Tenho respeito por Vossa Excelência como pessoa de inteligência incomum, enorme capacidade de articulação e homem de diálogo. Estivemos, quase sempre, em lados opostos, mas isso nunca impediu que conversássemos, porque os interesses de nossa população sofrida não permitem que agentes públicos se ignorem por razões de cosmovisão diferenciada. Sou um menino, comparado com o Senhor, no meu pendor intransigente por defender os excluídos e por não tergiversar no que respeita a minha consciência ética, política e ideológica. Mas aprendi consigo que, apesar das profundas divergências, há espaços de confluência que merecem nosso esforço de construir o consenso pontual.
Entristecido, li recente nota sua em que nega conhecer e ter tido amizade com nosso irmão comum Ângelo Goulart Villela. Vossa Excelência lhe atribui iniciativas contra si na Justiça Eleitoral de Roraima, como impeditivas de ter uma relação próxima dele. Foi, segundo a Coluna de Lauro Jardim, este o teor de sua nota pública:
“Por meio de sua assessoria de imprensa, Romero Jucá negou que tenha relação de amizade com Villela e ‘estranha como um procurador que já pediu a cassação de seu mandato por duas vezes possa ser próximo a ele’. Segundo Jucá, o fato de ele ter sido processado por Villela mostra ‘que não há qualquer ligação’ entre os dois.” (Coluna Lauro Jardim, 28/05/17 – vide reprodução)
Infelizmente – e isso me pesa muito – vou ter que o desmentir. Faço-o, porém, com a paz na consciência de quem não tem nada a esconder, porque não se desviou das privilegiadas lições que recebeu em seu lar paterno: “esforça-te por ser como um livro aberto em que qualquer um possa folhear sem se escandalizar ou se indignar”. Sábias lições do egipciense João Guilherme de Aragão.
Para que não pairem dúvidas sobre o que vou dizer, contar-lhe-ei quem é Ângelo Goulart Villela, um dos quadros mais leais, honestos e brilhantes do Ministério Público Federal. Tão honesto que, mesmo admirando Vossa Excelência como um garoto admira um gigante da política, não se esquivou de processá-lo, quando o dever funcional não lhe deu outra escolha. A negação da amizade em sua nota é, em verdade, seu melhor testemunho do excepcional caráter dele.
Ângelo, um jovem procurador, deve ter, suponho, uns dez anos de carreira. Conheci-o ao ser chamado, como corregedor-geral do Ministério Público Federal, a resolver situação de conflito entre colegas em Roraima. Era, ele, procurador-chefe e pessoa muito preocupada com a harmonia no ambiente de trabalho. Seus colegas de geração tinham-no como liderança inconteste. Transitava muito bem, igualmente, na polícia federal. Conversei, à época, com o superintendente regional em Boa Vista e lá ouvi os melhores testemunhos, provas de sua integridade e correção. Ao mesmo tempo, notava que era uma pessoa com disposição de diálogo, qualidade rara num ministério público contaminado por mentalidade redentora e moralista. Enfim, revelou-me inteligência emocional muito acima da média de nossos colegas. Fiquei impressionado positivamente.
Procurei então me informar melhor sobre Ângelo e soube que é sobrinho-neto do ex-Presidente João Goulart, filho de membro do ministério público e com irmão no quadro do MPT. Muito jovem, ganhando bem e sem filhos, levava uma vida relativamente despreocupada, permitindo-se algumas extravagâncias dentro de seu limite de renda, como comprar bons vinhos, fazer turismo em lugares interessantes deste mundão de Deus e frequentar bons restaurantes e hotéis, práticas, aliás, comuns a muitos colegas em situação análoga e típicas de uma geração de jovens que se sentiram atraídos pela carreira por conta dos confortos que proporciona. Já fiz muita crítica a respeito disso e nem sempre entendida por seus destinatários.
Quando, em 2013, fui nomeado Vice-Procurador-Geral Eleitoral, convidei Ângelo para fazer parte de minha equipe. Estava, ele, lotado em Guarulhos. Fiquei preocupado com a possibilidade de seus colegas de unidade não o liberarem, porquanto a procuradoria local é uma das mais movimentadas do Brasil. Mas tive a grata surpresa de saber que os colegas não só o liberaram, como fizeram questão de expressar sua satisfação de ver um dos seus ascendendo para atuar num órgão da cúpula da instituição. Ângelo mereceu aplausos de seus pares.
