Por meio de uma Reclamação ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde da quinta-feira (04/05), a defensora pública da União, Rita Cristina de Oliveira, que assiste, em Curitiba, oito dos 12 presos da Operação Hashtag (ocorrida entre o 22 e 24 de julho), pede que a corte faça cumprir sua própria decisão vinculante, adotada em 20 de junho, determinando a apresentação de prisioneiros ao juízo “sem demora”.
Na decisão, os ministros do STF confirmaram a necessidade da chamada “audiência de custódia”, até hoje não realizada pelo juiz da 14ª Vara Federal de Curitiba, Marcos Josegrei da Silva, que assinou as prisões preventivas dos suspeitos de formarem um grupo terrorista no país.
Os doze, bem como outros dois investigados que não chegaram a ser presos, estão sendo incriminados com base na Lei Antiterrorismo – Lei 13.260, de 16 de março -, promulgada ainda no governo de Dilma Rousseff. São investigados e foram presos apenas por suspeitas genéricas, sem que se constatasse nenhuma ação concreta deles a justificar a pecha de terroristas que já lhes foi atribuída. São, “pessoas social ou emocionalmente vulneráveis”, como definiu Rira Cristina, 38 anos, advogada criminal há 12 anos, os últimos três na Defensoria Pública da União (DPU) e, desde janeiro, atuando em Curitiba. De todos, apenas dois têm antecedentes criminais, mas nenhum deles tinha mandado de prisão pendente. Eram homens livres.
Ao cobrar a realização desta audiência de custódia, Rita Cristina, ao mesmo tempo, questiona o isolamento em que estão os presos da Operação Hashtag. A decisão de Josegrei, que atendeu ao pedido da Polícia Federal, endossado pelo procurador Rafael Brum de Miron, do Ministério Público Federal no Paraná, mandou trancafiar os 12 em Campo Grande (MS). Por conta disso, até esta quinta-feira Rita Cristina não teve contato direto com os seus “clientes”. As informações que recebeu deles foram repassadas por seus colegas da Defensoria Pública da União (DPU) de Campo Grande.
Este isolamento, que Josegrei recusou-se a rever quando instado pela defensoria, na quinta-feira, 30 de julho, acabou provocando outro prejuízo à defesa. Mesmo já tendo quem os assistissem – foi o juiz quem determinou à Defensoria que atuasse a favor dos suspeitos sem condições de bancar advogados – os presos foram ouvidos pela equipe da Divisão Antiterrorismo do Departamento de Polícia Federal (DPF), dentro da penitenciária de segurança máxima, sem a presença de advogados e/ou defensores.
A restrição aos advogados na penitenciária foi ditada por uma portaria do Ministério da Justiça, comandado pelo também advogado Alexandre de Moraes. Fica a suspeita de que tudo foi conduzido para evitar que os presos recebessem a assistência garantida pela Constituição. Curiosamente, além de determinar à defensoria que assistisse aos presos, Josegrei, no dia seguinte da Operação, garantiu o acesso dos defensores e advogados aos suspeitos. Se o juízo deu essa autorização, o que motivou o ministério da Justiça a criar normas dificultando o acesso e quem teria sido o responsável pelos depoimentos dos presos longe de seus defensores?
De certa forma, porém, o juízo também teve sua parcela de responsabilidade. Na entrevista que nos concedeu quando preparávamos a matéria publicada em CartaCapital – “Terror ou Terrir?” – ele foi claro ao apontar a condição dos doze apenas como suspeitos, longe de serem tratados como terroristas, como se já estivessem condenados:
“Não estou prejulgando ninguém. Foi concedida a prisão temporária para facilitar a investigação com base nas suspeitas. Com o avançar das investigações e a análise do material apreendido, vou ter um panorama melhor se realmente havia risco. Se são um perigo para a sociedade, se podem retornar às suas vidas ou devem retornar com restrições (tornozeleiras?). Espero em 30 dias tudo esclarecido”, adiantou.
Se ele mesmo reconhece que não são condenados, apenas suspeitos, o que justifica todos terem sido trancafiados incomunicáveis em uma penitenciária de segurança máxima, a mil quilômetros de distância do juízo da causa? Por que Josegrei não reviu sua decisão quando instado pela defensora a levar os presos para a audiência de custódia?
O impedimento do acesso de advogados não foi, nesta Operação, a primeira ordem de Josegrei descumprida pela Polícia Federal e o ministério da Justiça.
Tampouco pode ser visto como uma questão isolada. Há, como já alertamos que aconteceria, em maio, nas reportagens O constrangimento às baianas sinaliza a criminalização dos movimentos sociais e Um ministério de sexta-feira 13: loteamentos para saciar apetites todo um clima de se retomar o estado policial que funcionou na época da ditadura militar, principalmente criminalizando-se movimentos sociais.
