André Dahmer lançou seu terceiro livro de poesia “A coragem do primeiro pássaro” (Ed. Lote 42), na Livraria Travessa de Botafogo, RJ, em maio. Os outros dois são “Ninguém muda ninguém” (Ed. Flâneur) e “Minha alma anagrama de lama” ( Editora Mórula). A esses se juntam seus livros de quadrinhos “O livro Negro de André Dahmer (Ed. Desiderata), “Vida e Obra de Terencio Horto” (Ed. Quadrinhos na Cia.), “Rei Emir Saad” (Ed. Leya/Barba Negra) entre outros.
Todos nem sempre encontrados nas livrarias. Por que? Não sei responder e nem ele. Muito discreto parece não se preocupar com isto. Permanece na sua, não corre atrás. As editoras de seus livros são pequenas quase sempre. Os livros têm edição caprichada. Um dos livros de poesia teve edição praticamente artesanal. Dotado de talento extraordinário, é difícil descrevê-lo ou caracterizar suas diferentes faces. Melhor dizer que André Dahmer é um artista que se expressa no texto, nos desenhos, nos quadrinhos, na poesia. Com qualidade igual. Mais conhecido pelos quadrinhos (implacáveis!!) que publica em jornais diários, Dahmer revela aguda capacidade de observar, sintetizar e criticar o comportamento humano atual. Tudo envolvido em desconcertante humor. Seus desenhos e textos impactam.
Tivemos uma breve conversa.
Você reconhece fontes, aprendizagens, treinos para tal capacidade de expressão?
Sou mais autodidata. Não aprendo através do outro e sofri muito por isso no colégio. Li pouca coisa de quadrinhos. Sou como um índio que aprende com a natureza…a máquina funciona sozinha. Não tenho método. Como todo mundo desenho desde os 2 anos. Tive uma pausa entre 16 e 22 anos. Desenhar como dançar é natural. Toda criança dança quando ouve musica. E continuariam a desenhar e dançar, mas os colégios desprezam não valorizam… Só pensam no Enem…no dinheiro. Todos podem ser artistas, o problema é que só se pensa em dinheiro. Fazer artístico todo mundo pode fazer.
Como você vê o futuro do Brasil?
Falar de futuro é falar de coisas menores. O Brasil pode ser um presente de igualdade, de comida e leitura para todos. Falar do presente é luta nossa. Tem o que comer? Tem o que ler? Leitura como comida não é luxo. Ler é necessidade de base como rir, chorar, comunicar. Não é para depois. Ler é como falar.
O título de seu livro “A Coragem do Primeiro Pássaro” quer dizer que é preciso coragem para escrever poesia hoje?
Sim, não quero passar vergonha… Mas o titulo é uma analogia da coragem de voar do primeiro pássaro no sentido evolutivo, da Evolução. Analogia à liberdade de estar vivo, de ser feliz. As coisas importantes da vida não vêm do dinheiro. A lógica principal da vida é outra… Seria até fácil se viesse do dinheiro.
Em uma poesia você diz: a poesia é a coisa mais importante do mundo? É?
Em outra, eu digo que a vida é breve e preciosa, ninguém deve perder a vida fazendo poesia. No meu mundo não há explicação cientifica. Faço e destruo o mundo que eu quiser. Não trabalho com a verdade. Criação exige cabeça sem amarras. Há quem diga que tudo já foi dito, inventado… Mas são afirmações burras. Há tanta coisa no ar. Criação é inimiga da verdade. Só a arte te dá essa liberdade de não se prender.
(Do livro A Coragem do Primeiro Passaro)
amor é assim
quem nunca perdeu
não sabe o que está perdendo
*****
sou uma fábrica de sonhos
consigo ver pássaros
saindo pelos canos dos carros
sou vinte e dois em campo
e
do alto de uma janela
também posso me vestir de preto
para apitar o final
*****
na hora do recreio
os que ficavam de castigo
conseguiam brincar mexendo os dedinhos dos pés
no gatil de nossa escola
saciados e felizes
cães ao sol
uivavam para a lua
como se a poesia não fosse
a coisa mais importante do mundo
* Eliane Brígida de Morais Falcão – Doutora em Ciências, UFRJ, 1995 e Pós-Doutorado na Universidade de Cambridge (U.K.), 1998