O que realmente existe atrás das máscaras dos, aparentemente jovens – ou mesmo “moleques” -, como preferem alguns, que mais do que marcar presença em atos públicos, deixam rastro de vandalismo por onde passam? Legitimamente eles também têm direito a se manifestar. O problema é que o tipo de manifestação deles acaba por afetar – e, normalmente, dissolver – a manifestação de um grupo ainda maior.
Estes grupos, genericamente denominados Black-blocs, tornaram-se um desafio (ameaça?) à democracia, na medida em que são apontados como responsáveis pelo chamado vandalismo ou pelo enfrentamento à polícia. Geram o tumulto, provocam a reação desmedida que a polícia sempre está pronta a (e ansiosa por) cometer e isso dispersa qualquer manifestação.
Entender o que eles querem e porque agem assim é algo que ainda não se conseguiu fazer. Em 2013, na época das manifestações pelo Passe Livre, em São Paulo, quando começaram a surgir, Paulo Cezar Monteiro, na edição 125 da Revista Fórum, escreveu Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer”. A chamada da reportagem dizia: “Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas””.
Declaram-se anarquistas, mas nem sempre são capazes de definir o que realmente desejam ou pensam. Embora o Anarquismo seja uma ideologia e uma posição política, muitos deles não têm consciência do que, teoricamente, apregoam. Fica evidente que muitos deles não possuem nenhuma proposta concreta a não ser a destruição do que está aí. Posicionam-se contra sindicatos, centrais sindicais e partidos políticos, mas não apresentam nada que os substituam, ou qualquer ideia para unificar um grupo, uma categoria, seja o que for. Afinal, discordam da representatividade. Não têm uma pauta daí sobressaindo pura e simplesmente o “Fora governo”, acoplado ao vandalismo. Isto ficou claro em entrevista de Roberto Cabrini (veja abaixo), em julho de 2014, ao questionar um deles como seria o país que desejam.
Mas o vandalismo que apregoam e incentivam não pode ser respondido por outro vandalismo. Menos ainda um vandalismo oficial, que ataca pessoas, indiscriminadamente, sejam black blocs ou cidadãos que apenas foram às ruas protestar pacificamente. Ao justificarmos o combate a qualquer preço àqueles que depredam e quebram tudo estaremos defendendo o vandalismo de forças oficiais que agride – desmedidamente, repita-se, como ficou claro em Brasília -, os cidadãos, ou os “corpos”, como muito bem colocado pela brilhante Eliane Brum.
Ela, na quinta-feira (25/05), no El País, abordou esse assunto de forma clara em Black Blocs, os corpos e as coisas. Mostrou o risco de a sociedade, na sua maioria, condenar esses grupos por “quebrarem bens materiais”, enquanto se cala quando as forças policiais, ao atacarem manifestantes – e não apenas os black blocs -, “quebram corpos”:
“Os black blocs, que apanham tanto de tantos lados, podem ser uma chave para compreender esse momento tão complexo do Brasil. Não apenas pelo que são, muito pelos discursos sobre o que são. Ao quebrarem patrimônio material como forma de protesto e serem transformados numa espécie de inimigos públicos, aponta-se onde está o valor e também a disputa. Enquanto a destruição dos corpos de manifestantes pela Polícia Militar é naturalizada, a dos bens é criminalizada. Reafirma-se, mais um vez, que os corpos podem ser arruinados, já que o importante é manter o patrimônio, em especial o dos bancos e grandes empresas, intacto. São também os corpos que sofrerão o impacto do projeto do governo que não foi eleito. Estes, que poderão ser ainda mais exauridos pelas mudanças nas regras do trabalho e também nas da aposentadoria. São os corpos os atingidos pelas reformas anunciadas como uma necessidade para não “quebrar o país”. Ao subverter o objeto direto do verbo “quebrar”, quebrando o que não pode ser quebrado, os mascarados desmascaram o projeto que pode ser chamado de “mais um direito a menos””
Mas o problema não se resume a apenas depredarem, no início os prédios públicos, hoje estes e mais os chamados “alvos capitalistas”. Esses grupos, que não reconhecem instituições, querem também impor o silêncio dos demais grupos. Como demonstraram na manifestação no Rio, em 18 de maio, ao cercaram o carro de som onde parlamentares falavam, impedindo-o de prosseguir até defronte da Câmara dos Vereadores, na Cinelândia. A depender deles, inclusive, não haveria discursos ou manifestações.