Durante minha atuação junto ao Tribunal Superior Eleitoral, Ângelo foi meu braço direito, pessoa da mais estreita confiança e sabia se desincumbir muito bem de casos complicados e sensíveis, jamais se deixando levar por paixões, doutrinarismos ou tendências político-partidárias. Gozava de respeito dos atores políticos que acorriam ao tribunal e dos próprios ministros da Corte. A todos buscava atender com presteza e compreensão, sobretudo a Vossa Excelência. Nunca me deu motivos para desconfiar de qualquer desvio de conduta. Muito pelo contrário, exibia rigor na aplicação da lei.
Por sua capacidade de dialogar e articular politicamente, Ângelo despertou, também, a atenção do Procurador-Geral da República. Foi frequentemente incumbido de dar recados do chefe da instituição a parlamentares, inclusive a Vossa Excelência, Senador. Fazia o leva e traz. No seu gabinete – isso testemunhei pessoalmente – Ângelo era de casa, conhecido e estimado por boa parte de sua equipe. Conseguia agendar reuniões consigo sem dificuldades e, por isso, era usado não só pelo Procurador-Geral, mas, também, pela Associação Nacional dos Procuradores da República, de cuja diretoria passou a participar para facilitar a articulação parlamentar. Foi recebido pelo Senhor juntamente com o Doutor Robalinho, presidente da ANPR, para tratar de pautas legislativas, como se vê na foto abaixo.
Não sei se Ângelo cometeu algum ilícito no episódio em que foi exposto à sanha persecutória da mídia, numa sociedade doente como a nossa, pela intensa polarização política causada interesseiramente para desgastar os governos populares do Partido dos Trabalhadores. Na verdade, isso não me interessa. Nosso amigo haverá de se defender na instância própria e espero que receba a justiça que todos merecemos, coisa, aliás, difícil nos dias de hoje, quando o judiciário e o ministério público demonstram mais empenho de agradar a tal “opinião pública” do que garantir direitos dos jurisdicionados. Para mim, o que importa é manter-me fiel à máxima inglesa: “a friend in need is a friend indeed”, um amigo na necessidade é um amigo de verdade.
Ângelo está sendo trucidado por aqueles a quem serviu com denodo e fidelidade. Para ele, que aparentemente feriu a omertà ministerial, não vale a presunção de inocência. A palavra torta de um advogado metido em encrenca é suficiente para o Procurador-Geral taxá-lo publicamente de corrupto, sem qualquer exame mais acurado sobre a procedência da solteira acusação de que estaria a receber cinquenta mil reais por mês do Grupo JBS.
Tristes tempos! Para entrar numa fria no Brasil de hoje, basta estar no lugar errado, na hora errada. Sua vida está destruída. Nunca o Ministério Público Federal agiu com tanta ferocidade contra qualquer um dos seus. E olha que lá não tem só carmelitas de pés descalços! Todos o abandonaram à própria sorte. Todos dele querem distância como se fosse um leproso. Inclusive Vossa Excelência.
Pois não vou abandoná-lo. Aprendi a não julgar ninguém. Nem como procurador. Não sei se, acaso estivesse no lugar de um errante, agiria melhor do que ele. A vida não me colocou nessa prova. Cada um carrega sua cruz e dá seu jeito para cumprir a tarefa. Limito-me a verificar se certa conduta se subsume à hipótese de um tipo penal. Só isso. E procedo à aplicação da norma cum grano salis, pois, summum jus, summa injuria! Afinal, é sempre bom desconfiar de si mesmo, de seus impulsos e de suas emoções, pois ninguém é melhor que ninguém.
Ângelo foi vítima daqueles que o usaram. Ao assumir a tarefa de estafeta, foi útil para muitos colegas mais espertos e mais pusilânimes, zelosos de não se exporem. Ele estava no olho do furacão, na crise que tomou conta do país. É que o ministério público adora fazer bonito para o público e, para ficarem belos na fita, não faltam cúpidos colegas. Adoram se exibir na cruzada contra o mal, os arautos da moralidade. Mas o que eles escondem é que seu protagonismo político e social exige que consigam manter seu prestígio como carreira, com bons ganhos e crescentes poderes de ação. Tem-se aí um paradoxo: ao mesmo tempo em que batem em Vossa Excelência e em seus pares no parlamento, precisam ter alguém que os chaleire, que os cative, para que os seus sejam bonzinhos e não partam para a vindita, numa guerra intercorporativa. Há nossos bad cops e nossos good cops, os “canas” malvados e os “canas” gente boa. Um não vive sem o outro. Os Dallagnois e a patota de sua claque interna se adoram no papel de bad cops. São os que os tratam na chibata, para todo mundo ver e criar ojeriza a sua classe.