Não à toa que esta Operação Hashtag surgiu de informações repassadas, em maio, à Polícia Federal e, certamente, à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) por agências norte-americanas. Elas enviaram ao Brasil nomes de pessoas que apoiavam as ações do Estado Islâmico nas redes sociais.
Efeito Sérgio Moro? A partir daí a Polícia Federal passou a monitorá-los conseguindo do juiz uma ordem ao Face book para quebra de sigilo destas comunicações. Entre os doze que tiveram a prisão decretada, apenas quatro estavam com o nome na relação enviada pelos EUA. O juiz diz que eles participavam de uma “comunidade fechada no Face book, envolvendo o estado Islâmico”. Garante que apareceram coisas “bem fortes”
Do que vazou, sabe-se que eles comentavam se tinham ou não se batizado no Islamismo e um dele mencionou que pretendia comprar um fuzil. Mas a única arma que se teve notícia foi a do jogo de paintball, praticado por um deles, como mostrou a foto na revista CartaCapital.
Apesar das preocupações do juiz com as coisas “bem fortes” que foram ditas, ele entrou em choque com o que disse o ministro da Justiça. Moraes apontou o jovem Levi Ribeiro Fernandes de Jesus, 21 anos, morador na cidade de Colombo (PR), vizinha a Curitiba, como líder da suposta célula terrorista.
“Não diria que ele é líder. Na investigação não há elementos para apontar uma liderança. O relatório indica um número de pessoas e não tinha elementos de quem seria o líder”, explicou o magistrado.
O que pode parecer um mero detalhe, não é. A indicação de Levi como possível líder pode esconder uma motivação maior da Polícia Federal. No grupo dos doze há moradores de diversos estados – dois de Mato Grosso, um da Paraíba, dois do Rio de Janeiro, dois de São Paulo, um do Amazonas, entre outros. Logo, a ação criminal poderia ser ajuizada em qualquer destes estados. Caso não se confirme nenhuma acusação contra Levi, certamente o processo sairá do Paraná.
Ao apontarem o paranaense como “líder”, é possível supor que os policiais federais de Brasília pretendiam justificar o ajuizamento do caso em Curitiba. Talvez até desejassem que ele fosse parar na 13ª Vara Federal, a de Sérgio Moro. Mas, quando da distribuição do pedido de medidas cautelares – quebras de sigilo, por exemplo -, por sorteio, o caso foi para a 14ª Vara Federal, cujo titular, Josegrei, 44 anos, 16 de magistratura, tem um perfil diferente do seu famoso colega. Nota-se isso quando explica o seu trabalho:
“O papel do Judiciário é regular as demandas que recebe e dar uma resposta dentro do que o caracteriza, a equidistância das partes. Por princípio não costumo fazer juízo prévio, até para não questionarem minha isenção”, explicou na entrevista para a matéria de CartaCapital. Coincidência ou não, a isenção de Moro é questionada pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Josegrei, porém, deixou passar questões que desrespeitaram suas ordens. Como o vazamento da operação em si. Apesar de ter determinado total sigilo em torno do caso, as prisões foram logo anunciadas, presos foram estrategicamente transferidos para serem fotografados, e até o ministro da Justiça deu coletiva, numa nítida demonstração que o governo queria conquistar notícias positivas nas páginas.
O que ninguém questionou é como o ministro estava a par de detalhes de uma operação que tramitava em segredo de Justiça. Mesmo como superior hierárquico da Polícia Federal, não poderia tomar conhecimento de tais detalhes. Não é da sua alçada inteirar-se de investigações. Apenas, administrativamente, deve dar as condições da polícia atuar.
Contradições – As opiniões colidem. O ministro, ao mesmo tempo que mostrava serviço falando do desmonte de uma “célula do Estado Islâmico” no Brasil, desclassificou o grupo, tratando-o de amador. O procurador Miron reconheceu o amadorismo, mas completou: “Não conheço suicida experiente (…) Eles não têm técnicas muito apuradas, mas para dirigir um caminhão e atropelar 80 pessoas (como ocorreu na França) não precisa muita técnica. Existe a preocupação. Neste processo ela é séria, por isso essas pessoas estão presas”.
“Acho muito prematuro dizer que se descobriu uma célula do Estado Islâmico. Estamos ainda bem distante disso. Bem, bem!”, diz Rita Cristina, com base em tudo o que viu da investigação, afastando a possibilidade desse nível de organização.
É claro que ela não pode, como qualquer pessoa, garantir que não ocorrerão atentados nos Jogos Olímpicos: “seria um exercício de adivinhação, até porque a marca de todo e qualquer atentado é a surpresa. Podem estar preparando com pessoas que não essas que estão presas”.
