Ao rejeitar no último dia 24 o ingresso de uma Comissão de Deputados no prédio da Polícia Federal, em Curitiba, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está recolhido há 30 dias, a juíza Carolina Moura Lebbos provocou uma briga com o Poder Legislativo. Contra a decisão dela, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 515) na qual deixa claro que a questão já nem mais é a vistoria ao tratamento dispensado ao ex-presidente, mas a defesa de uma prerrogativa do Poder Legislativo que ela desprezou.
Na ADPF, Maia diz ser necessário “assegurar a autoridade do Poder Legislativo para fiscalizar – de forma geral – a regularidade da execução penal em sua face propriamente administrativa”. E insiste não ser aceitável que:
“(…) decisão do juiz da execução ou de qualquer outra autoridade administrativa responsável por unidades prisionais afaste, sem mais, a possibilidade de que parlamentares no exercício de sua função tenham acesso a um estabelecimento prisional federal para, nos estritos limites de sua competência, analisarem se há ou não, em seu entendimento, algum tipo de irregularidade ou violação a merecer providências”.
Dos onze deputados que deveriam comparecer à Superintendência do DPF em Curitiba, apareceram apenas três – Wadih Damous (PT-RJ), Paulo Pimenta (PT-RS) e Paulo Teixeira (PT-SP). Os demais recuaram ao saberem que a juíza os impediriam. Queriam apenas, em ano de campanha eleitoral, aparecer na foto depois de visitarem Lula. Os três, contudo, foram impedidos de chegar à cela do ex-presidente.
Damous, inclusive, teve rejeitado o pedido de visitar Lula como advogado com procuração passada pelo preso. Tal impedimento gerou outro atrito entre a juíza, o Ministério Público Federal de Curitiba e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Cabe lembrar que a seccional da Ordem no Paraná e o próprio Conselho Federal da OAB não morrem de amores na defesa dos direitos de defesa ao ex-presidente Lula. Omitiram-se, por exemplo, quando o escritório do advogado Roberto Teixeira teve seus telefones grampeados. Mas, neste caso, a OAB-PR, acionada pela Nacional, teve que atuar diante do impedimento ao exercício da advocacia.
No que pese alguns sinais de reconhecimento dos direitos do preso ocorridos recentemente como a permissão para a visita de dois amigos por semana, e a assistência religiosa às segundas-feiras, tal como narramos aqui em Boff visitará Lula na Polícia Federal, a chamada “República de Curitiba” continua criando barreiras em uma provável tentativa de manter o isolamento a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é submetido desde 7 de abril. Para tal, trava uma queda de braço com as duas instituições: a Câmara dos Deputados e a Ordem dos Advogados do Brasil.
No mais recente parecer que apresentaram, os procuradores da Força Tarefa da Lava Jato – aqueles que com o juiz Moro e alguns delegados federais formam a chamada “República de Curitiba” – insistem em impedir a visita da Comissão Externa criada por ato do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. Ainda propuseram à juíza Carolina Moura Lebbos manter a proibição de que o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) esteja com Lula na condição de advogado com procuração passada pelo preso. Alegam que por ser deputado federal ele estaria impedido de atuar como advogado.
O STF como ringue – A briga com a Câmara dos Deputados chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) através da ADPF 515 impetrada pela mesa diretora da Casa Legislativa, portanto, assinada por Maia. Distribuída ao ministro Edson Fachin, ele a encaminhou ao plenário. Não atendeu ao pedido de concessão de liminar para permitir, de imediato, a diligência da Comissão.
Embora alegue-se que ele adotou o rito sumário ao entender a “relevância da matéria e o seu significado para a ordem social e a segurança jurídica, nomeadamente o imprescindível respeito ao texto constitucional, às garantias procedimentais institucionais e às prerrogativas dos Poderes” – tal como consta na página do STF: Ministro submete diretamente ao Plenário ação sobre acesso de comissão da Câmara a local onde Lula está custodiado – sua decisão apenas adiará qualquer decisão. Pelo que despachou, a juíza terá três dias para prestar informações. Em prazo idêntico, ainda colherá o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) e da Procuradoria Geral da República (PGR).
