Arnaldo César (*)
No último dia das Olimpíadas, a mídia brasileira não se conteve. Indistintamente, todos os veículos aproveitaram dos momentos finais para jogarem confetes neles mesmos. Sem qualquer pudor, as rádios e as TVs gabaram-se de terem colocado no ar mais de 200 horas seguidas de transmissão de competições esportivas acompanhadas de seus respectivos noticiários. Os jornais e as revistas jactaram-se das quantidades monumentais de páginas impressas.
Sobre a qualidade do conteúdo oferecido aos telespectadores/leitores nenhuma menção. É justamente aí que reside toda a fragilidade do jornalismo brasileiro. Quando se trata de narrar o que está acontecendo às vistas de todos vamos bem. Quando é necessário investigar ou apurar um fato, a coisa muda de figura.
O mestre Jânio de Freitas, na sua coluna do último domingo (dia 20), na Folha de S. Paulo, colocou o dedo na ferida. Nenhum veículo teve a pachorra de mandar um profissional apurar com isenção o que estava acontecendo na organização dos eventos. As manchetes predominantes eram de que as obras não ficariam prontas a tempo de sediarem as competições.
A baía de Guanabara e a Lagoa Rodrigo de Freitas iriam contaminar velejadores e remadores com os coliformes fecais tamanha era a poluição. O trânsito iria se transformar num caos. A linha 4 do metrô até o Jardim Oceânico não ficaria pronta e, se ficasse, não daria conta de transportar os turistas até o Parque Olímpico, na Barra.
Nada disso aconteceu. Apostamos num velho conceito predominante até hoje em nossas redações: aos leitores/telespectadores só interessam as notícias negativas. Quanto pior melhor. Mesmo que a negatividade seja falsa.
Às favas – “Correia de transmissão” é uma expressão do jargão jornalístico para caracterizar uma notícia desprovida de qualquer apuração. Ouve-se o que uma fonte ou uma autoridade fala e a colocam no ar ou no papel da maneira que foi dita. Aqui no Brasil, somos bons nisso.
Senão, vejamos: Quando os nadadores norte-americanos, liderados pelo arruaceiro e mentiroso Ryan Lochte, denunciaram que tinham sido assaltados num posto de gasolina, nas proximidades da Vila Olímpica, demos ares de verdade à patacoada dos gringos. Nenhum dos nossos briosos profissionais da notícia se deu ao trabalho de ir para a rua “ralar no espinho” (outro jargão jornalístico que também pode ser entendido como “esforço de reportagem”) para ver se os atletas estavam falando a verdade.
Quem fez isso, na verdade, foi à imprensa estrangeira. O tabloide britânico “Daily Mail” colocou no seu sítio na Internet, na terça-feira (dia 16), um vídeo mostrando os nadadores pretensamente assaltados, chegando lépidos e faceiros na Vila Olímpica. A Globo e a imprensa brasileira com sua multidão de editores, repórteres e cinegrafistas dedicada ao evento olímpico foram a reboque dos fatos.
Para concluir o lamentável episódio, a dona do telejornal de maior audiência no País acabou fazendo o que sempre gosta de fazer: “correia de transmissão”. Pressionado pelos seus patrocinadores que têm grandes interesses no mercado mundial de material esportivo, o arrogante Lochte viu-se obrigado a aparecer no “Jornal Nacional”, na sexta-feira (dia 19), pedindo meias desculpas ao povo carioca.
Desidratada de profissionais e às voltas com a maior crise existencial de sua história, as empresas jornalísticas brasileiras aboliram a apuração e a investigação jornalísticas. Isso custa caro e demanda tempo. A credibilidade dos veículos foi lançada às favas. Cada vez mais se transforma numa falácia.
Negativismo crônico – A contabilidade final da “Rio 2016” feita por especialistas em gestão esportiva brasileiros e estrangeiro foi extremamente positiva. A alegria e a cordialidade dos brasileiros predominaram. Superam todos os erros cometidos dentro e fora das quadras.
As manchetes dos dois maiores impressos brasileiros – “Folha” e “O Globo” – contudo, não perderam a oportunidade de expor o espírito de “vira latas” que predomina em suas redações. Cravaram em suas primeiras páginas, desta segunda-feira (dia 21): “Mesmo com recorde de medalhas, meta do país não foi cumprida”.
O atleta mentiroso dos Estados Unidos, mesmo que pressionado por aqueles que lhe garante o sustento, veio a público desculpar-se. E, a nossa mídia que cometeu tantos erros de avaliação, se esbaldou na “correia de transmissão” e mentiu desbragadamente não teria que fazer o mesmo com aqueles que garantem a sua audiência ou circulação?
Jamais farão isso. Se tiverem que se penitenciar pelos tropeços de uma cobertura olímpica, imaginem o que terão que fazer em relação ao noticiário do golpe da presidente Dilma Rousseff! Como esclarecer aos leitores e telespectadores que Lula não é dono do comprometedor tríplex da praia de Guarujá?
O consolo é que ainda temos nas trincheiras das redações figuras como Jânio de Freitas e Mino Carta garantindo um pouco de dignidade à uma atividade profissional, que num passado nem tão distante, teve papel determinante no resgate da democracia brasileira.
(*) Arnaldo César é jornalista
4 Comentários
you are in point of fact a just right webmaster. The site loading velocity is amazing. It sort of feels that you are doing any distinctive trick. Furthermore, The contents are masterpiece. you’ve performed a magnificent process in this subject!
O PIG/PPV brasileiro é uma latrina criminosa, como bem sentenciou o advogado, jornalista e ex-DPF Armando Coelho Neto. E neste artigo, Arnaldo César faz crítica tão contundente quanto, mostrando por que a chamada ‘grande mídia comercial brasileira’ não possui hoje a mínima credibilidade. A chamada ‘grande mídia comercial brasileira’, assim como a Farsa a Jato, é uma ORCRIM institucional.
Não vai falar da cobertura da Record, do amigo PHA?
Gostei muito do conteúdo dessa matéria que não se conteve com o obvio. Foi além. Parabéns!!! Infelizmente a maquina de propaganda mantem nosso complexo de vira latas. Certa vez, há muitos e muitos anos, li um livro de uma divisão de inteligencia de um governo europeu cuja missão era justamente destruir ídolos, mitos e orgulhos dos países onde atuavam para manter a dominação.