No momento desse cerco, tentaram impedir que o ato continuasse. Parlamentares eram chamados de “oportunistas” pois, na verdade, para os black blocs as instituições não devem existir e a saída da crise não está em uma negociação, mas na “destruição” de tudo, inclusive, e principalmente, o capitalismo e os governos. Sejam quais forem.
Após tumultuarem o ato do dia 18, sem que conseguissem interrompê-lo, eles foram ao confronto com a Polícia Militar. São corajosos, não se nega. Enfrentaram de igual para igual durante certo tempo, levando a tropa a recuar pela Rua Araújo Porto Alegre.
Mas, com isso, provocaram uma reação policial descabida – bem típica de como gostam nossos policiais militares – e desmedida, pois não se limitou a quem os atacava, mas sim a todos os manifestantes que estavam na praça. Tampouco se limitou à praça, a perseguição se deu por várias ruas do centro contra aqueles que tentavam ir embora e fugir das bombas e da fumaça.
Relacionar esses ataques aos organizadores das manifestações é um erro comum que vem se repetindo, principalmente por jornalistas acostumados a escrever de dentro da redação, sem irem à rua ver o que acontece. Reproduzo aqui, sem identificar, o que escreveu, na quinta-feira, um colega de Brasília, querendo ensinar Pai Nosso a vigário:
“Em razão dos atos de vandalismo protagonizados por manifestantes convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos de oposição, que chegaram a atear fogo nos ministérios da Agricultura e da Cultura e a depredar outros prédios da Esplanada, a crise ganhou contornos que podem resultar numa tragédia, se não houver uma mudança de rumo na situação. De um lado, a oposição precisa dar exemplo e deixar de estimular a violência e o vandalismo nos protestos; de outro, os poderes da República, notadamente o Congresso e o Supremo Tribunal, devem buscar uma saída para a crise ética e política”. (grifo meu)
Somente quem não frequenta atos públicos há muito tempo, ou nem sequer conversa com quem participa deles, ousaria dizer que black blocs e vândalos são “convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos de oposição”. Algo totalmente fora da realidade. Primeiro, que não há convocação. Nem precisa, eles surgem no meio. Segundo por que esses grupos, que se auto intitulam sem lideranças, não se subordinam a ninguém: nem entre eles, muito menos entre aqueles que pertencem às chamadas “instituições” que combatem.
Desafio aos jornalistas – O discurso da mídia tem sido este quando está contra determinados atos. Não mira no que acontece, na verdadeira motivação de quem se deslocou até ali – no caso, esta semana, do Ocupa Brasília, durante horas ou dias de viagem – para protestar. Acaba focando-se no tumulto provocado por uma minoria que, erroneamente, é tratada como igual aos demais: “manifestantes convocados pelas centrais sindicais e pelos partidos políticos”.
Na verdade, o desafio que os black blocs nos impõem, como profissionais que devemos reportar o que acontece, é grande, mas igual a muitos outros com os quais lidamos dia a dia.
Quem estaria por trás das máscaras? apenas jovens anarquistas, que desejam impor seu modo de pensar? Ou teríamos também os chamados provocadores infiltrados, como foram pegos, em 2013, agentes P-2 (uma espécie de polícia secreta das PMs em todo o Brasil), em manifestações que ocorreram no Rio? (vide vídeo abaixo) Não só eles. Mas, não seria possível também juntarem-se aos “anarquistas” simples vândalos, dispostos a quebrar pelo simples prazer de fazê-lo?
Na noite do dia 18, ao deixar a Cinelândia caminhando pela Rua do Passeio, presenciei dois ou três destes jovens tentando quebrar uma parada de ônibus. Bastou gritar mais forte que eles desistiram? Por medo? Assustados? A mim pareceu que se fizessem parte de algum grupo, eu receberia a resposta do grupo. Mas, nada aconteceu.
