Marcelo Auler
Como cada vez menos os leitores dos blogs em geral recorrem à chamada mídia tradicional, acho válido transcrever aqui a coluna de hoje (quarta-feira, 13/04) de Elio Gaspari, com uma análise pertinente do pretenso discurso que o vice-presidente, Michel Temer, aquele que já se considerou vice-decorativo, mas passará para a História como vice-golpista, em uma jogada ardilosa, vazou para conhecimento público.
Gaspari toca em um ponto chave para aqueles que acham que defendendo o impeachment, mesmo sem sustentação legal, estarão ajudando a combater a corrupção.
Temer conseguiu, em 14 minutos de pronunciamento que consumiram três páginas de word, 1675 palavras espalhadas por 150 linhas e 16 parágrafos, não citar uma única vez a palavra corrupção, nem tampouco falar sobre o assunto que é, segundo todas as pesquisas, o que mais mobiliza a sociedade. Certamente o fez por saber que há fortes dúvidas sobre seus bons antecedentes, ainda que possa ser incluído entre os políticos de ficha limpa.
Há um outro ponto que Gasparti destacou e que nos passou desapercebido quando escrevemos Em Brasília, não existe acaso; tudo é ardilosamente planejado. O atual vice-decorativo, mandou um recado claro a governadores e prefeitos sobre a possibilidade de renegociar as dividas dos governos com a União. Algo que pode significar a suspensão de um pagamento de R$ 27 bilhões ao Tesouro Nacional, apenas neste ano. Isso corrobora nossa tese de que o vazamento do pretenso discurso não foi algo ao acaso, mas uma jogada ardilosa em busca dos votos que faltam para o processo do impeachment passar e Temer se sentir mais próximo da cadeira hoje ocupada por Dilma Rousseff.
Abaixo o artigo de Élio Gaspari, copiado da Folha de S. Paulo.
Corrupção. Faltou não só a palavra, faltou qualquer referência ao tema. Pode ter sido esquecimento, o que não é pouca coisa, pois nesse caso Michel Temer seria o único brasileiro capaz de falar durante 14 minutos sobre a crise política, pedindo um governo de “salvação nacional”, sem qualquer referência às iniciativas que feriram a oligarquia política e econômica brasileira.
Uma coisa é o destino da doutora Dilma. Bem outra são a Lava Jato e suas subsidiárias que estão encurralando oligarcas. É insultuoso supor que uma pessoa queira defenestrar a doutora e o PT para travar a Lava Jato, mas quem quer freá-la pode achar que uma troca é boa ideia. É necessário reconhecer que a cena do deputado Eduardo Cunha e do senador Romero Jucá de mãos dadas e braços erguidos comemorando o rompimento do PMDB com o Planalto mostra para onde vão os interesses de uma banda da oligarquia. Cunha é réu de um processo no Supremo Tribunal e Jucá está sendo investigado pelo Ministério Público.
Se houvesse qualquer referência ao combate à corrupção no seu discurso de posse presuntiva, Temer mostraria coragem e disposição de incomodar correligionários. Esqueceu-se, tudo bem, mas não deve pedir aos ouvintes que não percebam. Como se sabe desde que a palavra impeachment entrou no vocabulário politico, tirar Dilma é uma coisa, quem botar no lugar é outra.
Desconte-se a trapalhada que tornou público o áudio de Temer. Ele informou que recolheu-se “há mais de um mês”. Seria um exemplo de recato se tivesse amparo nos fatos. O vice-presidente gosta de palavras raras e construções solenes. Só isso o leva a falar em “senadores da melhor cepa e sabedoria”. Ou em “estudar isso com detença”. O doutor parece competir com o governador Geraldo Alckmin na produção de platitudes. Coisas como “não quero que isto fique em palavras vazias”, “temos absoluta convicção”, “a classe política unida com o povo”, “o Estado não pode tudo fazer”. Finalmente: “temos que preparar o país do futuro”. O tucano paulista acrescentaria: “com firmeza e determinação”.
Os 14 minutos de Temer não embutiram uma plataforma, mostraram um palanque. Diante da ruína produzida pela doutora Dilma, antecipa “sacrifícios”. Oferece intenções e diálogo. Num ponto, porém, ele se deteve:
“Sei, por exemplo, no tópico da Federação, da grande dificuldade dos Estados e municípios nos dias atuais. Há estudos referentes à eventual anistia ou perdão de uma parte das dívidas e até uma revisão dos juros que são pagos pelas unidades federadas. Vamos levar isso adiante.”
Decifrando a promessa para governadores encalacrados e prefeitos falidos: “Vamos levar isso adiante”. (Faltou definir “isso”.)
