Em manifestação apresentada segunda-feira (03/04) na 7ª Vara da Justiça Federal de Sergipe, a procuradora da República Martha Carvalho Dias de Figueiredo encampou a proposta de que a União seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 128.250.000 (cento e vinte e oito milhões e duzentos e cinquenta mil) pelo assassinato por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos, um homem negro, de 38 anos, morto após ser rendido por agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no município de Umbaúba (SE), em maio de maio de 2022.
O parecer do MPF ocorreu na ação civil pública impetrada pela Educafro Brasil – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes e ainda pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos. As duas entidades buscam “reparação de dano moral coletivo e dano social infligidos à população negra e ao povo brasileiro de modo geral”.
Na ação, a advogada da União Iris Catarina Dias Teixeira, Coordenadora Regional Adjunta de Negociação, propôs a suspensão do processo por 60 dias para que as partes busquem uma “resolução consensual do objeto posto em litígio”.
É indiscutível a responsabilidade da União pela ação dos seus três agentes. Genivaldo foi parado pelos policiais ao dirigir uma moto sem capacete. Não houve resistência de sua parte. Ainda assim foi agredido e sofreu “um golpe semelhante ao aplicado pelo policial que assassinou George Floyd em Minneapolis, nos EUA, exatos dois anos antes, em 25 de maio de 2020”, como lembraram os autores da ação. Já imobilizado, o sergipano negro foi jogado na mala do carro onde os agentes da PRF lançaram em seguida uma granada de lacrimogêneo, criando uma câmara de gás improvisada. Genivaldo morreu asfixiado com os gases que inalou.
Tudo devidamente filmado pelos moradores da cidade que alertavam que a vítima era portadora de doença mental. Alertas ignorados pelos agentes da PRF William de Barros Noia, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e Kleber Nascimento Freitas. Denunciados pelo homicídio, estão em prisão temporária e respondem a ação penal na mesma 7ª Vara Federal.
Para a representante do Ministério Público Federal (MPF), a atuação dos agentes da PRF “acarretou graves danos à coletividade, uma vez que as ações que se afastem ou violem frontalmente os mandamentos constitucionais que disciplinam a atuação do Poder Público e, em específico, das forças de segurança, são geradoras de grave e profunda ferida social e causam danos extrapatrimoniais coletivos e danos sociais”.
Para a procuradora, a atuação da administração pública “viola tanto normas internacionais sobre direitos humanos, das quais o Brasil é signatário, como normas constitucionais de direitos humanos”, que estão na chamada Constituição Cidadã.
A indenização coletiva de R$ 128,250 milhões reivindicada pelos autores da ação civil é explicada não apenas pela gravidade e repercussão dos fatos, mas também a necessidade do caráter punitivo e pedagógico da condenação por danos morais. Eles não negam que se inspiraram no caso George Floyd, que gerou ao Estado americano uma multa equivalente aos R$ 128 milhões reivindicados na ação em Sergipe.
Levaram em conta “a magnitude dos direitos aviltados – os resquícios da escravização de pessoas negras, a ressonância do passado de opressão e dominação policial, o atentado à vida e à dignidade do cidadão negro – e o caráter antissocial dos crimes perpetrados”.
Lembraram que não se trata da indenização à família – motivo de outra ação. Mas “o direito de toda a sociedade de não se ver afrontada por ações dessa magnitude, que ofendem a generalidade das pessoas, gerando repulsa e indignação, o que leva à necessária aplicação do dever de reparar o dano moral perpetrado contra todos, indistintamente, pela via da grave violação de valores fundamentais historicamente conquistados”.
“Definitivamente, aqui não se cuida dos direitos individuais da vítima, mas do direito da coletividade de não estar submetida ao risco mínimo de reiteração de condutas dessa natureza, bem como o de ver reparado o dano causado ao senso coletivo de justiça e igualdade racial”.
O pedido encontrou eco no parecer da procuradora da República. Após lembrar a legislação nacional e os tratados internacionais assinados pelo Brasil, ela foi categórica:
“Diante de tal panorama, torna-se necessário reconhecer a responsabilidade da União, em face da conduta de seus agentes, ainda mais quando analisada e sopesada dentro de um contexto nacional de violência policial reiterada em face do povo negro e periférico, já que não se trata de caso isolado e sim de um comportamento não apenas individual dos agentes, mas também de um comportamento institucional, já que se insere dentre os diversos outros episódios envolvendo a abordagem violenta de agentes da PRF amplamente reportadas pela imprensa nacional e levadas ao Judiciário, nas quais divulgadas o uso excessivo da força em desfavor de pessoas abordas – pessoas negras – que não ofereciam quaisquer riscos à incolumidade física dos citados agentes. Trata-se, portanto, de violência de estado que necessita de intervenção judicial que assegure, no âmbito cível, a imposição de obrigações à ré a título reparatório/pedagógico/punitivo, assim como de caráter cominatório, para evitar a repetição do dano”.
No entendimento de Martha, “a indenização do dano moral a ser fixada deve considerar as consequências que a conduta dos agentes, pela qual responde objetivamente a Administração Pública Federal, causou à coletividade brasileira e, em especial, ao povo negro, inclusive considerando-se o simbolismo que a tortura e o assassinato de uma pessoa negra por agentes públicos, em plena luz do dia, diante de numerosos populares, e registrada em vídeo retransmitido uma infinidade de vezes nos meios de comunicação no Brasil e ao redor do mundo, representam para a reafirmação das normas de organização social vigentes baseadas em relações de poder e hierarquia racial que tem como objetivo manter a subordinação, a inferiorização e desumanização das pessoas negras ou racializadas pela categoria dominante, qual seja, a branquitude.”
Ao concordar com o valor pedido pelas duas entidades que representam parte da população negra no país, a procuradora trouxe ao debate não apenas o valor do orçamento da PRF em 2022, quando Genivaldo foi morto: R$ 5,14 bilhões. Destacou, inclusive grifando bem, o baixíssimo gasto da corporação, naquele mesmo exercício, com formação de recursos humanos: “apenas o valor total de R$ 17.091,97 (dezessete mil e noventa e um reais)”.
Diante deste baixo dispêndio para com a formação dos seus agentes, a procuradora da República conclui que a “instituição PRF, a despeito do que restou afirmado nos autos pela UNIÃO (…) não concentra, na prática, esforços para ampliar a capacitação dos seus agentes, ao menos na rubrica destinada à Formação de Recursos Humanos, o que reforça a necessidade de intervenção judicial para garantia dos direitos humanos cuja proteção se busca na presente ação.”
Além da quantia a ser revertida ao fundo destinado à reconstituição dos bens lesados, a procuradora se mostrou favorável também a que o juízo condene a União, obrigando-a a “instalar câmeras de vigilância nos veículos da Polícia Rodoviária Federal e no fardamento dos policiais rodoviários federais, por reputar que se mostram adequados e proporcionais aos fatos que constituem a causa de pedir e, em especial, ao objetivo de afastar a repetição de outras ocorrências semelhantes ao longo do tempo”.
Dos demais pedidos formulados pelas duas entidades representantes de parte da população negra, a procuradora endossou a grande maioria, a saber:
Uma decisão judicial sobre os pedidos pode demorar. O advogado Marlon Reis, do Educafro e do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, já corre atrás do contato com advogada da União, Iris Catarina Dias Teixeira, Coordenadora Regional Adjunta de Negociação. Tentarão um acordo.
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