A queda de braço com a OAB ainda se trava dentro da própria Vara das Execuções Penais de Curitiba. Ali, a seccional da Ordem no Paraná requereu a reconsideração do impedimento de Damous avistar Lula como seu advogado. No pedido ajuizado, a OAB-PR sustenta que é ela, como órgão de classe, a quem cabe fiscalizar a atuação dos seus membros. O documento destaca que a “advocacia em processo criminal não se enquadra nas hipóteses de impedimento/incompatibilidade do art. 30, II, da Lei 8.906/94”.
Trata-se do Estatuto da OAB. Por ele, a fiscalização da atuação de advogado que esteja no exercício de mandato de deputado federal, tal como a juíza apontou, é função exclusiva da Ordem. Este impedimento, no entender da entidade, restringe a atuação do parlamentar na advocacia “apenas e tão somente, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, o que, por óbvio, não se apresenta in casu“.
Nos dois casos, porém, em um parecer anexado ao processo, os 13 procuradores da chamada República do Paraná insistem que as decisões da magistrada – barrando a visita da Comissão Externa e do deputado/advogado Damous – devem ser mantidas. Para tal, desenvolvem teses que se chocam tanto com o que a Mesa Diretora da Câmara aponta, na ADPF 515, como “violação ao princípio de separação de poderes e as prerrogativas ínsitas ao Poder Legislativo”, como o entendimento da OAB-PR de que pelo seu estatuto (Lei 906/94) é ela que deve “promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil” (art. 44 inciso II do citada Lei).
Prerrogativas desrespeitadas – Ao sustentar o impedimento à visita da Comissão Externa da Câmara, o parecer dos procuradores reclama que o ofício encaminhado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, embora especifique a competência da CDHM para “receber, avaliar e investigar as denúncias relativas à ameaça ou violação de direitos humanos”, não faz menção em nenhum momento a “qualquer denúncia relativa à ameaça ou violação de direitos humanos, em relação ao qual se funda a diligência pedida”.
A partir desta constatação, usando o verbo na primeira pessoa do singular, apesar de o documento levar o nome de 13 procuradores, a manifestação do MPF propõe que os deputados explicitem quais seriam os motivos que causaram a decisão de investigação: “entendo que deva Sua Excelência o Presidente da Comissão, preliminarmente, uma vez que aponta a existência de fatos ilícitos praticados no local em que se encontra recolhido o custodiado, esclarecê-los, inclusive para que possa este órgão e o Juízo exercer o necessário e concomitante controle”.
O argumento repetido pelos procuradores foi o que respaldou a decisão da juíza Carolina Lebbos, em 23 de abril, ao impedir a visita dos parlamentares, isto é, a falta de motivos a embasar a diligência decidida pela Câmara.
Na ocasião ela lembrou, referindo-se a um pedido de diligência do Senado Federal e outro feito em nome de Adolfo Esquivel, prêmio Nobel da Paz, que “em menos de duas semanas da prisão do executado já chegaram a este juízo três requerimentos de realização de diligências no estabelecimento de custódia, sem indicação de fatos concretos a justificá-los. A repetida efetivação de tais atos, além de despida de razoabilidade e motivação, apresenta-se incompatível com o regular funcionamento da repartição pública e dificulta rotina do estabelecimento de custódia. Acaba por prejudicar o adequado cumprimento da pena e a segurança da unidade e seus arredores“.
Tal justificativa, no entanto, é rebatida por Maia na ADPF 515. Como ele mostra ao STF, “diferentemente do alegado na decisão impugnada, há sim fundamentação subjacente à diligência requerida à 12ª Vara Federal de Curitiba” (que acumula a função de Vara de Execução Penal). Maia diz que o Ato que assinou como presidente criando a Comissão Externa foi uma resposta ao Requerimento nº 8.397/2018, no qual consta os motivos que ensejaram o pedido e o deferimento da diligência.
As justificativas (veja no quadro ao lado) expõem uma série de fatos noticiados a respeito do início do cumprimento da pena pelo ex-presidente, culminando com o impedimento, pela mesma juíza Carolina, da visita dos governadores ao preso. Tal decisão foi classificada pelos deputados como arbitrária, de isolamento do ex-presidente que “fere princípios básicos dos direitos humanos e principalmente da dignidade da pessoa humana”.