Ângelo tinha por função ser o good cop. Aquele que vem com papo agradável, diplomático; aquele que quebra galhos e oferece alguma previsibilidade aos ataques que estão por vir, para que a turma de Vossa Excelência possa se preparar. Afinal, a imagem para um político é seu principal ativo e ter algum insider que lhe ofereça alguma explicação sobre os sarrafos que está levando é mais do que útil, é necessário para se preservar minimamente.
Ângelo sabia que sua missão era necessária, também para preservar as conquistas corporativas do ministério público. Tinha que agir com extrema cautela, numa greta entre o lícito e o ilícito. Se os políticos são em sua maioria gente corrupta, como o ministério público dá a entender, negociar com eles benefícios da carreira beira à corrupção também. Mas não negociar é a certeza da perda de poder e de ganhos e privilégios.
Alguém tem que fazer esse papel de modo a não comprometer a classe dos limpinhos. Esse cristão tem que ser manhoso, simpático que nem todo estelionatário e conseguir manter as aparências de decoro. Mas Ângelo era bom no que fazia, porque não era um estelionatário. Era sincero, compreendia o mundo político como ninguém e, sobretudo, respeitava a soberania popular.
Não tenho dúvida que o papel que lhe foi cometido levou Ângelo a fazer o que fez. Sentia-se empoderado para isso. Negociar com gente controversa era sua vocação. E sempre agiu sozinho, pois os colegas, ainda que se beneficiassem, não queriam se meter nessa roubada. E, enquanto as tratativas de nosso amigo traziam frutos bons para a corporação, ele era festejado: “Graaande Ângelo”! Era que nem Blokhin, o fuzilador preferido de Stalin: era adorado e adulado pelo Vozhd, mas nunca o tinha em sua companhia ao executar suas vítimas, obedecendo a sua ordem de rastreliat.
Isso, claro, não justifica a entrega de documentos internos a uma parte investigada; mas a explica muito bem. Seu pecado foi achar que, na força tarefa, poderia agir solo, dentro do coletivo de prime donne, como o fazia na política. Esqueceu de conversar com os russos, combinar o jogo. Não podia cativar Joesley e seus cúmplices sozinho, para aceitarem uma delação premiada que era a crème de la crème do bolo das vaidades.
Ângelo tornou-se uma pessoa trágica. Foi sugado interesseiramente e depois cuspido feito bagaço de laranja. Agora os amigos lhe viram as costas.
Senador, o Senhor não! Não tem esse direito. Ele muito se sacrificou por Vossa Excelência e pelos seus. Assumiu muitos riscos. Lembra-se, nos estertores do governo da Presidenta legtima e eleita Dilma Rousseff – aquela que vocês traíram junto com a democracia? Pois é. Era na casa de Ângelo Goulart que eu, como Ministro de Estado da Justiça, conversava com o Senhor para garantir tratamento digno à Chefe de Estado!
Era onde o Senhor se sentia melhor, mais protegido, não é? E agora diz que não o conhecia? Sinceramente, não esperava isso de Vossa Excelência.
Quem sabe, Senador, consiga verter lágrimas de arrependimento e vergonha que nem Simão Pedro, o pescador que episodicamente traiu seu Mestre?
Acredito nos humanos. Por mais perversas que possam ser suas atitudes, são filhos da luz e por isso são tão especiais, que nem Ângelo! Tenho responsabilidade por quem cativei e cumprirei com essa responsabilidade. Ele é e sempre será meu amigo. Afinal, não é qualquer um que brinca com meu filho na cama elástica da casa do Procurador-Geral da República.
6 Comentários
Dr. Aragão é tão bom ver que existem pessoas honestas nesse lamaçal que a mídia fez do nosso Brasil, que o senhor tenha pares!
Gostaria de agradecer ao Dr. Eugênio pela sensatez nas palavras e por apresentar de uma forma muito justa e esclarecedora, o perfil profissional do Ângelo. Quem teve a oportunidade de vê-lo atuando, não o liga somente a esse infeliz episódio. É muito bom poder ler algo, que possa reafirmar a certeza de quem o conhece. Que seja julgado da forma correta e como ele mesmo diria: “justiça seja feita”. Mas que cesse essa exposição exagerada na mídia.