Em determinada capital do sul do país já ocorreu de organizadores de um ato infiltraram entre os black blocs um grupo de verdadeiros “bate-paus” arregimentados nas academias de musculação, sem quaisquer consciência política ou ideológica. Mascarados como os demais, na base da força e até do tapa, evitaram que a turma de mascarados cometesse atos de vandalismo.
Outro exemplo vem de Curitiba, em 2013, época dos preparativos para a Copa do Mundo, como relatou um amigo do Blog:
“Um dia eles marcaram um ato em frente ao Estádio do Atlético, que estava sendo reformado para a copa. Eram uns 30 e iriam vandalizar. De repente, de várias ruas da região começaram a avançar dezenas de integrantes da torcida organizada Os Fanáticos, sem deixar uma via de escape. Foi ridículo ver os “machões” chorando, pedindo que os deixassem ir embora, pedindo desculpas. Não conseguiram. Apanharam muito. Nunca mais fizeram gracinha no estádio, nem durante a Copa. Encontraram bandidos piores. E amarelaram“.
O fato ocorrido na capital ao sul do país mostra que mesmo os black blocs não são capazes de saber se entre eles há ou não infiltrados, Mal devem se conhecer. Quando muito formam pequenos grupos que se juntam ao acaso. Talvez, pudessem ser contidos por meio de grupos de manifestantes mais fortes, ou numericamente maiores. Mas isso transformaria manifestações em praças de guerra, fugindo ao objetivo principal. Seria o incentivo à violência, que os movimentos sociais e sindicais, acertadamente, se recusam adotar.
O desafio a nós jornalistas talvez possa começar a ser enfrentado buscando-se saber o que acontece com aqueles que são presos nessas manifestações. Normalmente divulga-se as prisões, mas depois não se acompanha o que aconteceu com quem foi pego. Quem eram? De onde vieram? O que disseram à polícia? Eram menores? E, principalmente, o que aconteceu com os mesmos? Foram simplesmente liberados para voltarem a tumultuar no ato seguinte?
Uma vigilância mais de perto por parte da própria imprensa permitirá saber até mesmo se entre eles não há provocadores de direita infiltrados, o que seriam, para a geração que viveu sob a ditadura civil-militar de 64, uma espécie de Cabo Anselmo. Ou meros policiais, que incentivariam a baderna, como em 2013, no Rio de Janeiro, ocasião em que PMS foram flagrados infiltrados entre os manifestantes, como registra o vídeo abaixo.
Mas, para isso, é preciso fazer jornalismo, ir às ruas e acompanhá-los, com paciência e perseverança. Uma pauta à espera de repórteres. Não apenas um, porém, vários, que compartilhem e complementem as suas apurações e observações. A democracia irá agradecer.
Vídeo que flagrou PMs infiltrados nas manifestações do Passe Livre:
Todas as fotografias do Ocupa Brasília reproduzidas nesta reportagem foram gentilmente cedidas pelo jovem fotógrafo Francisco Proner Ramos a quem agradecemos.
3 Comentários
Aquele juizeco desequilibrado da turma dos moleques de Curitiba, absolveu a patroa de Cunha porquê o gângster ameaçou delatar gente do judiciário:
https://caviaresquerda.blogspot.com.br/2017/05/o-que-move-moro-o-bipolar.html
Requião denuncia: EUA está por trás da delação de Joesley:
http://www.nocaute.blog.br/brasil/requiao-o-acordo-de-delacao-da-jbs-foi-montado-com-o-departamento-de-estado-norte-americano.html
Lamaçal atinge judiciário e Fachin está sob suspeita de ligações com a JBS:
https://caviaresquerda.blogspot.com.br/2017/05/delator-da-jbs-ajudou-edson-fachin-em.html
PS – Quanto ao assunto em pauta, é NOTA ZERO em conhecimento do que é o Anarquismo do black-bloc entrevistado. ZERO BEM REDONDO!