Ainda que o “isolamento” tenha começado a ser quebrado semana passada com a permissão da visita de amigos e da assistência religiosa – marcada para às 15h00 desta segunda-feira (07/05), pelo teólogo Leonardo Boff que às 14h00 já estava na portaria principal da Polícia Federal, conseguindo entrar no prédio – o fato de a juíza ter barrado a comissão de parlamentares criou, no entendimento do presidente da Câmara, como ele expõe na ADPF 515, “um obstáculo intransponível ao exercício da prerrogativa constitucional do Poder Legislativo, qual seja, a de fiscalizar e controlar os atos da administração pública”.
O documento impetrado no Supremo bate na tecla de que a conduta da juíza “fere o princípio da separação de poderes, preceito fundamental e cláusula pétrea da ordem constitucional vigente, uma vez que restringe o acesso de autoridade do Poder Legislativo a estabelecimento gerido e administrado por órgão do Poder Executivo, em que se praticam atos que manifestem o exercício de função administrativa – e, portanto, sujeitos ao controle externo do Congresso Nacional no âmbito da administração federal -, e não exclusivamente de função jurisdicional” (grifo do original).
A ADPF destaca que “não se tem registro de qualquer questionamento à autoridade do Poder Legislativo, quer em âmbito federal, quer em âmbito estadual, para fiscalizar as condições de estabelecimentos prisionais”. São citadas diversas iniciativas de parlamentares que resultaram em vistorias a presídios, resultando em relatórios e outras iniciativas legislativas.
Resumindo, Maia mostra que a decisão da juíza já não afeta apenas a questão específica do ex-presidente Lula, mas as prerrogativas do Poder Legislativo, sem que ela tenha poderes para tal.
Interferência no papel da OAB – Já na queda de braço com a OAB, os procuradores da República de Curitiba apelaram para a participação da Petrobras no processo, na tentativa de mostrar que o deputado Damous não poderia advogar contrariamente a uma entidade pública. Isto porque a OAB-PR mostrou que o advogado, quando no exercício de mandato legislativo, só é impedido de advogar “contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público” .
Ao citar a Petrobras como parte no processo o MPF, na verdade, usa argumento no mínimo discutível. Afinal, trata-se de uma sociedade de economia mista, em que a União é majoritária, mas não é considerada uma estatal. Além disso, como já é público, o próprio juiz Sérgio Moro admitiu que no caso do triplex do Guarujá – processo pelo qual Lula está cumprindo pena – em momento algum ficou evidenciado que houve uso do dinheiro que, segundo o MPF, teria sido desviado da estatal. Tal negativa foi mostrada, por exemplo, no site Tijolaço em Moro tropeça e admite que triplex não ‘veio’ de contratos da Petrobras. No despacho, o juiz atesta:
Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente. Aliás, já no curso do processo, este Juízo, ao indeferir desnecessárias perícias requeridas pela Defesa para rastrear a origem dos recursos, já havia deixado claro que não havia essa correlação (itens 198-199). Nem a corrupção, nem a lavagem, tendo por crime antecedente a corrupção, exigem ou exigiriam que os valores pagos ou ocultados fossem originários especificamente dos contratos da Petrobrás.
A partir deste esclarecimento do próprio juiz da sentença, o argumento do MPF sobre a participação da Petrobras no processo cai por terra. Mas os procuradores também alegam que o Ministério Público Federal, “ao exercer o monopólio da ação penal age na qualidade de Estado, como órgão essencial que compõe o próprio Estado. Em outros termos, atua em nome da União promovendo a ação penal nos crimes políticos e infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal”.
Tal argumento é rebatido no parecer da OAB que considera que o MPF não se confunde com o Estado. Mas funciona como um “ente sui generis”, na definição de um criminalista ao Blog. Ou, como diz a representação da OAB, é “a parte ex adversa dos réus em ações penais e nas execuções de pena. Por sua vez, não se caracteriza com pessoa jurídica de direito público, tampouco se confundindo com qualquer ente estatal. O Parquet é órgão independente, essencial à função jurisdicional do Estado, podendo, inclusive, ingressar com medidas judiciais em desfavor de órgãos estatais”.
