“Conclamamos todas as pessoas de boa vontade, sensíveis aos valores da justiça e da solidariedade a se juntarem e a se manifestarem contra as medidas que afetam o bem comum e a vida dos mais pobres e indefesos. Esta é a hora em que cada de nós é chamado a exercer a cidadania em relação aos deputados e senadores que pediram e ganharam o nosso voto na época das eleições para cobrar deles postura digna e coerente na hora de votar emendas parlamentares que podem prejudicar os seus eleitores“. (Dom Francisco Biasin, bispo de Volta Redonda).
A conclamação do bispo de Volta Redonda, dom Francisco Biasin, datada de março passado, é propicia no momento em que Conceição Lemes, no site Viomundo, mostra que o governo ilegítimo de Michel Temer mata, aos poucos e em silêncio, um dos mais bem sucedidos programas sociais dos governos do PT: O mais médicos. Transcrevo da reportagem de Conceição:
“O governo Temer só não acaba de vez com o programa, porque sofreria muita pressão política, então resolveu ir matando aos poucos”, denuncia o médico sanitarista Hêider Pinto em entrevista exclusiva ao Viomundo. Uma análise minuciosa dos sistemas do próprio Ministério, incluindo o Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), mostra que o atual número de médicos no programa não chega a 16 mil e o de municípios já é menor que 3.800. “Isso significa que 7,7 milhões de pessoas deixaram de ser atendidas pelo programa”, alerta Hêider. “Depois de terem por mais de três anos médicos perto de suas casas, de segunda a sexta, essas 7,7 milhões de pessoas voltaram a não ter a quem recorrer”, observa. “Um retrocesso inaceitável.” (Temer mata em silêncio o Mais Médicos: Atrasa salários, reduz profissionais, deixando 7,7 milhões sem médico brasileiro nem cubano).
Diante desta constatação, recorro a outro artigo postado em janeiro pelo Cafezinho, de Miguel do Rosário. Na ocasião, ele mostrou que em contradição ao discurso de contenção dos gastos públicos para fazer frente à crise econômica – na verdade, para alimentar o sistema financeiro e bancário com pagamentos de dívidas que deveriam ser auditadas -, Temer aumento as despesas de propaganda do governo. Crescimento inversamente proporcional à queda da popularidade dele próprio. Miguel do Rosário, na ocasião, expôs:
“Apesar do discurso de corte de despesas públicas, os gastos do governo federal com o cartão corporativo nos últimos quatro meses superam o total desembolsado em todo o primeiro semestre. Entre 1º de julho e 4 de novembro, esse tipo de despesa somou R$ 24 milhões, contra os R$ 22 milhões despendidos nos seis primeiros meses do ano. Desde que Michel Temer (PMDB) assumiu a Presidência da República, ainda em maio, o governo gastou R$ 29 milhões com os cartões corporativos. As informações são da rádio CBN. Os dados de julho para cá foram atualizados apenas esta semana. Somente nos primeiros quatro dias de novembro, foram gastos R$ 3,7 milhões com esse tipo de cartão. Na média, as despesas mensais com o corporativo variam de R$ 4 milhões a R$ 5 milhões“. ( Governo Temer bate recorde de gastos com cartão corporativo )
Como diz a conclamação feita em março passado por dom Francisco Biasin, é mais do que a hora de os homens de bem se juntarem contra estas barbáries que estão sendo cometidas contra os mais humildes e necessitados pelo governo e as bancadas parlamentares que o sustentam, normalmente em troca de favores. Resta saber quem irá aglutinar os descontentes para juntos, mobilizados, defenderem os direitos do povo brasileiro. Abaixo a carta do bispo de Volta Redonda (Sul Fluminense), ilustrada com fotos do Programa Mais Médico, novo alvo do desmonte do governo Temer.
“Assim fala o Senhor Deus: “Grita forte, sem cessar, levanta a voz como trombeta e denuncia os crimes contra o meu povo e os pecados da casa de Jacó”. (Is. 58,1)
Caros fiéis
Diante da gravidade do momento político, social, econômico e moral que vivemos nos últimos tempos e inspirados pelo testemunho do Evangelho, não podemos ficar calados. No conturbado ano de 2016, o nosso país deparou-se com uma avalanche de projetos e decisões do Congresso – alguns já implementados – que claramente trarão em curto e médio prazos consequências graves para toda a sociedade brasileira, de modo especial para os trabalhadores e os pobres.
