Em pleno século XXI as práticas de pistolagem que parecem coisa do passado continuam vigorando – e deixando rastro de vítima e fazendo jorrar sangue – na disputa por terras. Nove vítimas se somarão às 61 contabilizadas em 2016 além das 50 de 2015. Esses novos assassinatos foram cometidos quinta-feira (20/04) na Gleba Taquaraçu do Norte, na região de Colniza (a 1.018 km de Cuiabá). Mortes provocadas por pistoleiros – no caso, um grupo denominado “Encapuzados” – provavelmente a mando de grandes produtores de olho nas terras ocupadas por cerca de 100 pessoas.
No entendimento dos bispos da Prelazia de São Félix do Araguaia, o titular, dom Adriano Ciocca Vasino, e o bispo emérito, dom Pedro Casaldáliga, o ocorrido deve ser inserido dentro do contexto no qual o país vive:
“O massacre acontece num momento histórico de usurpação do poder político através de um golpe institucional, com avanços tão graves na perda de direitos fundamentais para o povo brasileiro que coloca o governo do atual presidente Temer numa posição de guerra contra os pobres, isso refletido de forma concreta nos projetos, como as Medidas Provisórias 215 e 759, que violam direitos dos povos do campo e comunidades tradicionais, como também no acirramento do cenário de violações contra as/os defensores de direitos humanos“. (leia abaixo a íntegra da nota por eles emitida)
As informações sobre o número real de vítima e a identificação das mesmas ainda são desencontradas devido à dificuldade de acesso à região. Para chegarem na Gleba, policiais da cidade precisam percorrer 150 quilômetros em estrada de barro, debaixo de chuva, até Guariba, distrito de Colniza. Depois, são necessários mais 90 quilômetros de barro par então irem de barco, em um percurso de 15 minutos, até a Gleba.
Na manhã este sábado, o site Midiamax noticiou que foram nove vítimas, todas homens e adultos, sendo que três eram de Rondônia, outros três do distrito de Guariba e três cujas origens não estavam identificadas. Os corpos já estariam no centro de Colniza, onde seriam autopsiados.
A própria Secretaria Estadual de Segurança Pública do Mato Grosso, na sexta-feira, admitiu que pessoas encapuzadas invadiram uma área da gleba e provocaram a chacina. A região tem um histórico de violência por conta da disputa por terras. Em 2011, o local já foi palco da expulsão de cerca de 700 famílias.
Em 2014, o presidente da Associação de Produtores Rurais Nova União – ASPRONU, Josias Paulino de Castro, 54 anos, e sua esposa, Ireni da Silva Castro, 35 anos, foram assassinados no dia 16 de agosto. A execução revoltou moradores da região, já que todos sabiam que o casal iria realizar várias denúncias à ouvidoria Agrário Nacional. Até hoje o crime não foi esclarecido e, portanto, o(s) responsável(eis) impune(s). O casal teve os corpos crivados de tiros de arma de fogo 9mm, que é de uso restrito. “Os dois foram baleados na cabeça e Ireni ainda levou um tiro na mão”, disse um policial, na época, segundo notícias da região.
Em nota, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Mato Grosso – Fetagri-MT denunciou o “agravamento do clima de tensão na região” e cobrou providências. Lembrou a impunidade na morte do casal assassinado em 2014 e lamentou “a falta de compromisso e responsabilidade das autoridades estaduais e federais em resolver os conflitos agrários em Mato Grosso, o que acaba prejudicando e ceifando vidas de trabalhadores e trabalhadoras rurais no estado”.
Citou ainda o assassinato de Maria Lucia do Nascimento, no dia 13 de agosto de 2014, com três tiros fatais, no município de União do Sul. Ela era assentada na Gleba Macaco, no Assentamento Nova Conquista 2, área reconhecida legalmente como terra pública da União, onde coordenava a luta pela regularização do Assentamento que conta com 25 famílias de trabalhadores (as) rurais. Também foi presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais. Seu assassinato permanece impune, também.
Estudo divulgado recentemente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), os 61 assassinatos no campo ocorridos em 2016 só 61 assassinatos em conflitos no campo equivalem a uma média de cinco
assassinatos por mês. Destes 61 assassinatos, 13 foram de indígenas, 4 de quilombolas, 6 de mulheres, 16 foram de jovens de 15 a 29 anos, sendo 1 adolescente. Diz ainda a Nota:
“Nos últimos 25 anos o número de assassinatos só foi maior em 2003 quando foram registrados 73”.
Consta ainda da nota da CPT:
“Lutar não é crime! – 2016 se caracterizou por ter sido o ano em que a criminalização dos movimentos do campo chegou a patamares assustadores. Em Goiás, no município de Santa Helena, a ocupação de parte da Usina Santa Helena, por 1.500 famílias ligadas ao MST, desembocou num processo em que pela primeira vez o movimento foi enquadrado na Lei nº 12.850/2013, que tipifica as organizações criminosas.
