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Marcelo Auler

“Ninguém é líder atrás de uma mesa”, disparou Claudio Fonteles na entrevista à TV 247 (Foto: reprodução)

O ex-procurador-geral da República (2003/2005), Claudio Fonteles, em entrevista à TV 247, na última quinta-feira (09/07), atribuiu a crise instalada dentro da Procuradoria Geral da República (PGR) “à falta de liderança”. Para ele, “o grande problema que temos hoje é a falta de liderança“. Na sua análise o problema surgiu porque a “escolha do colega Augusto Aras rompe com uma tradição de sempre se observar a lista tríplice. Portanto, esta pessoa vem sem o beneplácito da classe, sem que tenha se exposto – fui o primeiro a participar de debates com a minha classe, eu e outros concorrentes – sem que tenha exposto suas diretrizes, sua maneira de pensar, sua maneira de ser, para a classe“.

Fonteles foi o primeiro procurador-geral da República a ocupar o cargo por indicação dos seus pares. Seu nome foi indicado ao Senado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em junho de 2003, a partir de uma lista tríplice elaborada a partir da indicação por voto secreto dos procuradores da República. Desde então, a indicação de lista tríplice passou a ser respeitada por Lula e seus sucessores. Ele e Dilma sempre optaram pelo mais votado. Michel Temer, em junho de 2017, também respeitou a lista, mas desprezou o mais votado – Nicolao Dino (621 votos) – optando pela segunda da lista, Raquel Dodge (587 votos). Quebrando a tradição, Jair Bolsonaro escolheu Augusto Aras que não estava na lista apresentada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) após consulta à categoria.

Ao comentar a atual crise na PGR respondendo a questionamento de Arnaldo César, Fonteles lembrou que o atual procurador-geral “não é um líder” e continuará sem liderança se não procurar buscar entendimento com seus pares no Ministério Público Federal (MPF):

Ninguém é líder atrás de uma mesa, como estou aqui agora. O líder tem que saber ir ao encontro de todos os seus liderados. Olhar nos olhos. Falar, mostrar. Isso eu fiz. Eu percorri, nos dois anos como procurador-geral, do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Tinha procurador que não gostava de mim, tudo bem, isso não é problema. Mas eles pelo menos sabiam que eu ia lá e falava como era. Este é o grande problema, o ruído vem disso. Uma pessoa que está ilhada em um gabinete de procurador-geral da República, em Brasília. Está fechadinho, ilhado. Eu dialoguei com todos os setores. O grande problema é esse, a ausência de liderança“.

Na entrevista à TV 247, Fonteles defendeu a anulação de todos os processos de Sérgio Moro contra Lula: “desde a raiz”. (Foto: reprodução)

Suas críticas ao atual procurador-geral se estenderam também por conta do conflito gerado por Aras com as chamadas Forças Tarefas, notadamente a de Curitiba. A entrevista ocorreu antes de o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal ter acatado pedido de Aras determinando às Forças Tarefas o compartilhamento de seus dados e arquivos com o PGR. Fonteles entende que a subprocuradora Lindôra Araújo não tinha direito a acessar os arquivos da Lava Jato no Paraná, por não estar à frente de uma investigação específica que justificasse tal acesso:

Se ela foi a Curitiba, vamos saber a razão dela ter ido. Se foi em missão da corregedora do Ministério Público Federal, para ver como estava o trabalho, tudo bem. Mas ela não foi nessa missão. A própria corregedora-geral disse que ela não tinha essas atribuições. Se ela foi para compartilhar dados com um caso em que ela era promotora natural, vale dizer, de um deputado federal, de um senador da República, que ai passa a ser da responsabilidade do procurador-geral ou de quem ele indique, como promotor natural, tudo bem. Então que ela mostrasse isso por escrito e ali se conversava e ali se partilhava de provas. Mas se ela vai lá, por espontaneidade sua, vontade sua, para pegar dados, sem a demonstração de que ela seja promotora natural, ela está invadindo as atribuições do colega. Ela desrespeita o princípio do promotor natural“.

Na sua gestão à frente do MPF, ele incentivou trabalhos em equipe, sem utilizar a expressão Força Tarefa que, aliás, já existia no Rio de Janeiro, desde meados dos anos 90, para investigar fraudes contra a Previdência Social. Era um grupo do qual participaram procuradores como Carlos Alberto Aguiar, Fábio Seghese, Marcelo Freire e Orlando Cunha, atuando em conjunto com auditores do INSS e policiais federais.