Petição da OAB protocolada na vara das execuções penais
O argumento mais forte, porém, é que pelo Estatuto da OAB – uma lei federal – cabe à entidade a fiscalização do exercício da profissão, “tanto no aspecto da inscrição, quanto no aspecto disciplinar de quem destoe das normas e regras deontológicas”. Ou seja, quando muito a juíza deveria acionar a Ordem, antes de rejeitar a participação do advogado na causa.
O debate provocado pelo impedimento de Damous atuar como advogado – houve protesto dele e protesto de entidades que defenderam a juíza – acabou provocando a manifestação de mais de 40 juízes e desembargadores do Trabalho – principal área de atuação de Damous – em uma Moção que começou a circular neste final de semana.
Nela, os magistrados “expressam a sua solidariedade ao Advogado Wadih Damous, tolhido no exercício de suas relevantes funções, inclusive assim consideradas pela Constituição de 1988, fato que mitiga o Estado Democrático de Direito, notadamente em tempos de destruição organizada de Direitos Humanos dos setores mais frágeis da sociedade brasileira”.
O documento ainda critica as trocas de acusações entre advogados e juízes, “seja por intermédio de palavras rudes ou da simples tentativa de desqualificação profissional, muito menos comungam com a tese fetichizada de que o conjunto de prerrogativas de uns ou de outros, agentes ou não do Estado, é a chave ou o passaporte para a prática de atos abusivos, autoritários, prepotentes e afinados com os tristes períodos de exceção”.
Em uma estocada nos demais colegas que apoiaram a decisão da juíza Carolina, os subscritores da Moção lamentaram o silêncio das associações de juízes e do Ministério Público que se opuseram a Damous, por elas não terem
“(…) agido com igual zelo em todas as oportunidades nas quais o Estado Democrático foi colocado em xeque pelo punitivismo penal midiático, medieval e seletivo em voga“.
Moção dos magistrados do trabalho pró Wadih Damous
O impedimento criado pela juíza da Vara de Execução Penal de Curitiba, respaldado no parecer dos procuradores da chamada “República de Curitiba”, gerou ainda um abaixo assinado endossado por 13 entidades ligadas ao Direito e outros 400 subscritores – na maioria advogados e juristas. Nele, os subscritores destacam:
“A indignação maior reside no fato de pessoas e entidades da Magistratura e do Ministério Público – escoltados pelos cargos que ocupam – colocarem publicamente suas mágoas e interesses pessoais acima dos interesses republicanos e, quando confrontados pelo debate público, sentem-se atingidos e feridos em suas suscetibilidades.
O debate público é da Democracia e a arena é a Política. Àqueles que não querem se submeter ao escrutínio público devem quedar-se incólume em seus gabinetes, mas, uma vez que se colocam com assessoria de imprensa, postagens em mídias sociais e entrevistas coletivas, estarão sujeitos às críticas e enfrentamentos“.
Nota de desagravo publico ao advogado Wadih Damous
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5 Comentários
Organização Criminosa familiar paranaense dita as decisões de todo o judi$$iário, da primeira à última instância:
https://www.esmaelmorais.com.br/2018/05/a-bolha-da-lava-jato-e-uma-rede-familiar-oligarquica-aponta-pesquisador/
[…] de Curitiba, Carolina Moura Lebbos, manteve a queda de braço com a Câmara dos Deputados e a OAB, como noticiado aqui em Para isolar Lula, “República de Curitiba” briga com Câmara e […]
[…] Para isolar Lula, “República de Curitiba” briga com Câmara e OAB https://marceloauler.com.br/isolamento-de-lula-republica-de-curitiba-briga-com-camara-e-oab/ […]
[…] Fonte: Para isolar Lula, “República de Curitiba” briga com Câmara e OAB – Marcelo Auler […]
Essa cambada da ORCRIM lavajateira e outras enquistadas e encasteladas na burocracia do sistema judiciário precisa ser criticada e desmascarada de forma constante e impiedosa. O oligopólio do PIG/PPV teve ser combatido diariamente, sem tréguas.