete até o início da tarde desta quinta-feira.
Além de Esquivel, já solicitaram direito a visitar Lula a senadora Gleisi Holffmann e o deputado federal José Carlos Becker de Oliveira e Silva, o Zeca Dirceu (PT-PR) – aos quais os procuradores da República não impuseram nenhum óbice; Ciro Gomes, candidato à presidência pelo PDT que pretende ir com Carlos Lupi e André Figueiredo – presidente e vice do partido; o vereador do PT em São Paulo, Eduardo Suplicy; os presidentes da União Nacional dos Estudantes (UNE), Marianna Dias de Souza, e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), Pedro Lucas Gorki Azevedo de Oliveira; e, por fim, o ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex-ministro de Lula, Luiz Marinho. Todos estes pedidos ainda pendentes de despacho da juíza. Nas previsões feitas em Curitiba, nos próximos dias quem poderá chegar para visitar lula será o ex-presidente do Uruguai, José Mujica.
Além das solicitações para visitar Lula, foram “informadas” à juíza três inspeções aos detidos: a dos senadores, já realizada; a de Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, rejeitada pela juíza; e a de uma Comissão Externa da Câmara dos Deputados, criada na terça-feira (17/04) pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que não é um partidário de Lula. Esta última, comunicada à Vara das Execuções Penais às 22h19 de terça-feira, marcada inicialmente para quinta-feira (19), depois remarcada para a próxima terça-feira, dia 25.
Naquela mesma terça-feira, pela manhã, ao tratar da visita dos senadores, a juíza havia determinado que novas inspeções devessem ser autorizadas judicialmente, com antecedência mínima de dez dias e se especificando os motivos da decisão. Expôs na decisão às 9h38:
“Eventuais novos requerimentos de diligências deverão ser previamente submetidos à apreciação judicial, acostando-se os documentos atinentes ao teor da deliberação do ato, com indicação do fato motivador, respectivos fundamentos e pessoas indicadas. Requerimentos não efetuados em tempo hábil para a oitiva das partes e deliberação judicial, com antecedência mínima de dez dias, poderão ser desde logo indeferidos.”
Ainda assim, um ofício do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), líder da bancada do Partido dos Trabalhadores, encaminhado às 21h31 da quarta-feira (18/04), não pedia autorização, apenas informava a mudança de data da “visita” dos deputados, sem respeitar o prazo de dez dias estipulado pela juíza. Dele consta:
“Inicialmente, a fim de melhorar a compreensão sobre a presente petição, é de bom alvitre destacar que nesta terça-feira, dia 17/04/2018, o Requerente protocolou um ofício, a este i. juízo, informando a instauração de Comissão Externa de Parlamentares, cujo objetivo é verificar in loco as condições em que se encontra o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba-PR, conforme petição identificada como “evento 49”. (…)
Diante do exposto, o Requerente, com o devido respeito e sempre contando com os doutos suprimentos de Vossa Excelência, informa que a inspeção in loco será realizada no dia 24/04/2018 (terça-feira), às 11h00 (onze
horas), pois, levando em consideração o tempo razoável para a programação logística, somente nesse dia haverá a viabilidade de todos os membros integrantes da comissão externa comparecerem à Superintendência da Polícia
Federal de Curitiba-PR”
Oficialmente, até o fim da tarde desta quinta-feira, a juíza não se manifestou sobre o novo comunicado dos deputados. Mas ao negar a inspeção pedida por Esquivel, no início da tarde de quarta-feira, referiu-se ao primeiro documento de Pimenta protocolado na noite de terça-feira, em um despachou no qual transparece sua contrariedade com as “inspeções”:
“Em menos de duas semanas da prisão do executado já chegaram a este Juízo três requerimentos de realização de diligência no estabelecimento de custódia, sem indicação de fatos concretos a justificá-los. A repetida efetivação de tais diligências, além de despida de motivação, apresenta-se incompatível com o regular funcionamento da repartição pública e dificulta a rotina do estabelecimento de custódia. Acaba por prejudicar o adequado cumprimento da pena e a segurança da unidade e de seus arredores“.
De fato não ocorreu qualquer denúncia ou situação extrema que tenha levado os senadores, anteriormente, e os deputados agora, a promoverem tais inspeções. A não ser a percepção de isolamento do preso quando a juíza Carolina impediu que onze governadores e três senadores, já em Curitiba, o avistassem.
O expediente de “inspeção” ao qual recorreram senadores e deputados é uma prática de qualquer legislativo diante de denúncia concreta. No caso, porém, parece estar sendo usado para vencer o isolamento imposto ao ex-presidente Lula, a partir da “deferência” do juiz Sérgio Moro. Pelo visto, deve gerar uma queda de braço entre o judiciário do Paraná e, agora, a Comissão Externa da Câmara, que será a próxima a aportar na Superintendência, em Curitiba. Como lembrou a juíza, isto tudo em menos de duas semanas de Lula ali recolhido.
(*) Por erro meu, a foto que abre esta reportagem, do Boff sentado junto à guarita da polícia Federal, foi publicada como sendo apenas uma reprodução do DCM, sem o devido crédito do seu autor, Eduardo Matysiak. Faço agora a esta retificação. Peço desculpas ao próprio e aos leitores.
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4 Comentários
Esse murismo observado nas últimas reportagens postadas aqui, sobretudo depois de o repórter ter sido contratado pelo Jornal Do Brasil, mostra-se contrário ao que verificamos ao longo de mais de três anos de brilhante e corajoso trabalho, sobretudo naquela série histórica em que Marcelo Auler revirou os intestinos de um das instituições que compõem a ORCRIM lavajateira: a SR-DPF/PR.
Que história é essa de colocar em dúvida que o Ex-Presidente Lula é um preso político? Usar o eufemismo tucano “preso diferenciado” atende a quais interesses?
A essa altura deve estar claro o erro que foi Lula se entregar aos seus algozes. Os quinta-coluna já são conhecidos, assim como a associação deles com certa “globosfera”, que estão maquinando “planos B” e morte política (quiçá física) do Ex-Presidente Lula, hoje encerrado numa solitária curitibana, sujeito a envenenamentos, depressores, imunossupressores, radiações cancerígenas, etc.
De pouco ou nada adiantam essas visitas ou tentativas de visitas de teólogos ou pacifistas, como Leonardo Boff e Adolfo Perez Esquivel. Essa mandelização de Lula não freará os retrocessos e o entreguismo levados a termo pelo golpe de Estado, não trará de volta o Pré-Sal que foi surrupiado pelas petroleiras estadunidenses, européias e asiáticas, não trará de volta Embraer, entregue à Boeing, não trará de volta os projetos de defesa e soberania, não trará de volta as terras agricultáveis e água doce, entregues ás multinacionais, não trará de volta o projeto de desenvolvimento soberano e inclusivo iniciado nos governos Lula e Dilma
Também fui sempre contrário a Lula se entregar como fez. Com ele preso o regime golpista segue livre, leve e solto para aprofundar sua ditadura midiático-judicial. Se não era para resistir, teria preferível o ex-Presidente ter se exilado no Uruguai e de lá enviar livremente mensagens diárias aos seus seguidores e eleitores, entre os quais me incluo.
[…] Leia o texto na íntegra no Blog de Marcelo Auler. […]
Em lugar nenhum do mundo os governantes dizem que tem presos políticos, sempre são presos por isto ou por aquilo.