Foi expedido mandado de prisão contra três integrantes do acampamento Padre Josimo, que era como se chamava a ocupação, e contra um coordenador regional e da direção nacional do MST, José Valdir Misnerovicz.
Foram presos: um trabalhador, Luiz Batista Borges, ao atender convocação para se apresentar para prestar esclarecimentos, e o dirigente nacional, Valdir, por ser liderança, pelo “domínio do fato”. Outros dois se evadiram.
Os pedidos de Habeas Corpus, com excelente fundamentação jurídica, foram sistematicamente negados, pelo Tribunal de Justiça do Estado.
O STJ também denegou o pedido aos trabalhadores, mas o concedeu a Valdir, fazendo constar que a associação para luta por reforma agrária não configura organização criminosa. Na semana
passada, 10 de abril, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o pedido de Habeas Corpus impetrado em favor dos trabalhadores retirou da acusação o crime de organização criminosa”
“A Prelazia de São Félix do Araguaia, em reunião com suas/seus agentes de pastoral, seu bispo dom Adriano Ciocca Vasino e o bispo emérito dom Pedro Casaldáliga, na cidade de São Félix do Araguaia – MT, manifesta sua dor, indignação e solidariedade com as famílias assassinadas na Gleba Taquaruçu, município de Colniza – MT, no dia 20 de abril.
Este massacre acontece num momento histórico de usurpação do poder político através de um golpe institucional, com avanços tão graves na perda de direitos fundamentais para o povo brasileiro que coloca o governo do atual presidente Temer numa posição de guerra contra os pobres, isso refletido de forma concreta nos projetos, como as Medidas Provisórias 215 e 759, que violam direitos dos povos do campo e comunidades tradicionais, como também no acirramento do cenário de violações contra as/os defensores de direitos humanos.
Diversos políticos expõem abertamente seus discursos de ódio e incitação à violência contra as comunidades que lutam pelos seus direitos. Vivemos um clima de “Terra sem lei”, uma verdadeira guerra civil em nosso país.
Como consequência, o ano de 2016 foi o mais violento dos últimos 13 anos, apontando para uma perspectiva desoladora no campo. E esta situação de Colniza, onde assassinaram inclusive crianças, nos expõe diante dos objetivos de ruralistas que não temem nada para conseguir as terras que buscam.
As famílias de agricultores da Gleba Taquaruçu vêm sofrendo violência desde o ano de 2004. Neste período, em decisão judicial, a Cooperativa Agrícola Mista de Produção Roosevelt ganha reintegração de posse concedida pelo juiz de Direito da Comarca de Colniza, como anunciada na Nota da Comissão Pastoral da Terra, de 20 de abril deste ano. Em 2007, ao menos 10 trabalhadores foram vítimas de tortura e cárcere privado e, neste mesmo ano, três agricultores foram assassinados.
Como estão, neste momento, as famílias que vivem em Colniza? O município já foi considerado o mais violento do país. Sabemos que na região existem outros conflitos de extrema gravidade, como o da fazenda Magali, desde o ano 2000, e o conflito na Gleba Terra Roxa, desde o ano de 2004. A população teme que outros massacres possam acontecer.
Clamamos justiça e que os autores desses crimes sejam processados e punidos. A conseqüente impunidade no campo, fruto da omissão dos órgãos públicos, perpetua a violência.
Na semana em que lamentamos o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1997, que vitimou 19 lutadoras e lutadores do povo, somos surpreendidos por outro massacre no campo, que quer amedrontar, calar as vozes e submeter a dignidade do povo brasileiro.
Temos a certeza que o massacre ocorrido jamais roubará os sonhos e as esperanças do povo. E jamais calará a voz das comunidades que lutam.
O sangue dos mártires será sempre semente de JUSTIÇA e VIDA!
São Félix do Araguaia, 21 de abril de 2017″.
2 Comentários
As veias abertas da América Latina.
Em 1996 ocorreu o massacre de Eldorado Dos Carajás. A violência no campo, contra os sem-terra e contra os indígenas, com chacinas freqüentes é uma chaga brasileira. Com a tomada do poder pelas quadrilhas oligárquicas da velha e criminosa política, assim como pelas quadrilhas da burocracia do Estado (aí inclusas parcelas das polícias, grande parte do MP e do PJ) a freqüência e intensidade das violências e chacinas só tende a aumentar
Há relação direta entre o massacre nos presídios, tratados com indiferença e desdém por alexandre de moraes e esse governo composto por criminosos a que ele serviu e continua servindo, agora no STF.
O desmonte da FUNAI, levado a termo por osmar serraglio, esse da turma de eduardo cunha e acusado de corrupção, mostra a tragédia que esse governo quadrilheiro representa para os direitos humanos, sobretudo daqueles secularmente explorados e excluídos.