Mas, com base nos dados da investigações que lhes chegaram às mãos e antes de ter acesso a todo o material recolhido nas buscas e apreensões, ela não viu o mínimo de chances deste grupo estar preparando qualquer espécie de atentado durante a Olimpíada no Rio de Janeiro:
“Pelo que eu tenho conhecimento dos autos, não. Não se chegou a elucidar, até o momento, nenhum ato preparatório concreto de atentado”.
Até por não enxergar esta periculosidade nos presos que o primeiro ponto atacado por Rita Cristina foi o isolamento deles em uma penitenciária de segurança máxima:
“O sistema penitenciário federal é uma medida drástica, que não se justifica pelo estágio da investigação. Eram pessoas em situação de liberdade, ainda na condição de investigados. Não existem elementos que assegurem que estas pessoas vão sofrer uma ação penal. Então, incluir diretamente neste estágio de isolamento prisional parece algo excessivo. É uma decisão drástica”, insiste a defensora.
O que quer a sociedade? – Sua queixa, porém, não foi atendida pelo juiz e, antes mesmo de recorrer ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, optou pela Reclamação junto ao Supremo, que está sendo distribuída nesta sexta-feira (05/08) a um dos ministros.
Outro ponto que a defensora destaca é que antes de se concluir a investigação não há como falar em tipificação penal. A nova lei antiterrorismo prevê como crime “promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista”. Rita Cristina questiona se apoiar ações, por piores que elas sejam, se enquadra na “promoção” do ato do terrorismo:
“Do ponto de vista legal, por mais chocante que determinadas declarações possam ser, para serem consideradas crimes têm que ter um respaldo em um tipo penal. A lei antiterror fala em “promover organização criminosa”. Mas, enquadrar nesse verbo, por uma afirmação simples como esta, é algo bastante discutível. Como a lei é muito nova, existe pouca doutrina que debate sobre o assunto e nós vamos ter que deliberar o que é promover. Promover, no meu ver, na minha leitura seca da lei exige algo mais do que declarar uma simples simpatia a uma ação chocante, mesmo que seja do Estado Islâmico”.
Por fim, ela levanta uma questão que a sociedade como um todo deveria debater: a amplitude do que vai se considerar terrorismo ou propaganda do mesmo: “Por exemplo, a afirmação de simpatizante do EI, o “quero me batizar”, esse tipo de afirmação não tem lastro de adequação típica na lei. Pode ser que algum doutrinador discorde de mim, mas para mim não tem lastro para isso. Vamos forçar um entendimento para que tenha?”.
É para se pensar para aonde queremos caminhar. Pelo que se tem visto, o governo Temer já caminha para um Estado Policial.
7 Comentários
[…] É verdade que o isolamento desses presos contou com o apoio do procurador da República de Curitiba, Rafael Brum Miron, teve o aval do juiz Josegrei, foi mantido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e até mesmo pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao recusar analisar um pedido da Defensoria da União como narramos em Defensora recorre ao Supremo contra isolamento dos “terroristas tupiniquins”. […]
[…] Cabe aqui lembrar uma afirmação do próprio juiz Josegrei, no início de agosto, publicada na reportagem Defensora recorre ao Supremo contra isolamento dos “terroristas tupiniquins: […]
[…] – em alusão ao terrorismo, em uma referência à Operação Hashtag ( leia, a propósito, Defensora recorre ao Supremo contra isolamento dos “terroristas tupiniquins”) – do que internas, no planejamento da segurança da Olimpíada. “A Olimpíada é muito […]
[…] – em alusão ao terrorismo, em uma referência à Operação Hashtag ( leia, a propósito, Defensora recorre ao Supremo contra isolamento dos “terroristas tupiniquins”) – do que internas, no planejamento da segurança da Olimpíada. “A Olimpíada é muito […]
Como sempre concordo inteiramente com o Paiva. Estado Policial estávamos quando montaram a farsa do “impeachment” para dar o Golpe de Estado contra um governo democraticamente eleito e íntegro, agora já “evoluímos” para um Estado Terrorista e se o golpe passar virá uma truculenta ditadura que costuma ser mais cruel que uma ditadura militar (Hitler, Mussolini, família real da Arábia Saudita, Qatar, etc.)
A verdade nua e crua é que esse governo golpista não implantou um Estado Policial, mas um Estado Terrorista. Alexandre de Moraes, que já advogou para o PCC, não age como Ministro da Justiça, mas como um terrorista de Estado.
Eu nao entendo mais nada. QUEM É BANDDO, QUEM É POLÍCIA, QUEM É MPF, QUEM É JUIZ, QUEM É LESGISLADOR E PRA QUE SERVE A CONSTITUIÇÃO E AS LEIS ?
http://www.tijolaco.com.br/blog/ideia-de-justica-de-moro-e-prova-ilicita-e-pegadinha-de-tv/