Eu dizia, o procurador da República não é ilha. Se quer ser ilha, vai ser advogado privado, monte lá seu escritório. Procurador da República é um servidor público, e aí temos que criar trabalhos em equipe. Minha nomenclatura não era Força Tarefa, era trabalhos em equipe. Criei muito. Por quê? Além de você facilitar este trabalho de várias cabeças pensando junto, nos grandes casos, você também dá segurança.”

Processo de Moro contra Lula é viciado, desde a raiz

Apesar da defesa do trabalho em equipe, o ex-procurador-geral da República, que também foi professor de Direito Penal e Direito Processual Penal por 40 anos, advertiu que a atuação dos procuradores em grupo precisa respeitar parâmetros. Por conta desse seu entendimento, criticou os colegas da Força Tarefa de Curitiba por terem se imiscuindo com agentes do FBI:

Há parâmetros bem claros, você tem que respeita regras. Se é verdade, e parece que é verdade sim, o trabalho da Polícia Federal ou do Ministério Público Federal, do grupo lá de Curitiba,  com órgãos do exterior, por espontaneidade sua, quer dizer, por uma situação peculiar a eles, sem obedecer a todo o regramento, que é um regramento que nos permite tornar as coisas claras e, portanto, sujeito a controles, isso ai é altamente irregular“.

Fonteles: Nulidade do processo de Moro contra Lula é insanável. Ou seja, não pode ser nunca restaurada (Foto: Reprodução)

Suas críticas à Força Tarefa de Curitiba vão além. Atingem em cheio o comportamento do juiz Sérgio Moro. Para ele, a atitude do magistrado de interferir nas investigações é absolutamente inconstitucional e ilegal”. Depois de explicar os motivos de ser contra o chamado juizado de instrução, Fonteles, voltou a falar do trabalho de Moro defendendo a completa anulação dos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

Juiz, insisto fortemente, não investiga nada. Juiz, imparcial, julga. Por isso que, para mim, todo esse procedimento do juiz Sérgio Moro contra Luiz Inácio Lula da Silva está viciado, ex radix, ou seja, desde a raiz, por nulidade insanável”.

Apesar de convencido da nulidade de todo o processo contra Lula, e mesmo tendo convivido por vários anos com os ministros do Supremo Tribunal Federal, ele não arrisca palpitar sobre o comportamento da corte diante da ação movida pela defesa do ex-presidente pela suspeição do ex-juiz Moro:

Cláudio Fonteles reconhece (a nulidade do processo) e tentou demonstrar para todos aqui, juridicamente. Agora, se o Supremo vai reconhecer, aí é futurologia e eu não sei. Mas alguém precisaria dar argumento jurídico em contrário, pois eu não vejo. A atitude dele macula o trabalho do Ministério Público e dele próprio. Nulidade, repito, insanável. Ou seja, não pode ser nunca restaurada e a qualquer tempo pode ser levantada.”

As críticas no processo do ex-presidente, vão além. Quando questionado se ele, como procurador, denunciaria alguém por corrupção, por conta de um apartamento triplex, que não estava em nome dele, que essa pessoa visitou uma única vez e que essa pessoa nunca morou nele, ele foi direto:

Se são estas as provas incontestes, estas três provas que você me traz, de maneira incontestável, não denunciaria.”

Bolsonaro cometeu crime de prevaricação

Ao abordar a situação política atual do país, Fonteles voltou a criticar Aras, tal como já tinha feito em artigo reproduzido aqui no BLOG em 27 de maio – “Aras tem o dever de denunciar Bolsonaro”, diz Fonteles, ex-PGR – por sua omissão diante do possível crime de prevaricação do presidente, notadamente por suas confissões de querer interferir na Polícia Federal. As críticas ao comportamento do procurador-geral, porém, são maiores. Passam também pela inesperada visita de Bolsonaro à sede da PGR em 25 de junho – Bolsonaro se convida para ir à PGR e tem encontro com Augusto Aras:

O ato mais grave ainda foi a conduta de Aras quando dava-se posse, a solenidade já tinha terminado, ao subprocurador-geral da República que hoje é encarregado da Procuradoria de Defesa dos Direitos do Cidadão, o colega Vilhena. O presidente telefona para o procurador-geral dizendo que quer ir na PGR, porque quer dar os parabéns ao recém nomeado procurador de Defesa dos Direitos do Cidadão. Qual a conduta do procurador-geral Augusto Aras? Disse ele, em resposta ao autoconvite – porque a solenidade já tinha terminado – feito pelo presidente Bolsonaro. ‘Estamos esperando V.Ex.ª com a alegria de sempre’. Essa frase é brutalmente inoportuna para quem é investigador em relação a quem é investigado.”

Colocando-se no lugar de Aras, ele explica como agiria:

Se eu sou procurador-geral, eu diria delicadamente para o presidente da República: ‘senhor presidente, a cerimônia já terminou. Não há razão para a presença de V.Ex.ª aqui em nossas dependências”. Se o presidente insistisse em ir , eu diria, ‘o senhor pode vir, esta casa está aberta a todas as pessoas, só que eu não o receberei, porque como o senhor bem sabe eu estou a investigar condutas que envolvem o comportamento de V.Ex.ª, quem o receberá será o vice-procurador-geral da República’. Isso me parece, a conduta adequada de quem tem que zelar pelo princípio da independência funcional.”

Questionando sobre seu entendimento de que o presidente prevaricou, ele reafirmou-o, detalhando:

Quanto ao fato de intervir na Polícia Federal, não tenho a menor dúvida. No artigo que escrevi, eu aponto fatos. Estou sempre trazendo para as pessoas meditarem e refletirem, fatos. Não to aqui com blá, blá, blá, com abstrações, com jogo de palavras. Trago sempre fatos. Ali elenquei, se não falha a memória, cerca de quatro ou cinco fatos incontestes de intervenção do presidente da República na Polícia Federal. Isso é claríssimo. Daria, concederia a ele, o direito de se manifestar“.

Recorrendo à sua prática de professor, define o que é e como se caracteriza o crime de prevaricação, para demonstrar que no caso de Bolsonaro, é algo “eloquente”:

Prevaricar é um crime que só funcionário público pratica, seja ele de que nível for. E presidente da República é funcionário público, é servidor público. Como se apresenta esse crime? É o servidor público que pratica ato contra a lei para satisfazer um sentimento ou interesse pessoal. Acontece isso no fato Bolsonaro? Acontece. Qual o ato ilegal que ele pratica? O ato de interferir na Polícia Federal, que tem que cumprir o seu mister, a sua missão e não é polícia do Poder Executivo. A constituição diz, com todas as letras, a Polícia Federal é polícia judiciária. Então, não é polícia do presidente da República. Ele tem lá o Gabinete de Segurança Institucional. O caso da prevaricação é eloquente. A Polícia Federal não é polícia do presidente da República“.

Recorrendo às suas anotações, repete a fala de Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril para reforçar sua tese e, em seguida, acrescenta:

Ele pratica um ato ilegal interferindo para tirar gente, para botar gente, amigo, não sei o que lá, enfim… E para o quê? O que o motivou a isso? Ele mesmo diz naquela fatídica reunião do dia 22. Porque estão a perseguir familiares e amigos meus. O que levou o presidente a interferir na Polícia Federal, ilegalmente? Um sentimento de proteção de amigos e de familiares“.

São, no seu entender, fatos suficientes para gerar uma ação do procurador-geral. Fatos que justificam uma acusação, ainda que possam nem redundar em condenação, mas que deveriam ser levados ao crivo do judiciário:

Fica caracterizado para acusar. Trata-se de um ato acusatório. Não se trata de ato para condenar. Ato acusatório é que vai abrir um processo crime. Nós, no Direito, usamos até uma expressão latina. Basta para acusar uma mulher ou um homem que exista o que chamamos em Direito de fumus boni iuris, ou seja, fumaça do bom direitoEsses fatos que eu mostrei agora, concretamente, para mim não é nem fumaça. É fogaréu do bom direito.”

Abaixo a íntegra da conversa com Claudio Fonteles na TV 247

 

 

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1 Comentário

  1. Manuel Jesus Gonzalez disse:

    Só desejar muita força Marcelo Auler

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