Decifrando os números: Estados e municípios querem repactuar os contratos de R$ 402 bilhões de dívidas já renegociadas com a União. Neste ano horrível, a simples revisão dos juros pode tirar R$ 27 bilhões da União. (O Supremo Tribunal concedeu uma liminar que poderá beneficiar todos os governadores e prefeitos, mas a sentença ainda depende do pleno da Corte.)
Governo de “salvação nacional”. Salvação de quem?
4 Comentários
Bem observada a falta da palavra/tema “corrupção”. Como Roberto Marinho dizia: O JN é o que é, não pelo que deu, mas pelo que deixou de dar. É o fim da “caça às bruchas” de que Serra falou, derruba a Dilma e para a caça pra não pegar 17 governadores e milhares de prefeitos. Vai ficando claro, tem dois lados, onde tem mais corrupto, já investigado e denunciado, não é a melhor opção para derrubar uma Presidente que não cometeu crime. Temer com suas cartas e áudios só afirma sua posição golpista tecendo promessas à velhas raposas da politica nacional. A velha maneira de fazer politica. Que seja o fim de uma era, o povo não pode ser subjugado por pobreza e falta de ensino público de qualidade. Um novo massacre deve ser abortado por Instituições de Justica.
No que depender do STF, CUnha sobreviverá até a uma guerra atômica… com as baratas!
https://jornaleirotalisandrade.wordpress.com/2016/04/12/cunha-sobrevivera-ate-mesmo-a-uma-eventual-guerra-atomica-restara-apenas-ele-e-as-baratas/
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Poucas coisas na História do Brasil recente são mais vergonhosas do que o muro levantado diante do Congresso Nacional para dividir os brasileiros. A imprensa simplesmente ignora. Está focada em um objetivo.
Com 27 partidos com representatividade na Câmara, com milhões de tons de pele, com imigrantes de milhares de nacionalidades, com gente que gosta de todos os ritmos e ritos, gente de todos os credos e crenças, de todas os times e escolas de samba, de todas as idades, de todas as comidas, de todas as artes, de todas as profissões, seremos oficialmente reduzidos a apenas dois grupos. Os brasileiros do sim e os brasileiros do não. Coxinhas e Mortadela.
Somos, esta semana, aos olhos do mundo, um país binário.
Se tudo correr conforme o planejado, neste final de semana a Câmara dos Deputados protagonizará o primeiro plebiscito indireto da História.
Quando os jardins estiverem lotados de brasileiros, divididos em dois grupos, teremos chegado ao mais baixo nível de nossa intransigência.
Com o muro, fica institucionalizado que só existe uma verdade: a nossa aqui desse lado.
Só que ao entrar pelo Congresso, seria cômico se não fosse trágico, o maniqueísmo do lado de fora dá lugar a uma plêiade de interesses e opininões.
Lá dentro não é mais o sim e o não que interessam. Lá dentro da Câmara o que interessa é o que cada deputado vai levar com seu voto. Tudo comandado por um vice presidente da republica e o presidente da Câmara. Ambos tão sujos quando ao sistema.
Para eles, que se dane o apartheid que esta classe política medíocre conseguiu impor ao país com régias doses de incompetência e corrupção.
Para eles, que se dane se nos dividiram em dois Brasis.
Para eles o que interessa mesmo é o vil metal. Os conchavos. As vantaginhas. As benesses. Os cargos.
Porque, não se engane. A culpa não é nem de Lula, nem de Aécio. Nem de Dilma, nem de Alckmin. A culpa não é de apenas um. A culpa é de todos, FHC incluído.
A culpa não é sua nem minha. Você votou em quem pode votar. O sistema já estava podre muito antes de você tirar o título de eleitor.
A culpa por esse crash histórico é de uma classe política nefasta, que se compra e se vende descaradamente.
E não me venha dizer que sempre foi assim, desde 1500.
Bobagem.
No fim do Governo Militar poderíamos ter zerado o “sistema”.
Ou na Diretas Já.
Ou na Constituinte.
Ou no Collor.
Mas nunca tomaram vergonha.
Depois de décadas dessa gente porca, inútil, escondida em Brasília roubando o futuro de nossos filhos, finalmente nós chegamos ao sim e ao não. Ao nós e aos eles.
Como se qualquer uma dessas mudanças, impeachment, renúncia, nova eleição, fosse fazer qualquer diferença.
Aqui fora, os sins vão odiar os nãos, e vice versa. Temo que esse muro não vá nem aguentar tanta ira.
Só não percebem, os sins e os nãos, que o inimigo não mora ao lado. Está lá na frente. O certo não será pular o muro. O certo seria invadir o Congresso e cobrar daquele chiqueiro o que fizeram com o nosso país.
Temo pela verdade.