A crise econômica é apresentada como a grande vilã do momento, pela qual se justifica qualquer medida sócio-político-econômica. As medidas são impostas em pacotes prontos e fechados. O Congresso e o Senado servem apenas como fachada para dar legalidade ao que uma elite conservadora já decidiu de antemão: privilegiar o sistema financeiro e defender os interesses do grande capital. O preço é impor enormes sacrifícios aos mais pobres e desestruturar as condições de sobrevivência das pequenas empresas e da própria economia familiar.
Como a atenção da população está focada na crise econômica, é importante não nos distrairmos em relação a outros setores da vida social, tais como: • a polêmica reforma do ensino médio, • a redução da maioridade penal com medidas duras de imputar penalmente os adolescentes, • a reforma da Previdência Social em tramitação no Congresso nestes dias, com consequências desastrosas para os empobrecidos no próximo futuro, • e as alterações em leis trabalhistas conquistadas com luta e sangue de operários. Infelizmente todas essas medidas apontam para sérios retrocessos em diversas conquistas que resultaram da mobilização de milhões de brasileiros e brasileiras desde tempos passados, como o da Constituinte, até os nossos dias.
É escandalosa a ascensão ao poder de pessoas de duvidosa reputação, sob suspeita de corrupcão ou em adiantado processo de investigação, para ocupar cargos de alta responsabilidade no Legislativo, no Judiciário e no Executivo.
Até propostas de lei de iniciativa popular, um grande avanço constitucional, são barradas no Congresso. Vozes inconformadas e clamor popular que manifestam insatisfação ou dissenso são apresentados pela mídia como elementos de estorvo e distúrbio diante da perspectiva de constituir uma “nova ordem” para salvar o país. Assim as leis e a governança não colocam a economia e a atividade política a serviço da pessoa humana e das suas necessidades básicas, pelo contrário a gestão da coisa pública e a aprovação de emendas parlamentares são pensadas para salvar um projeto de economia neoliberal que impõe pesos insuportáveis nos ombros dos mais pobres.
Outras questões graves nos preocupam: vemos aprovadas leis, varadas na calada da noite ou com canetadas do Judiciário, que desmantelam a família, negam dignidade ao nascituro e descaracterizam a concepção da identidade sexual da pessoa humana, ferindo profundamente a sensibilidade de grande maioria do povo brasileiro. Assim o Estado se dissocia da sociedade civil como um todo e não interpreta os seus anseios, pelo contrário é usado por grupos políticos e econômicos que dele se apossaram para sujeitá-lo a seus interesses. Na nossa região as consequências das medidas apresentadas são agravadas pela falência do Estado do Rio de Janeiro e a total ineficiência dos órgãos governamentais que dificulta possíveis parcerias com a iniciativa privada.
A privatização da CEDAE é a expressão mais eloquente de um Estado que agoniza e se submete às leis do mercado para poder de algum modo sobreviver. O que mais preocupa a nossa população é o agravar-se da violência alimentada pelo tráfico, a falta de perspectivas e de oportunidades para a juventude, o desemprego generalizado que atinge as famílias e congela a economia, a precariedade da saúde pública e o desmantelamento do SUS de tal forma que os mais pobres, quando ficam doentes, são condenados a sofrer uma lenta agonia, enfim o desespero da fome que leva famílias inteiras a buscar alimento a qualquer custo, quando não podem mais contar com a solidariedade dos bons.
Conclamamos todas as pessoas de boa vontade, sensíveis aos valores da justiça e da solidariedade a se juntarem e a se manifestarem contra as medidas que afetam o bem comum e a vida dos mais pobres e indefesos. Esta é a hora em que cada de nós é chamado a exercer a cidadania em relação aos deputados e senadores que pediram e ganharam o nosso voto na época das eleições para cobrar deles postura digna e coerente na hora de votar emendas parlamentares que podem prejudicar os seus eleitores.
O Senhor nos chama a ser protagonistas da salvação como seus colaboradores na construção do Reino. Ele nos convida à vivência da fé, ao exercício da esperança e ao testemunho da caridade.
Isso acontece de fato através de uma ação firme e determinada em defesa da educação e saúde públicas de qualidade, do direito ao trabalho digno, ao gozo da vida no tempo da justa aposentadoria, do acesso ao lazer, à cultura e à moradia, ao direito a uma alimentação saudável para saciar a fome e a sede para viver com dignidade cuidando da nossa Casa Comum.
Vivemos tempos difíceis! A nossa fé nos guie e nos fortaleça para podermos assumir a missão de trabalhar para que todos tenham vida e vida plena.
Com minha bênção de pastor
Volta Redonda, 17 de março de 2017
Dom Francisco Biasin