Esse pessoal do Temer não se salva um… Jucá sempre foi tão canalha quanto o Temer. Mesmo antes do golpe o tal Geddel outra flor que cheira podre mostrou quem ele é. Todos eles são como Temer, Aécio, Cunha enquanto eles estão livres para fazerem suas maldades eles servem, depois de presos eles sofrem de amnésia. É como está o Cunha e é como ficará o Loures, Aécio se for preso, vão morrer nos esquecimento, pois venderam a própria alma, mas Temer e Jucá não ficarão impunes.
Doutor Aragao que felicidade saber que existem pessoas do seu quilate. O senhor engrandece a Instituição que pertence. Mais uma vez parabéns pela lucidez.
Carta muito oportuna, que expõe o cinismo covarde de Romero Jucá sem, contudo, ofender ou menosprezar o talento do senador como articulador político ou partir para ilações e acusações grosseiras contra o parlamentar.
O objeto da carta não são as conversas anti-republicanas protagonizadas por Romero Jucá ou manobras ilícitas, feitas nos bastidores da política. Mais do que cobrar uma postura e ação coerente do senador por Roraima, Eugênio Aragão desfere outra lancetada na corporação a que pertence, o MPF.
Tudo o que Eugênio Aragão expôs nesta carta a Romero Jucá destaca e amplifica o que ele mostrou sobre o caráter e as ambições do PGR, Rodrigo Janot, e integrantes da cúpula do MPF, por extensão. Aragão confirma que essa turma do MPF, a começar por Janot, não tem nenhum escrúpulo, sendo capaz de lançar às feras os que até ontem eram aliados, auxiliares ou mesmo amigos de longa data, se o projeto de poder e influência que domina suas mentes assim o exigir.
Se, e quando, a canoa virar e forem colocadas rédeas e limites à atuação do MP, os que ficarem na instituição pagarão caro pelas atitudes anti-éticas, anti-republicanas, anti-nacionais, abusivas, arbitrárias e criminosas cometidas por Rodrigo Janot e outros procuradores do MPF hoje no proscênio. A disputa entre Rodrigo Janot e Gilmar Mendes é apenas uma luta intestina pelo poder; nenhum deles defende os interesse do Brasil ou o Estado Democrático. GM mantém lealdade e fidelidade caninas aos aliados políticos, mas Janot só pensa em si. Tanto nas manobras políticas como jurídicas GM demonstra maior talento; em truculência e verborragia, assim como em cinismo, eles empatam. Janot vive o ocaso do máximo poder e glória que pôde alcançar, pois NÃO será reconduzido à PGR, seja por Michel Temer ou qualquer outro que esteja no Planalto. A Suprema Derrota de Janot se dará com a eleição de GM para suceder MT, por meio de eleição indireta. GM já costurou maioria no CN e essa possibilidade é mais do que factível: é provável.
Face ao exposto fica fácil entender a fúria com que o PGR vem perpetrando ações contra MT e GM.
A reação já está vindo. No TSE a não cassação da chapa presidencial é uma vitória mais de GM do que de MT; e uma grande derrota para a PGR e para a Fraude Jato. No STF GM está articulando reação ainda maior contra a PGR e demais lavajateiros. MT colocou a máquina do governo para triturar a JBS e começa a cortar as asas dos lavajateiros; recados contra Janot têm sido dados por meio de parlamentares aliados de MT que preferem não se identificar.
As milícias e ORCRIMs da burocracia do Estado – sobretudo as que atuam na Fraude a Jato – têm agora um adversário que usará contra elas armas de grosso calibre. Se contra o republicanismo ingênuo dos governos petistas, essa milícias e ORCRIMs institucionais tripudiavam e nadavam de braçada, associadas ao PIG/PPV, agora elas terão de enfrentar criminosos profissionais como elas.
João Paiva novamente acerta na avaliação do atual estágio de nosso judiciário. Entre Gilmar Mendes e Janot, difícil saber quem mais criminoso, talvez Janot pelo modus operandi da Lava Jato, e sua submissão a interesses internacionais que tanto devastaram nossa economia, desempregando milhões de trabalhadores brasileiros. A alternativa Mendes-Temer, a do capital nacional, onde viceja ratões como Joesley, parece menos danosa. E já que essa facção criminosa PSDB/PMDB não consegue mais esconder seus conluios e tramas dentro e fora de excutivo, legislativo e judiciário, e muito menos nas mídias, certo é que podemos ter um novo Congresso de composição na maior parte diversa da atual, com muito mais política e políticos, e menos negócios, gestores, negociatas, corretores, “artistas” ou malabaristas- e com poder legítimo de legislar, e revogar leis. E à frente da Justiça quem sabe, um Eugênio Aragão.