Como era previsível, o aceite do juiz Sérgio Moro ao convite feito pelo presidente eleito Jair Bolsonaro para ocupar o ministério da Justiça com mais poderes ainda, continua gerando críticas. Em especial pela possível influência nas eleições de decisões adotadas pelo magistrado nos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujas pesquisas apontavam como o preferido do eleitorado no pleito. Lula acabou impedido de concorrer em consequência da ação que Moro presidiu.
Abaixo, com a devida autorização do autor, reproduzimos um novo comentário crítico. É de autoria do ex-procurador-geral da República, no primeiro governo de Lula, Claudio Fonteles. Ele relembra o vazamento – “quando o juiz Sergio Moro não mais detinha competência jurisdicional à prolação do ato” – das conversas telefônicas do ex-presidente com a então presidente Dilma Rousseff, em 16 de março de 2016, unicamente para impedir a nomeação dele como ministro da Casa Civil da presidente.
Fonteles rebate a tese de que a nomeação serviria como forma de gerar imunidade/impunidade, como a mídia tradicional, de uma forma em geral, alardeou à época.
“Conceder-se status de ministro de Estado a Luiz Inácio simplesmente era submetê-lo à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, que o processaria e julgaria, e não mais a instância de 1º grau. Como, então, dizer-se de impunidade?“, questiona.
Para mostrar a impropriedade daquelas afirmações, relembra quando o próprio Lula concedeu o status de ministro ao então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que era investigado criminalmente: “Na ocasião, ninguém manejou o absolutamente incabível argumento de que isso significaria impunidade porque, efetivamente, tal argumento faz-se em completo despautério“, diz.
No artigo comenta também o vazamento, por decisão unilateral do magistrado, de parte da delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci, quando o candidato petista, Fernando Haddad, crescia nas pesquisas. Por fim, aponta a falta de prudência do juiz federal:
“Sacramentada a vitória do candidato Jair Bolsonaro e eis que, em menos de uma semana, o juiz Sergio Moro é convidado e honrosamente aceita comandar a pasta da justiça. Ora, a prudência é a virtude maior sempre que se tenha que decidir em toda e qualquer situação do nosso viver cotidiano, que dirá para quem decide, profissionalmente.“
Ao final, recorre – como bom franciscano que é – mais uma vez aos ensinamentos do Papa Francisco. Abaixo o artigo, mantidos os grifos do original.
Leio que o juiz Sergio Moro sentiu-se honrado com o convite que o futuro presidente Jair Bolsonaro fez-lhe para comandar superdimensionado Ministério da Justiça.
Analiso a conduta de Sergio Moro.
A análise, porque serena, objetiva e fundamentada, deve lastrear-se em fatos certos.
Assim conduzo-me e apresento o primeiro fato.
Trata-se de decisão do juiz Sergio Moro autorizando a publicidade de conversa telefônica, então travada entre a Presidente Dilma Rousseff e o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, nomeando-o chefe da Casa Civil de seu governo.
Essa autorização deu-se quando o juiz Sergio Moro não mais detinha competência jurisdicional à prolação do ato, como decidiu o Ministro Teori Zavascki, à época, retirando-lhe validade jurídica.
No entanto, essa decisão foi encaminhada à mídia, que lhe conferiu enorme estardalhaço, todo centrado na construção de que o ato da Presidente significaria conceder impunidade total a Luiz Ignácio Lula da Silva, o que gerou forte repulsa popular.
Contudo, a produção noticiosa é totalmente equivocada. E assim o é porque o que aconteceria no conceder-se status de ministro de Estado a Luiz Inácio simplesmente era submetê-lo à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, que o processaria e julgaria, e não mais a instância de 1º grau.
Como, então, dizer-se de impunidade?
Quem o dissesse colocaria, irresponsável e infundadamente, em cheque a imparcialidade de nossa Suprema Corte.
Relembro que quando exerci o cargo de procurador-geral da República, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu status de ministro de Estado ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, na ocasião, que era investigado criminalmente. Um dos principais partidos de oposição – o PFL (Partido da Frente Liberal) – corretamente questionou tal ato, por dizê-lo incabível em sua edição por meio de decreto-lei, eis que não se enquadrava nas hipóteses constitucionais de utilização desse caminho normativo, tese a que aderi.
Na ocasião, ninguém manejou o absolutamente incabível argumento de que isso significaria impunidade porque, efetivamente, tal argumento faz-se em completo despautério. E assim o é, mesmo, porque no regime presidencialista o presidente da República goza de plena autonomia à formação de sua equipe de trabalho, arcando, isso sim, com o ônus de escolhas inadequadas.
O segundo fato é bem mais recente e diz com o acontecer das eleições, recém- findas.
Noticiou-se, amplamente, que o candidato Jair Bolsonaro caíra 2 pontos percentuais, e o candidato Fernando Haddad subira 2 pontos percentuais, aproximando-os.
Tem-se, então, que o juiz Sergio Moro, contemporaneamente a essa situação, decide, de inopino e por si próprio, sem provocação do Ministério Público, titular da ação penal pública, e sem ouvir a defesa, quebrar o sigilo da delação premiada de Antônio Palocci, sigilo esse presente desde abril do ano em curso, portanto fazendo-o seis ( 6 ) meses já transcorridos, decisão essa despida de qualquer fundamentação.
Seguiu-se o costumeiro estrépito jornalístico a propósito da corrupção do Partido dos Trabalhadores e sua maior liderança – Luiz Inácio Lula da Silva – desfazendo-se o quadro de ascensão de Fernando Haddad.
Sacramentada a vitória do candidato Jair Bolsonaro e eis que, em menos de uma semana, o juiz Sergio Moro é convidado e honrosamente aceita comandar a pasta da justiça.
Ora, a prudência é a virtude maior sempre que se tenha que decidir em toda e qualquer situação do nosso viver cotidiano, que dirá para quem decide, profissionalmente.
Ainda hoje, reproduzida está pelo jornal Folha de São Paulo entrevista de Sergio Moro, datada do ano de 2016, concedida ao jornal Estado de São Paulo, quando peremptoriamente respondeu com enfática e repetida negativa ao ser indagado sobre se se candidataria a cargo eletivo ou entraria para a política.
Disse Moro: “Não, jamais. Não. Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem de política”.
A prudência manifesta o zelo com a coerência.
O estrelato e o encantamento são as vias sedutoras do egocentrismo.
Encerro este artigo.
Faço-o avivando palavras tão pertinentes do Papa Francisco para a presente reflexão.
“Não nos faz bem olhar com altivez, assumir o papel de juízes sem piedade, considerar os outros como indignos e pretender continuamente dar lições. Essa é uma forma sutil de violência”. (leia-se a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate – nº 117 – pg. 57, grifos meus).
Paz e Bem.
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